Regulamentação da Profissão de Comerciário

Em 2007 os Senadores do Rio Grande do Sul Pedro Simon e Paulo Paim encaminharam ao Senado dois projetos de lei distintos tratando do mesmo tema: regulamentação da profissão de comerciário. Os dois projetos foram alvo de crítica por estabelecerem uma série de novas vantagens de natureza trabalhista aos empregados do comércio, sob a alegação da regulamentação da profissão. Durante a tramitação legislativa os projetos que corriam apensados, com a concordância dos senadores, foram substituídos por um novo texto apresentado conjuntamente pelas duas entidades de cúpula do sindicalismo do comércio, a Confederação Nacional do Comércio e a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio. A proposta acabou aprovada no Congresso Nacional e a lei publicada, com veto ao artigo que tratava da contribuição negocial de empregados e empresários. O texto tem suscitado dúvidas na sua aplicação. A presente Cartilha, elaborada pela Flávio Obino Fº Advogados Associados, tem o objetivo de auxiliar nos debates que estão iniciando, sendo certo que alguns dos conceitos agora adotados poderão futuramente ser revistos.

A Lei nº 12.790/13, publicada no Diário Oficial da União de 15 de março de 2013, efetivamente regulamenta a profissão de comerciário?

R – O texto aprovado pelo Congresso Nacional tem como origem emenda substitutiva apresentada conjuntamente pelas confederações de empregados e empresários do comércio. Mesmo estabelecendo em sua ementa que dispõe sobre a regulamentação da profissão de comerciário, a lei meramente reconhece como comerciários empregados historicamente enquadrados como “empregados no comércio” no plano de enquadramento sindical anexo ao art. 577 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Como foi definida a profissão de comerciário?

R – A lei neste aspecto é esdrúxula. O que define a profissão não são as idênticas condições de exercício em uma mesma atividade. A lei define como integrante da profissão de comerciário todo aquele que integre a categoria profissional de empregados no comércio, conforme o quadro de atividades e profissões do art. 577, combinado com o art. 511, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho. Desta forma, é o emprego na mesma atividade econômica que definirá determinado trabalhador como integrante ou não da profissão de comerciário. Assim, um marceneiro, um segurança, um açougueiro, um encarregado da limpeza, ou mesmo um diretor graduado da área de administração de empresa comercial pela nova lei exercem a profissão de comerciário.

Afinal, quem são os exercentes da profissão de comerciário segundo a nova lei?

R – São os empregados de empresas do comércio atacadista e varejista em geral, com exceção dos integrantes de categoria profissional diferenciada. A estes empregados aplicam-se os dispositivos da nova lei, sem prejuízo das demais normas trabalhistas que lhes sejam aplicáveis. Estão à margem da nova lei, por não integrarem a categoria profissional dos empregados no comércio, a quase generalidade dos empregados de prestadoras de serviços, que são tratados no quadro de atividades e profissões como “empregados de agentes autônomos do comércio”, “trabalhadores no comércio armazenador”, “empregados em turismo e hospitalidade” e “empregados em estabelecimentos de serviços de saúde”.

Os arts. 511 e 577 da CLT foram recepcionados pela Constituição federal de 1988?

R – Sempre defendemos que existe compatibilidade entre os dois artigos e o art. 8º da Lex Legum de 1988. A nova lei, neste aspecto, reforça o entendimento de que os dois dispositivos permanecem vigentes e com plena eficácia.

Nas CTPS destes empregados deve passar a constar como função comerciário?

R – O art. 2º da nova lei tem redação sofrível, mas a resposta é não. A primeira parte do artigo repete a proposta do projeto original do Senador Paulo Paim de que no espaço previsto na CTPS para indicação do cargo do empregado deverá ser especificada a atividade ou função desempenhada. Na proposta original constava “vedada a denominação genérica”, ou seja, registros como “serviços gerais”. No texto da lei está consignado ao final “desde que inexista a possibilidade de classificação por similaridade”. Existe todo um esforço da OIT de classificação uniforme das ocupações. O Código Brasileiro de Ocupações de 2002 rompeu o procedimento dos que o antecederam de agregação dos postos de trabalho por similaridades de tarefa (conceito que agora surge na nova lei), privilegiando a amplitude dos empregos e sua complexidade em detrimento do detalhe da tarefa do posto. A lei parece apontar para o procedimento anterior a 2002 (classificação por similaridade). Feita estas considerações entendemos que a melhor “tradução” do dispositivo é de que deva ser registrada a função conforme o CBO e caso inexista possibilidade de classificação por similaridade, deverá constar a atividade ou função desempenhada. Resumindo, nada muda.

A jornada normal de trabalho dos empregados no comércio foi alterada?

R – A jornada normal de trabalho permanece a mesma. O art. 3º repete a parte inicial do inciso XIII, do art. 7º da Constituição Federal estabelecendo que a jornada normal é de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.

A jornada normal diária poderá ser alterada?

R – O § 1º do art. 3º refere que somente mediante convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho poderá ser alterada a jornada normal de trabalho. A primeira indagação a ser respondida é se a regra impede o regime de compensação horária na semana ajustado diretamente entre empregado e empregador, em que a jornada normal diária de oito horas é acrescida com a diminuição ou supressão do trabalho em outro dia da mesma semana. Nossa leitura é de que a lei impede este tipo de ajuste, e desta forma a regra é flagrantemente inconstitucional. Com efeito, o art. 7º, XIII, in fine da Constituição Federal permite a compensação horária semanal, com alteração da jornada diária normal, mediante acordo individual, entendimento este consagrado pelo TST no item I da Súmula nº 85.

A nova regra impede a contratação de empregados com jornadas diárias de seis horas, em regime de part time, ou com jornada semanal reduzida (trabalho em alguns dias da semana)?

R – A interpretação literal da regra poderia levar a conclusão de que somente mediante negociação coletiva poderiam ser contratados empregados em jornada reduzida. Não nos parece ser este o alcance da norma. A proteção especial para os comerciários prevista na lei busca impedir os acréscimos na jornada diária sem a participação das entidades sindicais. Caso prevalecesse a interpretação literal, teríamos que concluir que um empregador não poderia espontaneamente reduzir de quarenta e quatro para quarenta horas a jornada semanal do empregado, necessitando de um acordo coletivo de trabalho para formalizar a redução, o que constituiria verdadeiro nonsense.

Existem limitações para os turnos de revezamento?

R – Entende-se por turnos de revezamento os regimes horários em que empresas que funcionam de forma intermitente dividem seus empregados em turmas que trabalham com alternância de turnos. Este tipo de regime é incomum no comércio varejista e atacadista. O artigo, de outra parte, repete a regra constitucional de limitação em seis horas dos turnos de revezamento, mas ao vedar a utilização do mesmo empregado em mais de um turno, salvo negociação coletiva de trabalho, na prática, estabelece que o sistema somente poderá ser adotado através de negociação coletiva de trabalho. Outro aspecto que deve ser examinado (debate meramente acadêmico, pois na vida real não existe) é se os turnos de revezamento poderão ser extrapolados de seis horas mediante ajuste coletivo, como previsto no art. 7º, XIV, da Constituição Federal, e reconhecido pelo TST nos termos da Súmula nº 423. O novo dispositivo veda a extrapolação, mas neste aspecto também é inconstitucional.

Como será fixado o piso salarial dos integrantes da profissão?

R – O art. 4º estabelece que o piso salarial será fixado em convenção ou acordo coletivo de trabalho, nos termos do inciso V do art. 7º da Constituição Federal, ou seja, deverá ser proporcional à extensão e à complexidade do trabalho. A nova legislação, ao eleger a negociação coletiva como via única para fixação do piso salarial, afastou procedimentos de intervenção externa de definição do piso salarial até então admitidos, como a fixação pela Justiça do Trabalho em processos de dissídio coletivo de trabalho (sentença normativa) e a criação de piso salarial dos comerciários pelos Estados, na forma da Lei Complementar nº 103/2000.

Os tribunais trabalhistas não poderão mais fixar piso salarial para comerciários em sentenças normativas?

R – Admitimos que o assunto suscitará calorosas discussões, mas se a lei estabelece que a fixação se dará por convenção ou acordo coletivo de trabalho, o estabelecimento de piso de comerciário passa ser matéria típica de negociação coletiva, não havendo espaço legal para a intervenção da Justiça do Trabalho em processos de dissídio coletivo. Frustrada a negociação coletiva, não poderão as partes serem substituídas pelos tribunais do trabalho para fixação de piso salarial.

A nova lei revogou a Lei Complementar que autorizou os estados a fixarem pisos salariais?

Não se trata de revogação. A Lei Complementar nº 103/2000, que autoriza os Estados a instituírem o piso salarial, exclui aquelas categorias que tenham piso salarial definido em lei federal. Com o advento da Lei nº 12.790/13 foi definido em lei federal que o piso dos comerciários será fixado por convenção ou acordo coletivo de trabalho, assim a profissão está excluída da competência delegada aos Estados. De outra parte, admitindo-se interpretação diversa, de que o comerciário não estaria incluído na exceção prevista na LC, estaríamos diante de flagrante incompatibilidade entre o disposto nas leis estaduais editadas com base na LC nº 103/2000 e na nova lei. Desta forma, por se tratar de lei especial não há propriamente revogação das leis anteriores, mas estas deixam de ser aplicadas – em relação aos comerciários – por flagrante incompatibilidade. Assim, em qualquer das duas hipóteses, os Estados não poderão mais fixar piso salarial para comerciários.

As leis estaduais vigentes que fixam pisos salariais para comerciários continuam tendo eficácia?

R – As leis estaduais que estabelecem piso salarial para comerciários, na data de publicação do novo diploma legal, deixaram de produzir efeitos em relação a profissão por incompatibilidade com o art. 4º da Lei nº 12.790/13.

Muda alguma coisa na negociação coletiva?

R – Nada foi alterado. O art. 6º, de cunho eminentemente pedagógico, estabelece que no âmbito da negociação coletiva poderão ser incluídas cláusulas que instituam programas e ações de educação, formação e qualificação profissional.

Como será o trabalho no Dia do Comerciário?

R – A lei se limita a instituir o Dia do Comerciário a ser comemorado no dia 30 de outubro de cada ano. Salvo ajuste em sentido diverso em Convenção Coletiva de Trabalho, a instituição não importa em qualquer reflexo na relação de emprego, sendo um dia normal de trabalho.

A lei já está valendo?

R – Sim. A lei entrou em vigor na data da sua publicação, ou seja, em 15 de março de 2013.

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