Justiça do Trabalho mantém ‘home office’ em casos excepcionais

Justiça do Trabalho mantém ‘home office’ em casos excepcionais

Publicado em 10 de outubro de 2023

Casos envolvem, principalmente, empregados doentes ou responsáveis por familiares que passaram a requerer cuidados.

A Justiça do Trabalho tem aceitado pedidos para a manutenção do home office. São casos, principalmente, de empregados que alegam não poder retornar ao trabalho presencial por questões de saúde mental – muitas vezes desencadeadas pela pandemia – ou serem responsáveis por familiares que passaram a requerer cuidados médicos.

Nos últimos anos, o Judiciário tem registrado aumento progressivo no volume de ações sobre home office. No início da pandemia, em 2020, foram ajuizados 443 processos – a maioria por medo de contaminação no ambiente de trabalho. No ano passado, superou a casa das 2 mil ações, o que representa um crescimento de quase 500%, segundo levantamento feito pela plataforma Data Lawyer, a pedido do escritório Trench Rossi Watanabe.

Nessa nova onda de ações, além de questões de saúde, discute-se a exigência de que os funcionários sejam avisados com pelo menos 15 dias de antecedência sobre a necessidade de volta ao trabalho presencial. É o que determina o artigo 75-C, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo a advogada Leticia Ribeiro, sócia da banca que coordenou o levantamento.

 Ela lembra que, na maior parte dos países da América Latina, entre eles Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e Peru, o empregador pode determinar, unilateralmente, a volta dos empregados ao trabalho presencial.

“As empresas passaram a, gradativamente, voltar a exigir o retorno presencial, ainda que de forma híbrida, com a possibilidade de trabalho remoto em dois ou três dias da semana”, diz a advogada, acrescentando que a possibilidade de trabalhar remotamente passou a ser vista como um benefício relevante e ferramenta de retenção de talentos, especialmente pela parcela mais jovem da população ativa.

Recentemente, a juíza Miriam Maria D’Agostini, da 2ª Vara do Trabalho de São José (SP), determinou a manutenção do trabalho remoto para uma trabalhadora que comprovou cuidar do marido, que sofre transtorno bipolar e já tentou o suicídio. A magistrada destaca, na decisão, que o quadro dele “persiste e demanda cuidados” e que a própria empresa teria reconhecido que, por ela atuar na área administrativa, não haveria prejuízo em manter o trabalho remoto (processo nº 0000578-40.2022.5.12.0031).

Na 3ª Vara do Trabalho de Aracaju (SE), o juiz substituto Horácio Raymundo de Senna Pires Segundo suspendeu a transferência de cidade de uma trabalhadora para que possa cuidar da mãe de 80 anos. E definiu que caberá à empresa definir se o trabalho será remoto ou presencial.

No processo, a funcionária alega que foi contratada para atuar na área administrativa de uma empresa em Aracaju e que, com o encerramento das atividades no Nordeste, foi transferida para Macaé (RJ), em janeiro de 2020. Com a pandemia, voltou para Aracaju, em março de 2020, e estava trabalhando remotamente até que veio determinação do empregador, em dezembro de 2021, para que voltasse a Macaé, para trabalho presencial.

Ao analisar o caso, o juiz entendeu que a manutenção da funcionária em Aracaju “é medida que se impõe” para preservação da estrutura familiar. Ainda destaca que a empresa não comprovou a necessidade de mantê-la no presencial (processo nº 0001072-64.2022.5.20.0003).

Há também pedidos de trabalhadores que querem a continuidade do trabalho remoto por questões de saúde mental – como depressão e ansiedade. Em um desses casos, o juiz Felipe Rollemberg Lopes Lemos da Silva, da 7ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, manteve a modalidade a um funcionário que comprovou sofrer transtornos de ansiedade generalizada e que seu quadro clínico, agravado com a pandemia, dificulta muito seu contato social e circulação.

Na decisão, o magistrado destaca que a saúde física e a mental são essenciais para o bem-estar do indivíduo e para que tenha a capacidade necessária de executar suas habilidades pessoais e profissionais. Ainda afirma que não existe nos autos qualquer justificativa da empresa para excluir as doenças mentais do rol daquelas que permitem o trabalho remoto. Por fim, lembra que a recomendação médica não é de afastamento total das atividades laborais, mas de inclusão em regime de home office (processo nº 0100083-82.2022.5.01.0007).

Empregados também alegam, em um número menor de processos, que seu trabalho pode ser plenamente realizado à distância. Em decisão recente, sobre uma funcionária da área de tecnologia, o juiz Thiago Mira de Assumpção Rosado, da 18ª Vara do Trabalho de Curitiba, destaca que “muito embora o Poder Judiciário não possa invadir o espaço reservado ao empregador, substituindo, por seus próprios critérios, eventuais escolhas dos gestores, no caso apresentado a decisão não se mostra legítima”.

Para o magistrado, “o único fundamento utilizado, determinante para o indeferimento do pedido da autora, não é verdadeiro, uma vez que existe, sim, a possibilidade de dispensar o comparecimento presencial da autora no local de trabalho, além do que, salvo melhor juízo, estabeleceu-se condição mais benéfica à autora, implementando-se situação reconhecida pela boa-fé objetiva contratual como surrectio”.

Segundo a advogada Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados, as decisões tratam, em sua maioria, de casos excepcionais, envolvendo trabalhadores ou parentes em tratamento médico. “Nesses casos, estão acertadas [as decisões]. É essencial que as empresas façam as adaptações necessárias, dentre elas o teletrabalho”, diz.

Atualmente, acrescenta, não há nenhum impedimento para o retorno dos empregados ao trabalho presencial. Ela alerta que aqueles que se recusarem a comparecer poderão sofrer as penalidades previstas na CLT, inclusive demissão por justa causa.

Alessandra Boskovic, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, considera o aumento no número de ações sobre o tema uma tendência natural. Isso porque, diz, além de haver um crescimento no número de funcionários com doenças mentais, recentemente as empresas passaram a demandar o retorno ao trabalho presencial. “Mas não existe nenhuma determinação legal que assegure o direito do empregado ao home office”, afirma.

Todos devem voltar, se for determinado, acrescenta a advogada, salvo em casos excepcionais, em que há acordo coletivo da categoria para que seja mantido o home office. “Mesmo nos casos de funcionários que firmaram acordos individuais para estabelecer o trabalho remoto, nada impede que as empresas alterem essa condição, desde que respeitem os 15 dias.”

Fonte: Valor Econômico
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