A dispensa coletiva dos estáveis e a (im)prescindibilidade da negociação

A dispensa coletiva dos estáveis e a (im)prescindibilidade da negociação

Publicado em 21 de outubro de 2021
Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

Um tema que causa controvérsia e polêmica entre os operadores do Direito refere-se à dispensa em massa dos trabalhadores sem a negociação coletiva com os respectivos sindicatos profissionais.

Indubitavelmente, a construção da ideia de dispensa em massa foi sendo criada ao longo dos anos pela doutrina e jurisprudência, posto que a lei nunca disciplinou, de forma específica, essa temática.

De citar-se as palavras do ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado [1]:

[…] A importância da negociação coletiva trabalhista transcende o próprio Direito do Trabalho. A experiência histórica dos principais países ocidentais demonstrou, desde o século XIX, que uma diversificada e atuante dinâmica de negociação coletiva no cenário das relações laborativas sempre influenciou, positivamente, a estruturação mais democrática do conjunto social.
Ao revés, as experiências autoritárias mais proeminentes detectadas caracterizavam-se por um Direito do Trabalho pouco permeável à atuação dos sindicatos obreiros e à negociação coletiva trabalhista, fixando-se na matriz exclusiva ou essencialmente heterônoma de regulação das leis do trabalho
 […].

Com o advento da Lei 13.467/2017, foi acrescentado o artigo 477-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [2], de modo que o referido dispositivo legal preceitua ser desnecessária a negociação coletiva nos casos da dispensa imotivada individuais, plúrimas ou coletivas.

Contudo, o artigo 8º, inciso VIII [3], da Constituição Federal de 1988 avaliza a estabilidade para o dirigente sindical, com o intuito de proteger não somente este empregado, como também todo o grupo de trabalhadores a que ele representa.

De outro norte, o artigo 1º da Convenção 135 da Organização Internacional do Trabalho [4] dispõe que “os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los, inclusive o licenciamento (*), e que seriam motivadas por sua qualidade ou suas atividades como representantes dos trabalhadores sua filiação sindical, ou participação em atividades sindicais, conquanto ajam de acordo com as leis, convenções coletivas ou outros arranjos convencionais vigorando”.

Entrementes, a Convenção 154 da Organização Internacional do Trabalho [5] fomenta a negociação coletiva, assim como a Convenção 98 [6] estipula a proteção dos representantes sindicais e trabalhadores sindicalizados.

Lado outro, o artigo 10, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) [7] estabelece a vedação da dispensa envolvendo os empregados estáveis e as gestantes.

No mesmo sentido, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio dos Precedentes Normativos 77 [8], 80 [9] e 85 [10], assegura a estabilidade para alguns trabalhadores, em determinadas situações.

Frise-se, por oportuno, que o comando do artigo 8º, inciso III, da Lei Maior [11] é no sentido de que cabe ao sindicato tutelar pelos interesses individuais ou coletivos dos trabalhadores.

Dito isso, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região [12] entendeu ser imprescindível a negociação coletiva, quando houver a dispensa em massa.

Para o desembargador relator, Fernando Luiz Moura Cassal, nesse caso, é indispensável a necessidade de negociação coletiva que precede o despedimento em massa, conforme entendimento jurisprudencial sedimentado.

Em sentido contrário, a 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região [13] validou uma dispensa coletiva sem a prévia autorização do sindicato ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo.

No seu voto, o desembargador relator, Valdir Florindo, esclareceu que o texto do artigo 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho é explícito ao fazer menção a desnecessidade de autorização prévia da entidade sindical. Além disso, o desembargador relator enfatiza que, ao longo de décadas, diversas demissões plúrimas e coletivas foram concretizadas sem que fossem invalidadas pela ausência de negociação coletiva.

É cediço que o Tribunal Superior do Trabalho tem firmado jurisprudência no sentido de que, nos casos envolvendo a dispensa em massa, seja realizada a negociação coletiva, com o objetivo de proteger o trabalhador e reduzir o impacto social danoso [14].

A respeito de tal temática, qual seja, a necessidade de negociação coletiva para o despedimento em massa, encontra-se pendente de julgamento pela Suprema Corte o Recurso Extraordinário nº 999.435 [15].

Observe-se, ainda que a Constituição Federal dispõe em seu artigo 7, inciso I, a respeito da proteção aos trabalhadores contra a dispensa arbitrária e sem justa causa [16].

Portanto, a prática da dispensa em massa de trabalhadores pelas empresas, principalmente, dos trabalhadores estáveis, deve ser analisada com extrema cautela, porquanto a ordem constitucional caminha no sentido de evitar violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio do valor social do trabalho.

Em arremate, para que seja garantida a segurança e a proteção a toda a sociedade, é indispensável que nos casos envolvendo o despedimento coletivo seja observada as normas constitucionais, além do entendimento jurisprudencial e doutrinário vigentes, como também os tratados internacionais e, principalmente, os pilares estruturais do Direito do Trabalho.


[1] Curso de direito do trabalho. 15ª edição – São Paulo: LTr 2016. Página 1516.

[2] “Artigo 477-A – As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

[3] “Artigo 8º – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…).VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei”.

[4] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235867/lang–pt/index.htm. Acesso em 19.10.2021.

[5] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236162/lang–pt/index.htm . Acesso em 19.10.2021.

[6] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/WCMS_235188/lang–pt/index.htm. Acesso em 19.10.2021.

[7] “Artigo 10 – Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: (…). II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato; b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”.

[8] “Nº 77 EMPREGADO TRANSFERIDO. GARANTIA DE EMPREGO (positivo). Assegura-se ao empregado transferido, na forma do art. 469 da CLT, a garantia de emprego por 1 (um) ano após a data da transferência”.

[9] “Nº 80 SERVIÇO MILITAR. GARANTIA DE EMPREGO AO ALISTANDO (positivo)
Garante-se o emprego do alistando, desde a data da incorporação no serviço militar até 30 dias após a baixa”.

[10] “Nº 85 GARANTIA DE EMPREGO. APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA (positivo) Defere-se a garantia de emprego, durante os 12 meses que antecedem a data em que o empregado adquire direito à aposentadoria voluntária, desde que trabalhe na empresa há pelo menos 5 anos. Adquirido o direito, extingue-se a garantia”.

[11] “Artigo 8º – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…). III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

[12] Processo 0020670-86.20217.5.04.0241. 6ª Turma. Desembargador Relator Fernando Luiz Moura Cassal. Acórdão publicado em 16.04.2021.

[13] Processo 1000602-16.2020.5.02.0511. 17ª Turma. Desembargador Relator Valdir Florindo. Acórdão publicado 27.07.2021.

[14] Ag-AIRR-10012-46.2013.5.15.0076, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 28/02/2019.

[15] Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5059065. Acesso em 19.10.2021.

[16] “Artigo 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.

Fonte: Consultor Jurídico
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