Natureza Jurídica do Vale-Combustível

Natureza Jurídica do Vale-Combustível

Da Jurisprudência

O art. 457 da CLT estabelece que “compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”. O seu § 2º, contudo, é taxativo ao referir que “as importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.’’

O salário tem caráter remuneratório, e por isso se diferencia das demais importâncias elencadas no § 2º do art. 457 da CLT. Enquanto entende-se salário como a contraprestação recebida pelo trabalho do empregado, as importâncias referidas a título de ajuda de custo devem ser compreendidas como benefícios recebidos para o trabalho. O caráter indenizatório dessas importâncias, as diferenciam de qualquer espécie de salário, pois visam ressarcir gastos, e não remunerar trabalho.

A alternativa de fornecimento de vale-combustível, embora seja usual em muitas empresas, pode trazer alguns riscos, sendo frequentes as decisões judiciais que consideram a parcela como parte integrante da remuneração. Para melhor examinar o assunto devemos examinar os objetivos do empregador: A concessão do vale tem como objetivo substituir o vale-transporte? O ressarcimento é de despesas de combustível na utilização de automóvel próprio para deslocamentos vinculados ao trabalho? O vale é para custear despesas de combustível do empregado de natureza particular? O vale é efetivamente um reembolso pelas despesas para o trabalho ou uma gratificação pela prestação do mesmo?

O vale-transporte é um benefício social concedido ao empregado para custear seus deslocamentos residência-trabalho-residência através dos meios públicos de transporte. O art. 5º do Decreto nº 95.247/1987 é expresso ao vedar que o empregador substitua o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento. Assim, a substituição do vale-transporte pelo cartão combustível não tem respaldo legal.

Situação diversa é o pagamento de ajuda de custo ou o ressarcimento ao empregado de valores gastos com seu automóvel, inclusive de combustível, para a prestação de serviços ao seu empregador. Caso exista correspondência entre o crédito no cartão e as despesas vinculadas com o trabalho, o benefício se equipara a ajuda de custo para todos os efeitos legais, sendo, a nosso juízo, possível a prática cogitada.

Finalmente, caso o benefício não guarde relação com a prestação do trabalho, fica evidenciada a natureza de “pelo trabalho” da concessão, que passa a ter natureza de salário utilidade.

As decisões em que a matéria tem sido enfrentada indicam que a Justiça do Trabalho tem, majoritariamente, decidido na linha do nosso entendimento. Neste sentido as decisões abaixo comentadas.

A 3ª Turma do TST entendeu que o benefício é incorporado ao salário quando estiver caracterizado como vantagem pelo trabalho, e não para o trabalho. Nesse caso específico a empresa possuía um plano de benefícios flexíveis, onde o empregado poderia escolher dentre os planos disponíveis (plano de saúde, auxílio deslocamento, seguro de vida, assistência odontológica, estacionamento, cartão combustível). Os benefícios, assim, não se enquadram como indenização por gastos para a realização da atividade profissional, mas sim como benefício adicional em retribuição ao trabalho. Do acórdão extraímos a seguinte passagem: “Por fim, relativamente aos reflexos do benefício nas demais parcelas, tratando-se de vantagem fornecida ao autor pelo trabalho, e não para o trabalho – mormente porque o autor sequer laborava externamente -, impõe-se o reconhecimento de sua natureza salarial, a teor do art. 457, §1º da CLT, estando corretamente decidida a lide nesse aspecto.” (TST – RR 1372-15.2012.5.04.0004 – 3ª Turma – Relator Ministro Maurício Godinho Delgado – Publicado em 28/08/2015)

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por sua vez, entendeu que no caso concreto examinado o vale combustível não tinha como objetivo a contraprestação por trabalho, mas sim reembolsar as despesas com combustível, como assentado na ementa: “Incontroverso nos autos que o reclamante recebia R$ 80,00, a título de vale combustível, uma vez que utilizava veículo próprio para se dirigir ao trabalho. Nesse sentido, entendo que a verba em questão constitui ajuda de custo, pois visa ressarcir os gastos efetivados pelo empregado na execução de seu trabalho e, nos termos do que dispõe o § 2º, do art. 457 da CLT, a ajuda de custo, qualquer que seja o seu valor, não integra o salário do empregado.” (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Julgamento de 7 de fevereiro de 2019, Página 20456)

Assim, respeitadas as particularidades acima destacadas, o benefício poderá ser concedido pela empresa, desde que não se trate de simples concessão de vale-transporte através de vale-combustível, ou de benefício desvinculado dos gastos com combustível para a prestação de serviços. Se o objetivo for efetivamente o de ressarcir gastos com combustível vinculados ao trabalho, o vale-combustível terá natureza de ajuda de custo, como previsto em lei.

Alertamos, ainda, que a hipótese de ajuste da concessão do vale-combustível através de Acordo Coletivo de Trabalho é alternativa válida para uma maior segurança jurídica, não estando dentre os objetos ilícitos elencados taxativamente no art. 611-B da CLT.

Flávio Obino Neto

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