O Trabalho em Dias Feriados no Comércio

O Trabalho em Dias Feriados no Comércio

Da Jurisprudência

Em 16 de agosto de 2017, o Governo Federal publicou o Decreto nº 9.127 incluindo o comércio varejista de supermercados e hipermercados no rol de atividades autorizadas a funcionarem de forma permanentemente aos domingos e feriados civis e religiosos. As atividades estão previstas no anexo do Decreto nº 27.048/49 que regulamentou a Lei 605/49, e que dispõe sobre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salário em dias de feriados. Posteriormente, em 18 de junho de 2019, o Governo Federal editou a Portaria 604/2019 ampliando de 72 (setenta e duas) para 78 (setenta e oito) as atividades autorizadas a utilizar o trabalho de empregados em domingos e feriados. Dentre as novas atividades inseridas está o comércio em geral.

A Portaria 604 sofreu outras duas modificações para inclusão de novas atividades. A primeira em 24 de agosto de 2020, pela Portaria nº  19.809/2020, que ampliou de 78 (setenta e oito) para 91 (noventa e um) as atividades autorizadas, e a segunda pela Portaria Sepret/ME nº 1.809/2021, de 12 de fevereiro de 2021, que incluiu mais 30 (trinta) atividades autorizadas a funcionar em domingos e feriados, totalizando 121 (cento e vinte uma).

Cumpre destacar, ainda, que o trabalho de empregados em dias de repouso no comércio em geral está regulado na Lei nº 10.101/00. A norma condiciona a abertura do comércio em geral, em feriados, com a utilização de força de trabalho, à necessidade de prévia autorização em convenção coletiva, determinando, ainda, a observação da Lei Municipal. Com relação ao funcionamento do comércio em domingos, a Lei não condiciona a utilização de empregados a autorização categorial, estabelecendo, tão somente, seja observada a legislação municipal.

Para uma melhor compreensão da hierarquia das normas é de se destacar que a Lei nº 605/49 permitiu, expressamente, que através de regulamentação (decreto e portaria) seriam definidas as atividades autorizadas a funcionarem em dias de repouso. A regulamentação das atividades veio com o Decreto nº 27.048/49, que em seu artigo 7º, caput, concede, em caráter permanente, a permissão de trabalho nos dias considerados de repouso (art. 6º do Decreto 27.048/49), nas atividades constantes da relação anexa ao Decreto. Assim, valendo-se da prerrogativa outorgada por Lei, o Poder Executivo, atendendo as demandas dos setores e dos consumidores, incluiu já lá em 2017, através do Decreto nº 9.127/17, no rol de atividades autorizadas a funcionar permanentemente aos domingos e feriados civis e religiosos, o comércio varejista de supermercados e hipermercados.

De toda sorte, em que pese todo esforço do Governo Federal através da edição de regras visando o crescimento econômico do país, a abertura de supermercados e hipermercados nunca foi matéria pacífica no âmbito da justiça do trabalho, quiçá a abertura do comércio varejista em geral em feriados com empregados.

No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – TRT4, a jurisprudência dominante é no sentido de que a abertura do comércio está regulada na Lei nº 10.101/2000, que condiciona, no artigo art. 6º- A, o funcionamento em feriados a existência de convenção coletiva de trabalho. Com isso, afasta a incidência das previsões gerais contidas na Lei nº 605/1949 (arts. 1º, 6º e 9º), e as previsões de atividades autorizadas permanentemente a operarem em domingos e feriados, contidas no Decreto nº 27.048/1949.

Nos julgados analisados, a Corte destaca que o Decreto nº 9.127/2017, ao alterar o Decreto nº 27.048/1949, tendo incluído a atividade de supermercados e hipermercados entre aquelas autorizadas a funcionarem em domingos e feriados, em nada altera a regra prevista no artigo 6º-A, da Lei 10.101, uma vez que para o TRT gaúcho não é possível um decreto do Poder Executivo derrogar previsão de lei. Diferente não é o entendimento quando analisa eventuais conflitos normativos que tratam da abertura do comércio em geral. Portanto, nenhuma das normas editadas pelo Governo é reconhecida pela Corte gaúcha.

Analisando as decisões dos Tribunais do Trabalho de outras regiões do país, percebe-se que há decisões variadas, ora permitindo o funcionamento com base nas normas federais regulamentadas pelo Governo Federal, ora condicionando a abertura a existência de norma coletiva, na forma da Lei nº 10.101/2000.

Neste cenário é de grande importância recente decisão (agosto de 2021) pronunciada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Com efeito, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, ao julgar Recurso Ordinário em MS de uma rede de supermercados, cujo processo é oriundo do Rio Grande do Sul (Processo nº 0022062-08.2017.5.04.0000), fixou entendimento de que a ‘’exigência legal de convenção coletiva para o trabalho em feriados no comércio em geral não impede a eficácia da legislação especial que permite tais atividades em supermercados e hipermercados’’. Segundo o Ministro Douglas Alencar, relator, a Lei 10.101/00 efetivamente permite o trabalho em feriados no comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva e legislação municipal. Contudo, tal disposição não neutraliza os efeitos da Lei 605/1949, que estabelece regras para o trabalho em feriados, regulada pelo Decreto 27.048/1949, que especifica os segmentos nos quais é permitido o trabalho nos feriados. Para o relator, a Lei Geral que condiciona a existência de previsão em convenção coletiva o trabalho em feriados no comércio em geral se traduz como uma disposição geral, que não infirma ou impede a eficácia da legislação especial, como é o caso do Decreto n. 9.127/2017.

Destaca que o art. 84, IV, da CF/88 atribui ao Presidente da República competência para expedir decretos e regulamentos para execução de leis, não havendo como enxergar, a partir da previsão contida no art. 6º-A da Lei 10.101/2000, a existência de ilegalidade na modificação introduzida no Decreto 27.048/1949, por meio do Decreto 9.127/2017. Nas palavras do Relator a ‘’menos que se reconheça a existência de ilegalidade da disposição contida no Decreto 9.127/2017, não se poderá afirmar que a exigência de labor de empregados em dias feriados nos supermercados e hipermercados, independentemente de previsão em norma coletiva, é contrária à lei’’. Aduz, ainda, que não se deve interpretar isoladamente a norma do art. 6º-A da Lei 10.101/2000, como tem prevalecido na jurisprudência firmada pelo Tribunal Regional Gaúcho. A interpretação deve ser em conjunto com o art. 10, parágrafo único, da Lei 605/1949 e o art. 7º e o item II, nº 15, do Anexo do Decreto 27.048/1949, ‘’sob a perspectiva dos postulados do valor social do trabalho, da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e da busca do pleno emprego (arts. 1º, IV, e 170, caput e VIII, da Carta de 1988)’’.

O entendimento que prevaleceu na SDI-II, do TST, e de que as atividades enumeradas pelo decreto regulador não necessitam de autorização em convenção coletiva para contar com os trabalhadores em feriados.

Em que pese o caso analisado pela SDI-II, do Tribunal Superior do Trabalho, refira-se ao funcionamento de supermercados e hipermercados (objeto da ação), o acórdão abre precedente importante também para o comércio em geral, que foi incluído no rol de atividades autorizadas a funcionar em feriados, com a utilização da mão de obra de seus colaboradores, no Decreto Regulamentador (Decreto 27.048/49) pela Portaria 604/19. Assim, estando a atividade elencada no Decreto Regulamentador, podemos concluir, que segundo o julgado recente do TST, a atividade do comércio em geral está autorizada a funcionar em feriados sem a necessidade de autorização em norma coletiva.

Como afirmado pelo o Ministro Douglas Alencar na decisão citada anteriormente, o fechamento dos supermercados nos feriados não beneficiaria “nem a sociedade, nem os empregadores, nem os trabalhadores”. Acrescenta-se que o fechamento do comércio não beneficia ninguém, e só atrasa a retomada da econômica do País, que conta com perdas de tantos negócios e consequentemente de postos de trabalho nestes 18 (dezoito) meses de pandemia.

Lucia Ladislava Witczak

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