Implicações trabalhistas com o fim da emergência em saúde pública

Implicações trabalhistas com o fim da emergência em saúde pública

Publicado em 4 de maio de 2022
Por Ana Paula Vizintini

No último dia 18 de abril, foi anunciado pelo governo federal o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), com a promessa do governo da edição, até o fim desta semana, de um ato normativo (provavelmente uma Portaria) orientando as repercussões dessa nova condição.

A iniciativa — para muitos especialistas em saúde pública, uma medida açodada, em razão do cenário mundial, ainda de instabilidade — deverá impactar uma infinidade de normas legais relacionadas à pandemia, em todos as esferas (federal, estadual e municipal). Segundo divulgado no site de notícias do Senado, a página da Casa Civil já soma mais de 660 atos normativos relacionados à Covid-19, entre leis, decretos, portarias e resoluções.

Desse total, segundo o Senado, 94 são leis, muitas delas com a vigência vinculada à Espin. Isso significa que, caso o governo formalize o fim da emergência de saúde pública, algumas dessas regras podem deixar de surtir efeitos, nos campos mais diversos, como a autorização para o uso emergencial de vacinas que ainda não contam com registro (coronavac, por exemplo), incentivos fiscais e inexigibilidade de licitações, dentre outros. Ainda que, na prática, muitas das medidas emergenciais já venham perdendo impulso desde dezembro de 2020, com o fim da validade (e prorrogações) do Decreto Legislativo 6/2020, que estabeleceu o Estado de Calamidade Publica no território Nacional, muitas foram renovadas em razão da manutenção da Espin e, agora, com o seu cancelamento, perderão vigência, definitivamente.

Na esfera trabalhista, desde a decretação pela OMS da pandemia, no início de 2020, uma infinidade de normas também foi editada, muitas delas através de Medidas Provisórias, algumas convertidas em Lei e outras não, perdendo vigência ou pela ausência de tempestiva submissão às Casas Legislativas ou por expressa rejeição pelos parlamentares. Na atualidade, temos em vigor duas recentes Medidas Provisórias: 1) a MP 1109/22, que “recria” e estende, para todo e qualquer estado de calamidade pública, em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, reconhecido pelo Poder Executivo Federal,  as medidas trabalhistas emergenciais promulgadas em 2020, no início da pandemia, como a redução proporcional de salário e jornada; a suspensão temporária do contrato de trabalho, diferimento dos recolhimentos do FGTS e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e 2) a MP 1.108/22, que altera certas regras do teletrabalho e do auxilio alimentação, modificando diversos artigos da CLT relacionados aos dois temas. Embora as MPs em referência tenham inspiração e estejam parcialmente relacionadas com o estado de emergência motivado pela pandemia, reeditando medidas emergências anteriormente implantadas no cenário pandêmico, elas não são impactadas pela pretendida suspensão da Espin, já que não vinculam sua validade a esta específica condição de saúde pública. Resta saber, entretanto, se serão ou não convertidas em lei, após o término do período de 120 dias de sua vigência.

Por outro lado, algumas normas fazem referência expressa a Espin e, portanto, com o seu cancelamento, perdem eficácia. Exemplo disso é a lei que regula o trabalho da gestante durante a pandemia (Lei 1451/21, alterada pela Lei 14311/2022). Com o fim da Espin, portanto, caso a gestante ainda permaneça afastada das atividades presenciais, em tese, deverá retornar à essa modalidade de trabalho.

Outro aspecto que nos parece ser impactado é a própria obrigatoriedade da comprovação do esquema vacinal contra a Covid-19 pelos trabalhadores, sob pena, inclusive, de justa causa. Ainda que a jurisprudência tenha se consolidando nesse sentido, por inspiração do próprio STF, que se posicionou no sentido de que o interesse da coletividade prevalece sobre o interesse individual, o pretendido fim da Espin provavelmente irá dificultar ou mesmo inviabilizar essa exigência, já que, não havendo mais reconhecido de estado de emergência epidemiológica, não haverá razão para se penalizar o trabalhador que se recuse a se vacinar. O mesmo racional vale, por exemplo, para a exigência do uso de máscaras no ambiente de trabalho, naqueles Estados ou municípios que ainda não flexibilizaram essas medidas em ambiente fechado.

No que se refere ao típico trabalho remoto — equiparado, na atualidade, ao teletrabalho, pela MP 1.108/22 —, não haverá alteração, permanecendo as regras atuais (oriundas da  vigente MP 1108/22) previstas na CLT, mesmo com o fim da Espin. Entretanto, o fim do estado de emergência deverá trazer mais formalidade ao home office (assim entendido como o trabalho remoto emergencial, eventual e excepcional, estabelecido exclusivamente para afastar os empregados do risco de Covid-19) que, se mantido pelo empregador, deverá, por prudência, seguir as regras do teletrabalho, especialmente quanto a expressa previsão dessa condição nos contratos de trabalho.

Perde vigência, ainda, a Lei 14297/22, que assegura medidas de proteção aos entregadores que prestam serviços por intermédio de empresas de aplicativo. O referido texto legal, com vigência desde janeiro deste ano, estabelece, expressamente que as medidas protetivas serão aplicadas durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela Covid-19. Assim, cessado o referido estado de emergência, esses trabalhadores perdem a proteção estabelecida no citado diploma legal, tais como a contratação de seguro contra acidentes e assistência financeira, durante afastamento por Covid-19, pelo período de 15 dias (prorrogáveis por mais dois períodos de 15 dias).

Ou seja, mesmo ainda sem a edição da provável portaria ministerial que disciplinará a cessação da Espin, já dá para perceber que a medida trará repercussões relevantes no cenário jurídico trabalhista, razão pela qual se impõe acompanhar a sua edição e proceder uma cuidadosa análise de seu conteúdo.

Fonte: Consultor Jurídico
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