31 out “Celetizando” as Cooperativas de Trabalho
“Celetizando” as Cooperativas de Trabalho
No final de julho deste ano foi publicada a Lei 12.690, a qual, segundo sua ementa, “dispõe sobre a organização e funcionamento das cooperativas de trabalho.”
O parágrafo único do artigo primeiro expressamente exclui do seu âmbito de incidência as “cooperativas de assistência à saúde na forma da legislação de saúde suplementar; as cooperativas que atuam no setor de transporte regulamentado pelo poder público e que detenham, por si ou por seus sócios, a qualquer título, os meios de trabalho; as cooperativas de profissionais liberais cujos sócios exerçam as atividades em seus próprios estabelecimentos; e as cooperativas de médicos cujos honorários sejam pagos por procedimento.”
Já o art. 2º busca conceituar a cooperativa de trabalho como a “sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.” A legislação esclarece que a autonomia deve ser exercida de forma coletiva e coordenada, por da fixação, em Assembléia Geral, das regras de funcionamento e forma de execução dos trabalhos. Outrossim, a autogestão deve ser entendida como o processo democrático no qual a Assembléia Geral, por meio de votação dos sócios, decide as diretrizes para a operação da cooperativa.
Alguns princípios, expressamente nominados no art. 3º, reforçam a idéia de autonomia e gestão democrática pelos sócios da cooperativa.
Segundo o art. 4º, a cooperativa de trabalho deve ser classificada como: “de produção, quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os meios de produção;” e “de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego.”
O art. 11 determina a realização de pelo menos uma Assembléia Geral Especial para deliberar sobre a gestão da cooperativa, disciplina, direitos e deveres dos sócios, planejamento e resultado econômico dos projetos e contratos firmados e organização do trabalho. As deliberações da Assembléia serão válidas somente quando contar com a maior absoluta dos presentes, sendo necessária a comprovação da notificação dos sócios com antecedência mínima de 10 dias. Às cooperativas, nos termos do art. 13, será vedada a distribuição de verbas de qualquer natureza entre os sócios, exceto a retirada devida em razão do exercício de sua atividade como sócio ou retribuição por conta de reembolso de despesas comprovadamente realizadas em proveito da Cooperativa.
Neste aspecto, a regulamentação legal vai ao encontro dos ideais de autonomia e autogestão democrática nas cooperativas.
Nossa crítica, como sugere o título do presente artigo, reside especificamente na previsão constante no artigo 7º do diploma legal. De acordo com o indigitado dispositivo, as cooperativas devem garantir aos sócios: I – retiradas não inferiores ao piso da categoria profissional e, na ausência deste, não inferiores ao salário mínimo, calculadas de forma proporcional às horas trabalhadas ou às atividades desenvolvidas; II – duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, exceto quando a atividade, por sua natureza, demandar a prestação de trabalho por meio de plantões ou escalas, facultada a compensação de horários; III – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; IV – repouso anual remunerado; V – retirada para o trabalho noturno superior à do diurno; VI – adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas; e VII – seguro de acidente de trabalho.
Tais garantias, com efeito, buscam assemelhar relações jurídicas absolutamente diferentes, o que redunda em anacronismo flagrante. Como é possível que uma cooperativa autêntica, onde todos os cooperados compartilham o risco do negócio, garanta a retirada mínima equivalente ao piso da “categoria profissional”? E se a cooperativa não obtiver lucro que permita as retiradas equivalentes ao limite estabelecido? As cooperativas deverão buscar empréstimos financeiros que viabilizem o cumprimento da lei. Outrossim, nas legítimas cooperativas inexiste a subordinação jurídica, típica da relação de emprego, que exige a salvaguarda de direitos, como a limitação de jornada de trabalho e garantia de repouso semanal.
Em verdade, a legislação parece buscar legitimar a fraude, “celetizando” uma relação que deveria sustentar-se na plena autonomia e autogestão. De duas uma, ou a cooperativa é uma fraude, ou as garantias previstas na lei são incompatíveis com a legítima atuação cooperativa. Nas verdadeiras cooperativas, todos os sócios são, ao mesmo tempo, patrões e empregados, sendo absolutamente incongruente, como busca o texto legal, lhes garantir direitos típicos dos empregados, caracterizados pela hipossuficiência.
Aos tomadores de serviços de cooperativas, diante da nova regulamentação legal, sugere-se cautela redobrada. Isto porque, caso não cumpridas as determinações previstas na Lei 12.609/12, tanto a cooperativa prestadora dos serviços como o tomador estarão sujeitos à multa no valor de R$ 500,00 por trabalhador prejudicado, aplicáveis pelos Auditores Fiscais do Trabalho do MTE. Ademais, nos termos do art. 9º da lei, o tomador dos serviços responde de forma solidária pelo cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho quando os serviços forem prestados no seu estabelecimento ou em local por ele determinado.
Pelo menos a nova regulamentação não tem aplicação imediata. Conforme arts. 27 e 28 as cooperativas constituídas antes da vigência da lei terão prazo de 12 meses (até 20 de julho 2013) de para promover as adaptações necessárias ao cumprimento. Neste período, devem as empresas tomadoras destes serviços refletir se o risco envolvido nesta relação é compatível com os seus eventuais benefícios.
Eduardo Caringi Raupp
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