Lei da Liberdade Econômica (Questões Trabalhistas)

O texto base do projeto de lei de conversão da MP nº 881 da Liberdade Econômica aprovado pela Câmara dos Deputados sofreu pequenas alterações no Senado Federal. As alterações foram restritas a assuntos trabalhistas. A lei ainda poderá ser alterada em caso de vetos parciais pelo Presidente da República. Neste cenário, foi elaborada pela Flávio Obino FºAdvogados Associados à Cartilha abaixo, sendo certo que o conteúdo ainda poderá ser alterado (vetos) por ocasião da sanção presidencial.

P – Com a exclusão pelo Senado das alterações dos arts. 67, 68 e 70 da CLT todas as atividades estarão autorizadas a trabalhar em domingos e feriados com a publicação da lei?

R – Desde 1949 várias atividades estão permanentemente autorizadas a trabalhar em dias de repouso remunerado (domingos e feriados) com empregados. São os casos, por exemplo, da indústria de laticínios; panificação; distribuição de energia; o comércio em mercados, farmácias, postos de combustíveis e açougues; hospitais; empresas de comunicação; eventos esportivos, em um total de aproximadamente 80 atividades. Nestes setores, o repouso remunerado deve coincidir com o domingo a cada sete semanas. O texto aprovado pela Câmara estendia a autorização permanente para todas as atividades. O Senado excluiu as modificações. Assim, em regra, nada foi alterado, permanecendo a autorização restrita aos setores constantes da lista a que se refere o Decreto nº 27.048/49.

P – E quanto ao comércio, a lei altera as regras de trabalho em domingos e feriados?

R – Sim. Em relação aos comerciários a alteração é significativa. O comércio em geral foi incluído em junho (Portaria nº 604/19) na relação das atividades permanentemente autorizadas a funcionar em domingos e feriados sem a necessidade de negociação coletiva. Como determinado artigo da Lei nº 10.101/00 continha regra diversa condicionando o trabalho em feriados à celebração de convenção coletiva de trabalho, estabeleceu-se grande discussão sobre qual regra prevaleceria. O texto final da lei da liberdade econômica encaminhado para sanção revoga expressamente os arts. 6º, 6º-A e 6º-B da Lei nº 10.101/00 pondo fim a discussão. Pela nova lei e com a inclusão do comércio em geral na relação do Decreto nº 27.048/49, as empresas do setor permanecem autorizadas a funcionar em domingos e agora também em feriados, sem a necessidade de autorização em convenção coletiva de trabalho. A regra especial de dois domingos trabalhados por um de descanso também caiu, valendo para os comerciários a regra geral de descanso coincidente com domingo a cada sete semanas.

P – Esta autorização permanente enfraquece as negociações coletivas?

R – Nas atividades que não tinham autorização para o trabalho em domingos e feriados, ou em que a mesma era discutível (comércio), este tema sempre foi a principal pauta de negociação. Com a alteração, o poder de barganha dos sindicatos de empregados diminui, mas mesmo no novo cenário legal as convenções coletivas de trabalho, por deliberação dos representados, poderão fixar normas restritivas ou condicionais de funcionamento em domingos e feriados, estabelecer regras como prêmios pelo trabalho nestes dias, e inclusive fixar normas para a compensação do domingo trabalhado, como a alteração da periodicidade da coincidência com o domingo e o trabalho por mais de seis dias seguidos. O negociado prevalece sobre o legislado salvo as exceções previstas em lei.

P – O que mudou em relação a Carteira de Trabalho?

R – Ela será a partir de agora eletrônica e terá como identificação única o CPF do empregado. A comunicação pelo empregado do número equivale a apresentação da CTPS em meio digital e o empregador fará as anotações por meio eletrônico no prazo de cinco dias úteis. As antigas carteiras seguem válidas, mas serão paulatinamente substituídas.

P – O que altera no registro de horário

R – O registro de horário de trabalho sempre foi obrigatório para empresas com dez ou mais empregados. O número mínimo passa agora para vinte. Sempre aconselhamos que mesmo empresas com menos de dez empregados mantenham registro ponto. Nas ações trabalhistas eles são uma arma do empregador. A ausência de registro leva o juiz a decidir conforme o depoimento das testemunhas o que normalmente fragiliza o empregador. A pré-assinalação do repouso que ora obrigatório passa a ser facultativa. A sistemática de pré-assinalação tem se mostrado eficaz. A grande novidade é a possibilidade de adoção do registro de ponto por exceção à jornada regular mediante acordo entre empregado e empregador. Antes a sistemática dependia de ajuste coletivo de trabalho com a participação do sindicato dos empregados.

P – Alguma outra alteração significativa na esfera trabalhista?

R – Em que pese opiniões de que as regras relativas a grupo econômico e de despersonalização da pessoa jurídica se aplicam as relações trabalhistas pensamos diferente. A alteração ocorreu no Código Civil, mas a legislação trabalhista trata especificamente da matéria, assim não existe lacuna para aplicação da regra civil. Na Justiça do Trabalho prevalece o entendimento de que os sócios, inclusive os retirantes (em ações ajuizadas até dois anos de sua saída) respondem subsidiariamente pelos débitos trabalhistas sem qualquer limite (art. 10-A da CLT) caso a empresa não pague o débito. Quanto ao grupo econômico permanece vigente a regra do art. 2º, § 2º, da CLT, ou seja, o grupo econômico é solidariamente responsável por dívida trabalhista.

P – E como ficam as leis municipais que restringem o funcionamento do comércio?

R – O ato municipal de regulação de funcionamento de empresas, na forma do art. 1º, §§ 4º e 6º da lei aprovada, é ato público que deverá observar os preceitos contidos na Lei da Liberdade Econômica. O art. 3º, a seu turno, consagra o direito ao desenvolvimento de atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem encargos adicionais, sendo a única exceção os de natureza trabalhista. Mesmo sendo o município competente para legislar sobre assuntos de interesse local deverá respeitar o novo ordenamento jurídico, não podendo vedar o funcionamento do comércio. Quanto às leis restritivas hoje vigentes não há revogação expressa. A ilegalidade ou inconstitucionalidade deverá ser declarada em ação própria de controle concentrado ou não.

P – A lei entrará em vigor imediatamente?

R – O projeto aprovado seguiu para sanção e publicação pelo Presidente da República. Caso não seja alterado as regras trabalhistas passarão a valer a contar de 90 dias da data de sua publicação e as de natureza programática de imediato.

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