O STF e a atualização das contas vinculadas do FGTS

O STF e a atualização das contas vinculadas do FGTS

Publicado em 6 de maio de 2021
Por Ricardo Calcini e Filipe Rodrigues Costa

O Supremo Tribunal Federal marcou para o próximo dia 13 o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5090, que trata do índice a ser adotado para a atualização dos valores das contas vinculadas ao FGTS.

Trata-se de tema de grande relevância, tanto em razão de sua abrangência nacional quanto em razão do grande número de processos judiciais que discutem a matéria.

A ação em questão foi ajuizada no ano de 2014, pleiteiando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 13, caput, da Lei nº 8.036/1990 e do artigo 17, caput, da Lei nº 8.177/1991.

Lei nº 8.036/1990: “Artigo 13  Os depósitos efetuados nas contas vinculadas serão corrigidos monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança e capitalização juros de (três) por cento ao ano”.

Lei nº 8.177/1991: “Artigo 17  A partir de fevereiro de 1991, os saldos das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) passam a ser remunerados pela taxa aplicável à remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia 1°, observada a periodicidade mensal para remuneração”.

Em junho de 2019, o ministro relator, Roberto Barroso, determinou a suspensão de todos os feitos que versam sobre a matéria até houvesse o julgamento do mérito pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesse prumo, aprestamos abaixo os principais pontos que fundamentam as teses de procedência e de improcedência do pedido.

Com efeito, os principais fundamentos para a declaração da inconstitucionalidade dos artigos em epígrafe são a violação ao direito de propriedade (artigo 5º, XXII), ao direito ao FGTS (artigo 7º, III) e à moralidade administrativa (artigo 37, caput), todos previstos na Constituição Federal.

O autor da ADI (Partido Solidariedade) alega que a taxa referencial (TR), prevista como índice de atualização das contas vinculadas ao FGTS, nem sequer repõe o índice inflacionário brasileiro, o que acaba por prejudicar de forma significativa os titulares das contas de FGTS.

A defesa da procedência da ADI passa, portanto, pela interpretação sistemática das normas jurídicas.

Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco explicam o conceito desses dois métodos:

“(…) De outro lado, os dispositivos legais não têm existência isolada, mas inserem-se organicamente em um sistema, que é o ordenamento jurídico, em recíproca dependência com as demais regras de direito que o integram. Desse modo, para serem entendidos devem ser examinados em suas relações com as demais normas que compõem o ordenamento e à luz dos princípios gerais que o informam: é o método lógico-sistemático.
Além disso, considerando que o direito é um fenômeno histórico-cultural, é claro que a norma jurídica somente se revela por inteiro quando colocada a lei na sua perspectiva histórica, com o estudo das vicissitudes sociais de que resultou e das aspirações a que correspondeu: é o método histórico (…)” [1].

De mais a mais, a Constituição Federal garante aos trabalhadores o direito ao recolhimento, em conta própria, do FGTS, que decorre de relação empregatícia. Neste sentido, há corrente doutrinária de defesa da tese de que os depósitos do FGTS constituem “salário diferido” e, portanto, integram o patrimônio de cada o trabalhador.

“(…) e) Teoria do Salário Diferido
É sustentada por Süssekind e Puech. Entendemos, também, que para os empregados optantes, desapareceu a indenização, surgindo em seu lugar um salário depositado para utilização futura. (…)” [2].

Cita-se a recente Súmula 646 do STJ aprovada em 10/3/2021:

Súmula 646-STJ: “É irrelevante a natureza da verba trabalhista para fins de incidência da contribuição ao FGTS, visto que apenas as verbas elencadas em lei (artigo 28, parágrafo 9º, da Lei 8.212/1991), em rol taxativo, estão excluídas da sua base de cálculo, por força do disposto no artigo 15, parágrafo 6º, da Lei 8.036/1990”.

A intepretação teleológica também socorre essa linha de raciocínio. Isso porque, ao prever expressamente o direito ao FGTS, a Constituição Federal teve o objetivo de garantir ao trabalhador uma espécie de poupança para os momentos de maior necessidade.

Tal objetivo é claramente comprovado pelas disposições contidas no artigo 20 da Lei 8.036/1990, que trata das hipóteses legais de movimentação do FGTS, entre as quais destacamos a aposentadoria, a compra da casa própria, a existência de doenças graves, a ocorrência de calamidades e a extinção do contrato de trabalho de forma imotivada pelo empregador.

Todas essas hipóteses impactam de forma intensamente negativa a vida do trabalhador, que se vê desamparado e fragilizado. E são exatamente essas as hipóteses legais de recebimento do FGTS, indubitavelmente porque esse direito constitucional tem a finalidade de amparar, ainda que ao menos sob o aspecto financeiro, o trabalhador nestas situações.

É indefensável que os valores depositados nas contas vinculadas não sejam atualizados de forma minimamente compatível com a inflação, sob pena de perda da principal finalidade de tal direito constitucional.

O aspecto econômico/financeiro é o mais perceptível e, também, o mais facilmente comprovável. A perda real da TR frente à inflação ocorre fortemente nas últimas décadas, em razão de impactos de várias naturezas enfrentados pela economia nacional, o que influencia de forma extremamente negativa a atualização dos valores do FGTS.

Não é razoável admitir-se que os trabalhadores sejam penalizados em razão de desastres econômicos causados, no todo ou em parte, por ações governamentais malsucedidas.

Ainda, é necessário destacar que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade da TR com índice de atualização em outros julgados de relevo.

De se citar que no ano de 2013, no julgamento das ADIs nºs 4357, 4372, 4400 e 4425, o STF declarou a inconstitucionalidade do §12 do artigo 100 da Constituição Federal, que dispunha a respeito da TR como índice de atualização dos juros de mora dos créditos inscritos em precatórios.

Mais recentemente, no final do ano de 2020, em julgamento conjunto das ADCs 58 e 59 e ADIs 5.867 e 6.021, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da aplicação da taxa referencial como índice de atualização monetária de débitos trabalhistas e de depósitos recursais na esfera da Justiça do Trabalho. Na esteira da decisão, o STF determinou a utilização do IPCA-E até a data do ajuizamento do processo judicial, e a Selic após o ajuizamento.

Logo, esses são os principais argumentos para a defesa da procedência da ADI nº 5090.

Por sua vez, o pedido de improcedência da ADI é amparado por fundamentos igualmente relevantes.

O principal argumento é, indubitavelmente, o respeito ao princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, II, da Constituição da República, haja vista que a legislação infraconstitucional define claramente o índice de atualização a ser adotado.

O princípio da separação de poderes (artigo 2º, CF) também é importante, pois a Constituição Federal garante a autonomia e independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no cumprimento de suas funções.

Moraes (2017) leciona a este respeito:

“(…) A Constituição Federal consagrou em seu artigo 2º a tradicional tripartição de Poderes, ao afirmar que são Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Com base nessa proclamação solene, o próprio legislador constituinte atribuiu diversas funções a todos os Poderes, sem, contudo, caracterizá-la com a exclusividade absoluta. Assim, cada um dos Poderes possui uma função predominante, que o caracteriza como detentor de parcela da soberania estatal, além de outras funções previstas no texto constitucional. São as chamadas funções típicas e atípicas. (…)” [3].

Portanto, a interferência de um dos poderes constituídos sobre outro somente deve ser admitida em caráter extremamente excepcional e absolutamente fundamentado, sob pena de ofensa do próprio princípio democrático.

É cabível a alegação de que o FGTS possui regime jurídico específico, conforme parâmetros legitimamente definidos pela legislação infraconstitucional, o que deve afastar a alegação de ofensa a qualquer norma constitucional.

Analisando o aspecto jurisprudencial, é necessário apontar a disposição contida na Súmula 459 do Superior Tribunal de Justiça, que consagra a TR como índice de atualização do FGTS recolhido pelo empregado, mas não repassado ao fundo.

Súmula 459. A taxa referencial (TR) é o índice aplicável, a título de correção monetária, aos débitos com o FGTS recolhidos pelo empregador, mas não repassados ao fundo.

É necessário analisar que a ADI tem fundamento eminentemente econômico, o que não é juridicamente plausível para fundamentar sequer o cabimento da ação, quanto menos sua procedência. É incontestável que a ação foi ajuizada tão somente porque a TR se desvalorizou frente à inflação oficial do Brasil nas últimas décadas, o que, reitera-se, não está entre as hipóteses legais de cabimento de ação direta de inconstitucionalidade.

Nessa esteira, cabe mencionar o terrível impacto financeiro de eventual procedência da ADI para a Caixa Econômica Federal, que é a gestora das contas vinculadas do FGTS, e sua possível incapacidade financeira de efetivar a atualização das contas com o eventual novo índice a ser declarado pelo STF.

Por fim, mas não menos relevante, é a análise a respeito da competência (ou não) do Poder Judiciário para, além de declarar a inconstitucionalidade do índice de atualização do FGTS, definir, em consequência, qual índice deve ser aplicado.

Por todo o exposto, é indiscutível que a matéria objeto de discussão na ADI nº 5090 é relevante e extremamente complexa, haja vista a existência de argumentos sólidos que fundamentam tanto o pedido de procedência quanto o pedido de improcedência da ação.

Referências bibliográficas
CINTRA, A.C.A.; GRINOVER, A.P.; DINAMARCO, C.R. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Malheiros. 20ª edição. 2005. p.103.

JORGE NETO, F.F.; CAVALCANTE, J.Q.P. Direito Processual do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

MORAES, A. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, 666 p.


[1] CINTRA, A.C.A.; GRINOVER, A.P.; DINAMARCO, C.R. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Malheiros. 20ª edição. 2005. p.103.

[2] JORGE NETO, F.F.; CAVALCANTE, J.Q.P. Direito Processual do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 1039.

[3] MORAES, A. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 315.

Fonte: Consultor Jurídico
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