A morada da incerteza e da insegurança: a tributação dos planos de stock options

A morada da incerteza e da insegurança: a tributação dos planos de stock options

Publicado em 4 de maio de 2022
Por Ludmila Mara Monteiro de Oliveira

No mês passado, em iniciativa da Comissão Especial de Assuntos Tributários (Ceat) da OAB-RJ, encerramos ciclo de encontros dedicados a hodiernos e pulsantes temas, cuja competência para julgamento repousa na 2ª Seção do Carf [1]. A despeito de o (não) oferecimento à tributação dos planos de stock options, seja pelo imposto sobre a renda das pessoas físicas, sejam pelas contribuições previdenciárias, já ter sido objeto desta coluna (aqui e aqui), a temática longe está de se esgotar. Tal constatação é fruto das constantes mudanças nas relações laborais, do cenário que antecedeu a edição da Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups), dos profícuos debates que tiveram lugar no seminário promovido pela Ceat da OAB-RJ [2] e de relevante precedente proferido pelo Carf, no final do ano passado.

Os planos de stock options (planos de opção de compra de ações), por serem tipo de investimento de longo prazo, acabam ganhando especial destaque em momentos de crise — como o que atravessamos. Na tentativa de manutenção de talentos essenciais à sua própria preservação, empresas concedem a colaboradores, em um prazo determinado, a faculdade de adquirir suas ações, a valores inferiores aos praticados no mercado. Além da desnecessidade de haver desembolso imediato de caixa, a instituição de planos de stock options visa a promover a atenuação do antagonismo entre capital e trabalho. Isso porque, através do estímulo do sentimento cooperativo do grupo de trabalhadores, pretende-se um maior engajamento dos empregados para que esforços sejam envidados na tentativa de valorização da empresa — e, consequentemente, que as vantagens econômicas fornecidas pelo plano sejam alcançadas. O obreiro, portanto, passa a participar (tomar parte) da empresa.

Embora não seja projeto recente da criação humana, uma vez que sua gênese remonta à década de 50 nos Estados Unidos [3], a globalização e o desenvolvimento tecnológico impulsionaram sua utilização. Ocorre que, mesmo com a difusão dos planos de stock options, no Brasil, inexiste até o momento legislação específica sobre a matéria [4], tendo sido perdida a oportunidade fazê-la no ano passado. Por serem praticamente mandatórios em startups, porquanto em perfeita sintonia com a sua própria cultura organizacional, havia expectativa de que os planos de stock options fossem contemplados na Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups). Frustrados os anseios, continua a ser tarefa da doutrina e da jurisprudência firmar suas notas caracterizadoras e definir qual a natureza do plano de stock options — se de cariz remuneratório ou mercantil. E, nesse aspecto, salta aos olhos o entrevero entre justrabalhistas e justributaristas.

Com arrimo nas lições de Alice Monteiro de Barros, para quem as stock options “na?o se identificam com a poupanc?a salarial” [5], tem o Tribunal Superior do Trabalho remansosa jurisprudência no sentido de afastar a natureza remuneratória da verba [6]. Nota-se, entretanto, que, em regra, nada é dito acerca da (in)existência de onerosidade, voluntariedade e risco — traços esses imprescindíveis à aferição do cariz do plano, segundo a doutrina e a jurisprudência tributarista especializada. No âmbito da Justiça do Trabalho, têm as stock options incontestável natureza mercantil.

Foge à regra acórdão recentemente proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho que clama por uma “investig[ação] minuciosa, caso a caso, [d]as regras dos planos de opc?o?es, a fim de que se verifique o seu real alcance e, eventualmente, a existe?ncia de subterfu?gios contratuais destinados a mitigar a efica?cia das normas tutelares do trabalho” [7]. Destacando a atuação do Carf, esclareceu o ministro do TST que o “o?rga?o de segunda insta?ncia administrativa em mate?ria tributa?ria e aduaneira, ja? se deparou com casos em que restou comprovado o desvirtuamento da conformac?a?o inicial das stock options, com o evidente intuito de se afastar a incide?ncia de contribuic?o?es previdencia?rias sobre as parcelas” [8]. Malgrado lançadas tais advertências, a discussão ali travada passava ao largo da natureza jurídica do instituto, razão pela qual sequer analisada a conformação do plano.

Em sentido diametralmente oposto ao da jurisprudência obreira, tendem as fiscais e os fiscais da Receita Federal do Brasil a assumir como peremptória a natureza remuneratória das stock options. Do relatório de recente julgado proferido pelo Carf [9] colhem-se os pilares para o entendimento que afasta, de plano, o cariz mercantil da verba: 1) o §3º do artigo 168 da Lei das Sociedades por Ações, ao outorgar a opção de compra de ações, sinalizaria o propo?sito remunerato?rio embutido na concessa?o do instrumento patrimonial; 2) o Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 10 expressaria a ideia segundo a qual “opc?o?es de compra de ac?o?es sa?o concedidas aos trabalhadores como parte da remunerac?a?o destes, adicionalmente a? remunerac?a?o ba?sica (sala?rio ou pro?-labore) e a outros benefi?cios e vantagens” [10]; 3) o Ofi?cio-Circular/CVM/SNC/SEP n° 1/05 teria reconhecido que a “concessa?o de ac?o?es aos empregados e? considerada uma forma flexi?vel de remunerac?a?o que pretende atrair e motivar os empregados concedendo uma parte do futuro crescimento da companhia” [11]; e, 4) o relato?rio te?cnico produzido, em junho de 2003, no a?mbito da Comissa?o Europeia (direc?a?o-geral da empresa), teria chancelado que os planos de opc?o?es de compra de ac?o?es constituem rendimentos do trabalho.

Diferentemente do que entendeu a fiscalização, a tese que se sagrou vencedora na assentada, por força da determinac?a?o do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, acrescido pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/2020 (desempate pró-contribuinte) [12], pontuou que, em princípio, possuem os planos de stock options cariz mercantil; entretanto, a depender da realidade fática, podem representar verdadeiro desvirtuamento do instituto, de modo a assumir a verba natureza remuneratória.

Isso porque a variação positiva do valor das ações “ocorre na?o apenas como resultado de fatores inerentes ao cotidiano da companhia (perspectivas gerais de longo prazo, qualidade da administrac?a?o, forc?a financeira, estrutura de capital, histo?rico de dividendos, taxa de dividendos, etc), mas tambe?m como resultado de fatores externos a? empresa, atinentes ao mercado dome?stico (juros internos, inflac?a?o, grau de endividamento, grau de investimento, avaliac?a?o setorial, estabilidade econo?mica e poli?tica, etc) e internacional (juros do tesouro americano, valor do do?lar no mercado internacional, conflitos comerciais, estabilidade econo?mica mundial, maior ou menor aversa?o ao risco, etc)” [13].

Conclui-se, portanto, que “se da ana?lise das condic?o?es do plano e da outorga que com base nele e? feita estiverem presentes os elementos do contrato mercantil, a saber, a [1] voluntariedade, [2] a onerosidade e [3] o risco, enta?o se confirma a natureza mercantil do nego?cio. Por outro lado, se da referida ana?lise na?o se identificarem as caracteri?sticas do contrato mercantil supra mencionadas, poder-se-a? afirmar, enta?o, em remunerac?a?o pelo trabalho” [14]. Embora tenham sido três notas fixadas para a caracterização do plano como sendo de natureza mercantil, certo que a multiplicidade de situações fáticas que se descortinam acabam dificultar a enunciação de uma regra geral, atuando o Direito Tributário como fator inibidor da elaboração de planos de stock options.

O cenário de incerteza e insegurança, que carrega como gênese a carência de regulamentação da matéria, impõe às conselheiras e aos conselheiros do Carf pesado ônus. Somente o compulsar dos autos com vagar para a avaliação jurídica dos critérios empregados pela fiscalização e dos elementos constantes no plano de stock options constituído será possível ofertar uma fundamentada decisão a favor (ou contra) a manutenção da autuação. Não existe resposta apriorística acerca da tributação (ou não) dos planos de stock options pelas contribuições previdenciárias, de modo que o abandono de visões maniqueístas se faz imprescindível. Diante da lacuna legislativa, cabe ao Carf, com toda a sua expertise, assumir a posição de farol, estabilizando a sua jurisprudência, a fim de ser a tão sonhada certeza e segurança almejada.

* Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] Ao lado dos nobres colegas Maurício Faro, Presidente da Ceat da OAB/RJ, e João Victor Ribeiro Aldinucci, conselheiro titular da 2ª Turma da Câmara Superior do Carf, organizados quatro eventos para abordar os seguintes assuntos: direito de imagem (aqui), tributação de árbitros (aqui), participação nos lucros e resultados (aqui) e stock options (aqui).

[2] O evento, que pode ser visto aqui, contou com a participação das advogadas Alice de Abreu Lima Jorge e Diana Piatti Lobo; do Conselheiro do Carf, Martin da Silva Gesto; e, do Presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET), Rafael Korff Wagner.

[3] Lyon, Charles S. Employee Stock Options under the Revenue Act of 1950. Columbia Law Review, n. 1 (1951), p. 1/58. Disponível em:  https://doi.org/10.2307/1118677.

[4] No §3º do artigo 168 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.) consta que “[o] estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle”.

[5] Esclarece que “[o] regime das stock options permite que os empregados comprem ac?o?es da empresa em um determinado peri?odo e por prec?o ajustado previamente. Se o valor da ac?a?o ultrapassa o prec?o, o beneficia?rio obte?m lucro e, em consequ?e?ncia, duas alternativas lhe sa?o oferecidas: revender de imediato a mais valia ou guardar os seus ti?tulos e se tornar um empregado acionista”. (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. Sa?oPaulo: LTr, 2007, p. 732).

[6] Cf. nesse sentido: TST. AIRR nº 11496-54.2015.5.01.0064, rel. min. DORA MARIA DA COSTA, DEJT 2/7/2021; TST. RR nº 201000-02.2008.5.15.0140, rel. min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 27/2/2015; TST. RR nº 217800-35.2007.5.02.0033, rel. min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 3/12/2010; TST. AIRR nº 38740-45.2003.5.15.0045, rel. min. CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA, DEJT 17/10/2008.

[7] TST. AIRR nº 443-31.2015.5.02.0070, rel. min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 4/2/2022.

[8] Idem.

[9] CARF. Acórdão nº 2402-010.654, Cons. Rel. GREGO?RIO RECHMANN JUNIOR, sessão de 12/11/2022 (desempate pró-contribuinte).

[10] Cf. relatório do acórdão nº 2402-010.654 às f. 1014.

[11] Ibid. às f. 1015.

[12] CARF. Acórdão nº 2402-010.654, cons. rel. GREGO?RIO RECHMANN JUNIOR, sessão de 12/11/2022 (desempate pró-contribuinte).

[13] O acórdão nº 2402-010.654 menciona as razões de decidir do Cons. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI no acórdão nº 2402-­007.208, que restou vencido, pelo voto de qualidade, em sessão datada de 8 de maio de 2019.

[14] CARF. Acórdão nº 2402-010.654, cons. rel. GREGO?RIO RECHMANN JUNIOR, sessão de 12/11/2022 (desempate pró-contribuinte).

Fonte: Consultor Jurídico
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