19 jan Reforma deu segurança à arbitragem trabalhista, mas há críticas sobre seu alcance
Reforma deu segurança à arbitragem trabalhista, mas há críticas sobre seu alcance
A arbitragem no campo trabalhista se consolidou como a terceira mais utilizada no país em 2023. Os dados mais recentes sobre o tema — reunidos no estudo “Arbitragem em Números”, desenvolvido pela pesquisadora, advogada e árbitra Selma Ferreira Lemes, uma das maiores autoridades brasileiras na temática — mostram que mais de um terço (36%) das arbitragens feitas na Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (Camarb), por exemplo, tiveram como objeto uma disputa trabalhista.
O levantamento de Selma Lemes leva em conta as oito maiores e mais atuantes câmaras do país. Não há como traçar um panorama exato do que ocorre em todo o território nacional, mas o estudo é o raio-x mais completo sobre essa vertente da resolução de conflitos. Ainda de acordo com a pesquisa, entre 2021 e 2022 houve aumento tanto nas arbitragens trabalhistas entrantes (4%) quanto nas em andamento (7%).
Depois das pautas societárias e dos contratos de construção civil e energia, as litigâncias trabalhistas são as de maior número em ordem quantitativa, segundo o levantamento. E as arbitragens dessa área lideram no quesito das expeditas (que têm procedimento simplificado e menor custo) e no tempo de duração. Na Camarb, a média de arbitragens expeditas foi de 3,19 meses para a resolução do conflito — o número é menos da metade da média das outras arbitragens que seguem esse rito.
Esses dados só reforçam uma tendência que surgiu com a inclusão do artigo 507-A na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a partir da reforma trabalhista. Esse dispositivo delineou as possibilidades da arbitragem no campo do Direito do Trabalho. De cinco anos para cá, o efeito causado pela regulamentação ficou mais claro, e a arbitragem se consolidou como uma das principais discussões sobre resolução de litígios no âmbito trabalhista.
À revista eletrônica Consultor Jurídico, especialistas no assunto confirmam a ascensão do instituto, que desonera o Poder Judiciário e abre possibilidades para a resolução mais célere de conflitos trabalhistas. Há, no entanto, questionamentos sobre a quantidade de câmaras habilitadas para esse tipo de arbitragem, além de seu alcance no sentido do piso salarial dos contratos passivos de inserção da cláusula arbitral definido pelo artigo da CLT.
“Na arbitragem, como o final é rápido, ela estimula o cumprimento voluntário das obrigações, porque a pessoa não pode contar com a demora das instâncias recursais. É algo republicano, e que ajuda a diminuir a carga da Justiça. Não a carga quantitativa, mas a qualitativa”, diz o professor e autor de livros sobre arbitragem Olavo Alves Ferreira, que também atua como árbitro. “Há uma certa resistência do Judiciário em relação à arbitragem trabalhista que tem se atenuado.”
“Esse crescimento também se justifica pela pluralidade de possíveis demandas a serem solicitadas, sendo abordadas nos procedimentos desde reclamações relacionadas a representantes comerciais autônomos que alegam ter vínculo com a empresa até mesmo possíveis fraudes de natureza trabalhista entre sócios”, argumenta a advogada, professora e diretora-executiva da Camarb, Soraya Nunes.
A reforma na CLT, promulgada em 2017, de acordo com a professora Selma Lemes, deu à arbitragem trabalhista segurança jurídica e estabeleceu critérios para sua aplicação. “Nós andamos para frente objetivamente. Isso ajuda as empresas a ter um custo de transação menor, e, no fim dessa cadeia, isso repercute na própria sociedade. (A arbitragem trabalhista) Oxigenou um pouquinho a relação de trabalho.”
O instituto, segundo Lemes, que integrou a Comissão Relatora da Lei de Arbitragem, enxuga os contingentes das empresas e dá mais celeridade para que o trabalhador tenha seus interesses atendidos. As decisões arbitrais têm respaldo e a contestação é ínfima: das 1.116 arbitragens pesquisadas por Lemes, em menos de 1% (0,98%) houve impugnação aceita pela Justiça.
Poucas opções
A prática, no entanto, também gera questionamentos. Além do histórico de embates entre defensores da arbitragem trabalhista e membros da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, existe uma discussão sobre como deve ser estipulada em contrato a possibilidade da decisão arbitral e sobre o valor salarial estabelecido pelo artigo 507-A.
Além disso, fontes entrevistadas pela ConJur se queixam de que há poucas câmaras com regulamentações específicas para a arbitragem trabalhista, e que também faltam instituições do tipo com custos mais baixos, além de profissionais qualificados.
“Para essas arbitragens com valores menores darem certo, precisa de mais câmaras acessíveis, e são muito poucas hoje em dia. Em suma, faltam câmaras em que a tabela de custas seja acessível”, diz Alves Ferreira.
Hoje, há apenas três câmaras que atuam nesta área: a Camarb, a Cames e a Amcham Brasil, de acordo com a professora do Mackenzie e árbitra com ampla atuação em causas trabalhistas Evelyn Barreto de Souza. Para ela, no entanto, faltam profissionais que atuem de forma específica nessa área, que, antes de sua permissão pela CLT, ficou com uma “pecha muito ruim”.
“Quando eu falo de arbitragem, falo de um instituto que vem se sofisticando e se aprimorando cada vez mais. Não digo que no Brasil se padeça de instituições, mas, sim, de profissionais qualificados que se dediquem à àrea e saibam suas particularidades.”
O debate sobre arbitragem trabalhista ganhou novos contornos com o “caso Magazine Luiza-KabuM!”. Após a venda do e-commerce do mundo gamer para a gigante do varejo, teve início um grande litígio que envolve as duas empresas na Justiça do Trabalho. O contrato de venda previa empregos pela CLT para os fundadores da KabuM!. Eles, no entanto, foram demitidos por justa causa e agora alegam uma retaliação por terem contestado, na Justiça, os valores da transação, que foi assessorada pelo banco Itaú.
Na noite de 11 de dezembro, o juiz do Trabalho substituto Pablo Souza Rocha extinguiu a ação dos fundadores da KabuM! contra a demissão por justa causa e definiu que o caso deveria correr em tribunal arbitral, mesmo que nos contratos CLT não estivessem dispostas essas cláusulas. Para Rocha, a ação tem relação com a própria venda da empresa à Magazine Luiza, que está sendo contestada em processo de arbitragem. Por isso, a ação que tenta anular a justa causa também deveria correr em tribunal arbitral. A decisão ainda suscita a incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento.
Pelo artigo 507-A da CLT, a possibilidade de arbitragem trabalhista tem de estar estipulada por meio de cláusula compromissória, “desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa”. Na prática, diz Barreto de Souza, não é isso o que está acontecendo.
“A condição de arbitragem prevista na CLT é a cláusula compromissória. Na prática da arbitragem trabalhista, definitivamente o que a gente vê não é a inserção dessa cláusula no contrato de trabalho, principalmente no início, porque se essa cláusula for inserida logo no começo da vigência, pode parecer coação, o que pode suscitar anulação de uma arbitragem.”
A árbitra lembra que o que é discutido em arbitragens trabalhistas não são verbas rescisórias, mas obrigações dilatadas no tempo, como questões de quarentena para assumir empresas concorrenciais, permanência de benefícios como plano de saúde e carro corporativo etc.
Das sombras às alturas
A história das arbitragens trabalhistas remonta à própria trajetória das arbitragens no Brasil. A Lei de Arbitragem foi promulgada em 1996 no país e é considerada sofisticada, emulando padrões internacionais. À época, no entanto, para garantir a sua aprovação, a possibilidade de arbitragem no campo do Trabalho foi deixada de lado por causa das severas críticas que o instituto sofria, principalmente na Justiça trabalhista.
A pesquisadora Selma Lemes diz que, à época, como não havia legislação específica, o Código de Processo Civil acabava sendo aplicado nestas situações. “Era um tema áspero, controvertido. E, na época, isso (defender a inclusão da arbitragem trabalhista na lei) era realmente fazer com que a lei não fosse aprovada.”
Ao longo de 20 anos, a prática funcionou em uma espécie de limbo, sem diretrizes específicas e, inclusive, com câmaras “fraudulentas”, conforme descrito pelo professor Olavo Alves Ferreira. Daí a “pecha muito ruim” citada pela árbitra Evelyn Barreto de Souza. Em geral, eram instituições que ludibriavam trabalhadores com pouca instrução e cobravam valores em nome de uma suposta atuação no campo arbitral, que nunca acontecia.
“Isso foi no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000. Então, a Justiça do Trabalho fez um excelente trabalho e acabou com essas câmaras”, diz Alves Ferreira.
Nesse período, antes da institucionalização legal da prátiaca, o Ministério Público do Trabalho e algumas turmas Tribunal Superior do Trabalho emitiram inúmeros posicionamentos contrários à arbitragem trabalhista, aceitando apenas o seu uso em processos que envolvessem dissídios coletivos.
Alguns casos se tornaram emblemáticos. Em 2015, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST proibiu que câmaras arbitrais da Bahia e de Minas Gerais atuassem em casos de contratos individuais de trabalho (RR-25900-67.2008.5.03.0075 e RR-27700-25.2005.5.05.0611), atendendo a pedidos do MPT, que ajuizou uma série de ações civis públicas contra câmaras de arbitragem trabalhista em todos o país.
Ministros, desembargadores, juízes e procuradores do Trabalho alegavam que o instituto era inaplicável aos direitos trabalhistas por se tratarem de direitos indisponíveis, ou seja, assegurados pela Constituição e, portanto, inegociáveis. No caso da Lei de Arbitragem, seu primeiro artigo é taxativo ao afirmar que essa modalidade de resolução de conflito se aplica a “direitos patrimoniais disponíveis”.
Outra questão é que os trabalhadores, muitas vezes, são hipossuficientes e não possuem conhecimento técnico sobre o funcionamento das arbitragens, o que trazia uma situação desproporcional no momento em que o tribunal arbitral era instaurado. Os processos que envolvem arbitragem podem tramitar sob sigilo — ponto também negativo para o trabalhador — e os árbitros eram taxados de parciais em prol das empresas.
Tudo mudou com a redação do artigo 517-A da CLT, que tratou de dar segurança constitucional à prática. Mas algumas críticas persistem. As mais contundentes são sobre o valor dos salários de trabalhadores quem podem ter seus contratos submetidos à arbitragem e sobre a inserção da cláusula no contrato.
Pela lei, apenas trabalhadores com salários superiores a duas vezes o teto dos benefícios da Previdência podem ter contratos com esse tipo de cláusula. Hoje, esse valor é de R$ 15.014,98, segundo dados atualizados de 2024.
A aplicação da arbitragem em salários mais baixos não é prejudicial, diz Alves Ferreira, tendo em vista que a rapidez e a possibilidade maior de fazer um acordo é benéfica tanto para o empregador quanto para o empregado.
“A audiência inicial é marcada muito mais rápido. E na primeira já tem tentativa de conciliação. No termo de arbitragem você vai definir tudo o que mais importante para as partes, e, dessa forma, fica muito mais fácil fazer um acordo.”
A professora e árbitra Evelyn Barreto afirma que as causas em que atua, em geral, envolvem CEOs, CFOs e outros altos executivos de empresas multinacionais. Ela critica o valor estipulado na CLT, que é muito abaixo do praticado nas multinacionais. “O teto colocado pelo artigo da CLT não é para uma pessoa hipersuficiente, nem para um alto executivo.”
Para Selma Lemes, o artigo foi bem escrito e os números são relativos.
“A realidade de São Paulo não é a realidade de Manaus, então isso [o piso de salários para arbitragem] é relativo. Foi uma quantificação de um valor que é reajustável, baseado em um coeficiente que é revisto. Está bem qualificado, você pode ter um salário de R$ 100 mil e vai se aplicar, e pode ter um de R$ 10 mil e não vai se aplicar, mas não impede de, em um conflito, firmar um compromisso arbitral. Acho até esse valor poderia até ser menor.”
Clique aqui para ler a decisão sobre a KabuM!
Processo 0010494-34.2023.5.15.0014
Clique aqui para ler a íntegra do estudo “Arbitragem em Números” de 2023
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