MPT comete omissão face à proteção dos direitos do nascituro

MPT comete omissão face à proteção dos direitos do nascituro

Publicado em 26 de abril de 2021
Por Luiz Carlos Santos Junior

Em 18/11/2019, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao julgar o Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 2, fixou a seguinte tese: “É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei n.º 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no artigo 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

Todavia, em que pese a lógica do argumento da possibilidade de discriminação da mulher no mercado de trabalho, receio que nenhum argumento possa subsistir para suprimir direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, não apenas à gestante, mas ao nascituro.

A esse respeito, asseverou o ministro do TST Douglas Alencar Rodrigues: “A estabilidade conferida à gestante pela Constituição Federal objetiva amparar o nascituro, a partir da preservação das condições econômicas mínimas necessárias à tutela de sua saúde e de seu bem-estar, configurando norma de ordem pública, da qual a trabalhadora sequer pode dispor” [1].

Maurício Godinho Delgado [2] nos informa em sua doutrina que: “A garantia constitucional ultrapassa o interesse estrito da empregada gestante, uma vez que possui manifestos fins de saúde e de assistência social, não somente em relação às mães trabalhadoras como também em face de sua gestação e da criança recém-nascida”.

No plano nacional, com o advento da Constituição de 1988 e, posteriormente, do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, preconizou-se o que se chama de doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais que devem ser garantidos pela família, pela sociedade e pelo poder público, com absoluta prioridade: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária

Nessa perspectiva, reforça o afirmado o artigo 2º do Código Civil quando põe a salvo os direitos do nascituro. Outrossim, depreende-se ainda que o nascituro é titular de direitos personalíssimos, conforme prescrevem o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 11.804/2008, que disciplinam o direito a alimentos gravídicos e a forma com ele será exercido, in verbis:

“Artigo 7º  A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (grifo do autor).

“Lei 11.804/2008, artigo 2º — Os alimentos de que trata esta lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes” (grifo do autor).

Destarte, fundamentar abstratamente que a extensão da proteção ao trabalho da mulher poderia ser responsável pela discriminação das mulheres no mercado de trabalho, conquanto a certeza do agravamento da situação de gestante, em especial da criança que está por nascer, visto que serão privadas de recursos para a sua subsistência durante a fase primordial da primeira infância, desrespeita o que preconiza o artigo 20 da LINDB, in verbis:

“Artigo 20  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.

Insta salientar que a tese firmada com toda certeza não alcançou os reflexos desejados, conforme verifica-se do trecho colacionado em reportagem [3] veiculada no site G1:

“Entre os meses de abril e junho, foi registrado o aumento no volume de vagas e contratações pelas agências de trabalho temporário, sendo que 17,1% delas realizaram mais de 400 contratos. Os contratados no período encontram-se em uma faixa etária entre 18 e 29 anos em 52,8% das vagas; de 30 a 44 anos para 44,4% dos cargos ocupados; e de 45 a 60 anos para 2,8% dos contratos. Do total de vagas preenchidas, 72,7% foram preenchidas pelo sexo masculino”.

Nessa esteira, em verdade, a tese fixada acabou por suprimir direitos não apenas da gestante, mas do nascituro, em flagrante violação aos direitos da criança e do adolescente, sobretudo durante a primeira infância, período imprescindível para o desenvolvimento integral dos menores, de extrema relevância como reconhecido por meio da Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, que dispôs em seu artigo 3º, in verbis:

“Artigo 3º  A prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal e do artigo 4º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 , implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral”.

Desse modo, ao mitigar a proteção à gestante e ao nascituro e, consequentemente, à infância e juventude, a tese firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho viola princípios constitucionais como a da máxima efetividade das normas constitucionais, restringindo o alcance do artigo 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assim como da vedação ao retrocesso, eis que suprime direitos sociais outrora reconhecidos.

Nesse contexto de violações de direitos do nascituro, vislumbra-se também afronta ao direito da criança e do adolescente, motivo pelo qual restou a pergunta: onde está o Ministério Público do Trabalho?

Ressalta-se que compete ao MPT propor as ações necessárias à defesa direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho, além de recorrer das decisões da Justiça do Trabalho tanto nos processos em que for parte como naqueles em que oficie como fiscal da lei.

A esse respeito, o MPT oficiou junto ao TST no processo que fixou a tese em sede do IAC nº 2, apresentando como conclusão: “O Ministério Público do Trabalho, convicto da relevância da proteção à maternidade e aos direitos do nascituro e imbuído do espírito norteador do Direito do Trabalho, oficia no sentido de que seja garantido o direito à estabilidade provisória, prevista pelo artigo 10, II, b, do ADCT e pelo item III, da Súmula 244 do C.TST, às gestantes em trabalho temporário”.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento acerca da competência do MPT para a interposição de recurso extraordinário contra decisões proferidas pelo TST [4]:

“O MPT não pode atuar diretamente no STF.
O exercício das funções do MPU (dentre os quais se inclui o MPT) junto ao STF cabe privativamente ao Procurador-Geral da República. Quando se diz que o MPT não pode atuar diretamente no STF isso significa que não pode ajuizar ações originárias no STF nem pode recorrer contra decisões proferidas por essa Corte. Importante esclarecer, no entanto, que o membro do MPT pode interpor recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF, contra uma decisão proferida pelo TST”. 
STF. Plenário. RE 789874/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/9/2014 (repercussão geral) (Info 759).

Nessa esteira, em que pese a brilhante atuação do MPT, sobretudo no combate ao trabalho infantil, irrefutável a sua omissão enquanto fiscal da lei no bojo do incidente de assunção de competência do TST — IAC nº 2 —, porquanto patente a violação aos direitos do nascituro, que trará prejuízos irreparáveis à primeira infância da criança e do adolescente, em contrariedade ao que preconiza o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta.


[1] (TST – RR: 8072520135070008, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 03/05/2017, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/05/2017)

[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª Edição, São Paulo: LTR, 2012, p. 547.

[3] https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/08/22/contratacao-de-trabalhadores-temporarios-deve-crescer-12percent-no-2o-semestre-preve-entidade-do-setor.ghtm

[4] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Membro do MPT tem legitimidade para interpor recurso extraordinário contra decisões do TST. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/be83ab3ecd0db773eb2dc1b0a17836a1>.

Fonte: Consultor Jurídico
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