Renda do trabalho cresce de modo desigual entre categorias

Renda do trabalho cresce de modo desigual entre categorias

Publicado em 7 de novembro de 2022

Agricultura, construção, serviços e comércio lideram entre as atividades cujos salários mais se valorizaram.

O rendimento do trabalho tem se recuperado de maneira desigual. Nos últimos meses, essa alta vem ocorrendo com mais intensidade em setores como agricultura, construção, serviços e comércio, e tem apresentado piora em administração pública e indústria. Ainda que a inflação tenha voltado em outubro, economistas acham que a tendência é que essa recuperação continue, embalada pela alta nominal dos salários e pelo “efeito composição”, que capta alterações no perfil dos trabalhadores.

Segundo microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, compilados pela Tendências Consultoria Integrada, o rendimento real habitual do trimestre encerrado em setembro chegou a R$ 2.737, alta de 1,4% no mês. Na comparação do trimestre julho a setembro versus o trimestre abril a junho, a variação foi de 3,7%. Em relação ao trimestre de julho a setembro de 2021, a alta foi de 2,5%.

Para Lucas Assis, economista da Tendências, a recuperação do rendimento das pessoas ocupadas se deve à maior geração de vagas com carteira assinada e à queda da inflação corrente.

“Sob a ótica setorial, na comparação com o terceiro trimestre de 2021, o destaque positivo foi o crescimento no rendimento real em agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, que teve alta R$ 216, o equivalente a 13,2%. Além do impacto da menor inflação, é possível que tenha havido um ‘efeito composição’, com demissão de trabalhadores de baixos salários”, afirma.

Ele acrescenta que a renda no setor de construção subiu 5,7%, no comércio e reparação de veículos, 8,3%, e em serviços domésticos, 4,6%.

“O setor de informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas foi um dos que mais exibiram avanço no rendimento médio, com alta de 3,1% na comparação com o mesmo período do ano passado, acima do crescimento médio total de 2,5%”, diz.

Há seis meses, no trimestre móvel encerrado em março, a renda média no setor de agricultura era de R$ 1.685. Passou para R$ 1.855 no trimestre encerrado em setembro. No setor de comércio, passou de R$ 2.160 para R$ 2.270. No de construção foi de R$ 2.111 para R$ 2.114. E no de informação, comunicação e atividades financeiras, de R$ 3.748 para R$ 3.942.

O destaque negativo ficou com administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais, que teve queda de 3,4% na comparação com o mesmo período do ano passado, equivalente a R$ 134. A principal razão foi a ampliação de vagas de menores salários.

Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), reforça que parte do aumento da renda vem sendo puxado por serviços. “Acabou aquela recuperação da pandemia, mas o setor de serviços continua performando melhor do que o esperado”, diz. “Pode ser que as pessoas estejam sobreconsumindo serviços depois de dois anos represados. Mas o fato é que estamos vendo aumento de salário em serviços de forma que tem surpreendido bastante”, argumenta.

Ele ressalta que a grande queda da renda nos últimos dois anos vem sendo puxada pelo setor público. “É o setor que melhor pagava até recentemente, mas caiu em termos de percentual de ocupados”, afirma. “O setor de serviços de informação e comunicação tem puxado muito a renda porque está superaquecido. A demanda pós-pandemia por trabalho mais qualificado de dados, tecnologia da informação tem aumentado muito. E isso tem tido efeitos relevantes sobre salários.”

A cientista da computação Cláudia Jerônimo, de 43 anos, decidiu deixar o emprego de consultora de infraestrutura de tecnologia para uma empresa americana há três anos para se dedicar integralmente à sua empresa de desenvolvimento de software.

No início de 2019, a Gestão Tecc tinha apenas Cláudia no quadro de funcionários e faturava cerca de R$ 3 mil por mês. Hoje a empresa tem quatro pessoas que trabalham por demanda. Nos últimos meses, viu as despesas e os ganhos explodirem – chega a faturar 700% a mais do que há três anos.

O grande impulso veio com a crise sanitária da covid-19, conta. “Eu tenho a empresa de tecnologia há mais de cinco anos. Mas, na pandemia, os serviços de TI se popularizaram. Os aplicativos permitiram muita gente não sair de casa porque havia serviços de entrega. E também ajudaram muitos a trabalharem de forma remota”, afirma.

O aquecimento do setor fez Danilo Amarante, de 29 anos, trocar de emprego por melhores oportunidades duas vezes em dois anos. Era responsável pelo setor de tecnologia de uma rede de hospitais quando foi chamado para trabalhar no suporte de TI de uma editora, em fevereiro de 2020. Passou a ganhar R$ 2 mil por mês, 20% a mais do que no emprego antigo.

Em fevereiro deste ano, recebeu proposta para atuar em uma empresa que presta serviço para uma big tech. Trabalha na área de marketing digital, anúncios, merchandising. Ganha o dobro do que no emprego anterior. “Acho que juntou tudo. Salário melhor e também o fato de ter de trabalhar para uma empresa gigante, com desenvolvimento e microinformática. Suporte é o primeiro degrau da escada. E hoje trabalho mais com código e processo do que com microinformática”, conta.

Em paralelo, tem com um sócio a empresa de aplicativos Devsampa, que rende de R$ 500 a R$ 7 mil extras.

A atual expansão do mercado de trabalho é marcada pelo aumento de trabalhadores autônomos e com carteira assinada, argumenta Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo.

“O que estamos vendo é um grande impulso do mercado de trabalho, que está se expandindo e de forma diferente do que se via lá atrás. Temos mais trabalhadores com carteira assinada e mais pessoas com CNPJ, que seriam os autônomos e os por conta própria. Há um sinal de crescimento da formalização maior do que a informalização”, afirma.

Assis argumenta que o avanço da ocupação ocorre majoritariamente no segmento formal, que registrou inserção de 4,9 milhões de pessoas no trimestre móvel encerrado em setembro, alta de 8,8% na comparação com igual período de 2021. O setor informal, por sua vez, registrou alta de 1,4 milhão, uma alta de 3,8% no período.

Zylberstajn alerta, contudo, que esse ritmo tem desacelerado. “Isso indica que os efeitos da política monetária podem estar começando a pesar”, afirma.

Victor Candido, economista-chefe da RPS Capital, ressalta que há setores que ainda não estão sentindo o efeito tardio da alta de juros pelo Banco Central. “Essa recuperação de salários que temos visto tem muito mais a ver com o efeito nominal da renda. É natural que, com a alta inflação, os salários voltem a se recuperar, o empregador busque um reajuste e isso coloque pressão em um mercado de trabalho que está mais apertado”, afirma.

“Isso tem se manifestado especialmente nas áreas mais aquecidas, como construção civil, varejo e serviços. São os setores que ainda não sentiram o efeito da subida de juros. O pacote contratado ainda não ‘bateu’ e ainda há essa pressão de salários”, segue.

Apesar da recuperação do rendimento do trabalho vista nos últimos meses, Assis argumenta que a renda habitual média segue 1,9% abaixo do nível observado no mesmo trimestre de 2019, pré-pandemia. Isso porque, diz, ainda há características como reinserção profissional via ocupações menos qualificadas e com menores jornadas, dificuldade de os ocupados negociarem reposições salariais, e retorno ao mercado de trabalho mediante remunerações inferiores às de antes da pandemia.

Fonte: Valor Econômico
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