08 set Arbitragem bate recorde com bilhões de reais em disputa
Arbitragem bate recorde com bilhões de reais em disputa
Somente as agências reguladoras são parte em 22 casos, que, juntos, têm mais de R$ 500 bilhões em jogo.
A arbitragem, meio alternativo ao Judiciário para resolver conflitos empresariais, superou a marca de mil disputas em tramitação nas principais câmaras do país nos últimos dois anos. Um recorde. A maioria dos conflitos envolve questões societárias, de energia e construção e também trabalhista.
Tratam-se de disputas com muito valor envolvido. Somente as agências reguladoras são parte em 22 casos, que, juntos, têm mais de R$ 500 bilhões em jogo, segundo dados da Advocacia-Geral da União (AGU).
A participação da administração pública cresceu muito nos últimos anos. Teve um salto de 33% em quantidade de novos procedimentos de 2021 para 2022. No fim do ano passado, além disso, os casos que estavam em andamento representavam 11% do total registrado nas principais câmaras do país.
Esses dados gerais constam na pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”, de autoria da advogada e professora Selma Lemes. O estudo é um dos mais tradicionais do mercado e serve como referência para profissionais da área.
Teve a primeira edição publicada no ano de 2005. A mais recente foi concluída neste mês e remete às atividades de 2021 e 2022. A diferença, do começo para cá, é enorme.
Em 2005, havia apenas 21 processos arbitrais, que tinham em jogo R$ 247 mil. Uma década depois, em 2015, eram contabilizados 222 novos casos, somando R$ 10,7 bilhões. Já em 2021 e 2022 foram registrados 658 novos procedimentos, em um total de R$ 95 bilhões.
Todo esse volume dos últimos dois anos fez com que as câmaras atingissem marcas recordes de casos em andamento. Em 2021, 1.047. Já ao fim de 2022, segundo a pesquisa, estavam em tramitação 1.116 procedimentos – um alta de quase 7% em relação ao ano anterior.
“São números expressivos. Mostram que a arbitragem está consolidada e incorporada nos contratos”, diz Selma Lemes, destacando que são as partes que escolhem resolver os seus conflitos nesse ambiente.
A arbitragem tem como principais características o sigilo – quando o conflito se dá entre particulares -, alta especialização dos julgadores e celeridade. A pesquisa mostra que leva-se, em média, 19 meses para a conclusão dos casos. Na Justiça, para efeito de comparação, um processo pode durar mais de década, dependendo da quantidade de recursos e instâncias.
Na arbitragem, além disso, são as partes que escolhem os julgadores dos seus casos. São, geralmente, três árbitros e a decisão por eles proferida é final, ou seja, não cabe recurso para a Justiça – com exceção a possíveis vícios previstos na legislação (leia Poucos casos discutem impugnação de árbitros).
Todo esse sistema é regulamentado por lei desde 1996. A administração pública, no entanto, passou a participar de forma mais efetiva somente a partir de 2015, com a edição da Lei nº 13.129, que deixou expressa essa possibilidade.
“E o Poder Público entendeu, ao longo desses anos, que a arbitragem é um meio adequado para solucionar conflitos de parceria público-privada, concessões e contratos, que são complexos e têm valores elevados”, frisa Selma Lemes. “Chama atenção, inclusive, o alto nível dos advogados públicos.”
” As controvérsias são sempre complexas e têm valores muito elevados. Partem da casa de bilhões”
No âmbito da administração pública federal, esses casos ficam sob o guarda-chuva da AGU – que segue, na arbitragem, a mesma organização dos processos judiciais, em que há uma divisão de atribuições.
Existem dois núcleos especializados. Um atende a administração direta, a União propriamente dita, e o outro, de competência da Procuradoria-Geral Federal, representa a administração indireta, que são as instituições, autarquias e agências reguladoras. Ao todo, 21 profissionais atuam nessas duas unidades.
O núcleo que responde pela União foi criado primeiro, em 2018, e o outro, que atende a administração pública indireta, tem um ano de existência. Os dois nunca perderam uma disputa.
“De fato, até hoje, a União não sofreu nenhuma sucumbência e também não foi condenada a pagar valores em decorrência de processo arbitral extinto”, afirma Paula Butti, coordenadora do núcleo especializado de arbitragem da AGU, que cuida dos casos em que a União está diretamente envolvida.
Os resultados positivos superam R$ 184 bilhões, entre perdas evitadas e vitórias obtidas, segundo os dados do órgão. Uma das vitórias mais recentes, em maio, foi sob o escopo do outro núcleo, que cuida das agências reguladoras. Tratou sobre o contrato de concessão da BR-040, que liga o Distrito Federal a Minas Gerais.
A concessionária iniciou uma arbitragem na Câmara de Comércio Internacional (CCI) contra multas que foram aplicadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) por descumprimento de obrigações. O tribunal arbitral validou as cobranças.
Dentre os casos da administração federal que estão em curso atualmente, a maioria – 22 ao todo – envolve agências reguladoras: ANTT e também Agência Nacional de Petróleo (ANP), de Aviação Civil (Anac), de Telecomunicações (Anatel) e de Energia Elétrica (Aneel).
São, em geral, conflitos relacionados aos contratos de concessão: recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, indenizações decorrentes de extinção das parcerias ou descumprimento de obrigações.
São, em geral, conflitos relacionados aos contratos de concessão: recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, indenizações decorrentes de extinção das parcerias ou descumprimento de obrigações.
“As controvérsias na arbitragem são sempre complexas e têm valores muito elevados. Partem da casa de bilhões. Às vezes são dezenas de bilhões envolvidos. Alguns casos em que ANP é parte, por exemplo, estão em dólar, o que também acaba puxando mais para cima”, diz José Flávio Bianchi, consultor federal de regulação econômica da AGU.
A administração pública federal também está entre os adeptos de uma figura nova na arbitragem: o chamado “árbitro de emergência”. Trata-se de um julgador convocado para responder pedidos liminares.
Até pouco tempo, não havia essa figura aqui no Brasil. As partes que precisavam de uma decisão urgente costumavam recorrer à Justiça, conseguiam a liminar e depois, na arbitragem, decidia-se o mérito.
Agora, tudo pode ser feito na arbitragem. A primeira vez que se tem notícias dessa figura, aqui no Brasil, ocorreu em um caso envolvendo a ANTT. A Anac, além disso, previu na última leva de contratos de concessão de aeroportos a utilização, se necessário, do árbitro de emergência.
Essa modalidade aparece na nova edição da pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”. Consta que, em 2022, houve a indicação de 13 árbitros de emergência em sete das oito câmaras participantes do estudo.
A média de tempo entre a indicação do árbitro de emergência e a decisão proferida foi de 11 dias. A decisão mais rápida foi dada em 3 dias e a mais longa em 23.
Outra novidade da pesquisa é o uso da chamada “arbitragem expedita”. Trata-se de um procedimento mais simples. É indicado para conflitos de baixa complexidade, que não demandam, por exemplo, de perícia.
Foram contabilizados 54 procedimentos desse tipo em seis das oito câmaras pesquisadas nos anos de 2021 e 2022. No ano passado, o tempo médio foi de 6,5 meses. A Camarb, Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial-Brasil, registrou a menor média: 3,19 meses.
A Camarb concentra uma grande quantidade de casos trabalhistas, área que, no ano de 2022, ficou em terceiro lugar no ranking de demandas nas principais câmaras do país.
O impulso para esses casos veio com a reforma da CLT, em 2017, que passou a permitir a arbitragem como meio de resolução de conflitos entre empregador e empregado em algumas situações. Existem dois requisitos: o trabalhador deve exercer cargo de confiança na empresa e ter remuneração acima de R$ 11 mil.
Luís Fernando Guerrero, vice-presidente da Camarb, afirma que existem conflitos envolvendo profissionais com cargo de gerência, mas a maioria são discussões de trabalho com viés empresarial. Envolvem contratos de franquia, distribuidores e representantes comerciais.
“Há discussões sobre vínculo empregatício ou pagamento de indenização pelo fim do contrato”, afirma. “A maioria segue esse formato de arbitragem expedida”, acrescenta, destacando que, nessa modalidade, o custo é cerca de 40% mais baixo do que nas arbitragens convencionais.
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