A possibilidade de cessão de crédito trabalhista

A possibilidade de cessão de crédito trabalhista

Publicado em 10 de maio de 2022
Por Beatriz Moraes

A cessão de crédito está prevista no artigo 286 e seguintes do Código Civil e consiste na transferência a terceiro do direito em uma relação jurídica obrigacional. Em que pese não constar da CLT a possibilidade de cessão explicitamente, por força do §1º do artigo 8º da CLT, o Código Civil se aplica se aplica ao Direito do Trabalho. No entanto, o Judiciário Trabalhista ainda tem certa resistência na aceitação do negócio jurídico, razão pela qual é necessário, muitas vezes, recorrer à instâncias superiores para que a cessão seja efetivamente concretizada.

O direito trabalhista é irrenunciável, em razão disso, quando do recebimento da cessão de crédito, há uma confusão do juízo trabalhista quanto à validade do negócio jurídico, que por sua natureza não é de competência da Justiça do Trabalho.

Ocorre que, não raramente, acaba havendo confusão entre a irrenunciabilidade do crédito trabalhista e a legalidade da cessão do crédito trabalhista, que consiste basicamente na substituição do cedente pelo cessionário, que comprou o crédito do reclamante, considerando o risco do processo e o tempo de duração até a liquidação do débito.

Como fundamento jurídico para a negativa do Judiciário Trabalhista em relação à cessão de crédito, é considerado que como direito trabalhista principal é a contraprestação pelo trabalho prestado, tendo o crédito natureza alimentar, que é impenhorável, e se prestam a garantir a subsistência do trabalhador e de sua família.

Assim, pode ser considerado um crédito personalíssimo,e portanto, não comportaria a cessão de crédito, por não preencher o disposto no artigo 286 do CPC. Além disso, ainda é possível que quando do recebimento da cessão de crédito, o juízo de primeiro grau invalide o negócio jurídico.

Diante desse cenário, é importante esclarecer que não compete à justiça do trabalho a validação do negócio jurídico, sendo este de competência da Justiça Comum, por força do disposto no artigo 114 da Constituição Federal.

Em que pese ser comum a resistência do juízo de primeiro grau trabalhista aceitar a cessão do crédito, em recente alteração legislativa, foi editada a Lei nº 14.193/2021, que institui a sociedade anônima do futebol, trouxe no seu bojo dispositivo que viabiliza amplamente a cessão de crédito trabalhista.

O artigo 22 da referida lei prevê expressamente que o credor da dívida trabalhista, como titular do crédito, a seu exclusivo critério, é autorizada a cessão de seu crédito a terceiro, prevendo, inclusive, que ficará sub-rogado em todos os direitos e em todas as obrigações do credor, passando o cessionário a ocupar a mesma posição do titular do crédito original na fila de credores, devendo o juízo centralizados da dívida promover a anotação da substituição na relação jurídica.

Inequivocamente, a cessão de crédito é aplicável ao Direito do Trabalho, inclusive, é nesse sentido o entendimento Tribunal Superior do Trabalho. Nos autos da Embargos de Declaração 8202320155060221, o ministro relator Douglas Alencar Rodrigues, da 5ª Turma, ao proferir o voto, consignou que a licitude do negócio jurídico não compete à Justiça do Trabalho.

Nesse mesmo sentido, o ministro consignou que a cessão de crédito é espécie de transmissão de obrigação regulada pela legislação civil e que pode ser aplicada a toda a espécie de vínculos jurídicos obrigacionais e que a proteção jurídica conferida aos créditos trabalhistas, de caráter essencialmente alimentar, não se revela incompatível com a possibilidade de cessão, desde que observados os requisitos gerais de validade do negócio jurídico (artigo 104 do CC).

No mais, constou do voto que não se pode confundir a irrenunciabilidade do direito material trabalhista com a indisponibilidade legalmente outorgada a determinadas classes do direito, sob pena de implicar na interdição absoluta do direito de renunciar ou transigir sobre seus bens e direitos.

Assim, concluiu o ministro que uma vez constituídos créditos em juízo, pode o trabalhador, mediante atos livres e conscientes, promover a cessão de seus créditos, no exercício legítimo da autonomia da vontade, que representa, no plano da teoria geral dos contratos, afirmação do postulado essencial da dignidade da pessoa humana.

Inclusive, quanto aos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, que vedaram a cessão do crédito trabalhista, o Ministro ponderou que tais provimentos não podem ser interpretados e aplicados de forma a afastar a incidência do Código Civil nas relações de trabalho, principalmente ante o disposto no artigo 8º da CLT, que trata da aplicação subsidiária da Justiça Comum à Justiça do Trabalho.

Na conclusão do voto, o ministro afirmou que a cessão de crédito trabalhista é plenamente possível, disso resultando que os cessionários de eventuais créditos trabalhistas estão legitimamente habilitados a ingressar nas lides judiciais correspondentes, como sucessores ou assistentes litisconsorciais.

Conforme asseverado pelo ministro Douglas Alencar, “a proteção jurídica conferida aos créditos trabalhistas, de caráter essencialmente alimentar, não se revela incompatível com a possibilidade de cessão, desde que observados os requisitos gerais de validade do negócio jurídico”.

Então, tanto a legislação atual quanto a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, autorizam a cessão de crédito trabalhista, o que torna o negócio jurídico atrativo, considerando que o reclamante tem a oportunidade de receber determinado valor antecipadamente, sem correr o risco da execução frustrada, passando seu crédito à terceiro, que por sua vez assume o risco do processo e receberá o crédito trabalhista atualizado ao final do processo, tornando o negócio jurídico satisfatório tanto para o cedente quanto para o cessionário.

Fonte: Consultor Jurídico
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