10 ago Regulação da atividade dos influenciadores digitais
Regulação da atividade dos influenciadores digitais
Não há dúvidas quanto à responsabilidade do influenciador digital por postagens remuneradas; discute-se apenas a extensão dessa responsabilidade.
A França promulgou, no dia 9 de junho, a Lei nº 451 a fim de regular a atividade do influenciador digital e combater os abusos por esses praticados nas redes sociais. Atualmente, já não se pode mais ver a atividade do digital influencer como passatempo. Eles exercem, de fato, uma atividade profissional, que vem crescendo exponencialmente em importância devido ao poder que os famosos têm de despertar desejo e influenciar a decisão de compra de milhares de seguidores. Não por acaso a lei francesa os denomina influence commerciale, impondo-lhes rígidas obrigações e responsabilidades.
Deve-se esclarecer, de início, que nem toda pessoa que exibe produtos nas redes sociais deve ser considerada um influenciador digital, ainda quando assim se autodenomine. A rigor, influencer é apenas aquela pessoa (física ou jurídica) que usa seus canais em redes sociais para divulgar – direta ou indiretamente, mediante remuneração em dinheiro ou in natura – bens, serviços e ou qualquer outra causa. Decisivo, portanto, é que a divulgação seja feita de forma remunerada.
Porém, nem tudo pode ser objeto de postagem nas redes sociais. Por isso, o referido diploma legal proíbe ao influencer promover diversos bens e serviços, como operações estéticas, tratamentos cirúrgicos e médicos, produtos com nicotina e certos produtos financeiros. Também são vedadas postagens remuneradas envolvendo animas domésticos, salvo se feitas por estabelecimentos comerciais de animais. A divulgação de jogos de azar só poderá ser feita em plataformas que impeçam o acesso de menores de 18 anos, com a menção expressa de que aquele conteúdo é proibido para menores. As penas para infrações são rígidas, variando de dois anos de prisão e multa de até 300 mil euros até a proibição, temporária ou permanente, de exercer a atividade de influenciador comercial.
A lei estabelece ainda a obrigação do influenciador indicar o caráter publicitário das postagens remuneradas, colocando na imagem ou vídeo expressamente a palavra “publicidade” ou “colaboração comercial”, de forma clara, legível e facilmente identificável durante toda a promoção. Ela joga ainda um balde de água fria nos truques das celebridades ao impor o dever de informar aos seguidores quando a imagem tiver sido retocada para, por exemplo, afinar ou avolumar a silhueta. Nesse caso, deve constar no post a menção a “imagens retocadas”. O mesmo vale no caso da imagem ser produzida por inteligência artificial (“imagens virtuais”).
A omissão dessas referências configura prática comercial enganosa por omissão e sujeita o influencer a pena de prisão e multa. E nem adianta tentar se esquivar mudando de domicílio, pois o legislador francês exige que todo influenciador digital atuante no país tenha um representante legal no âmbito da União Europeia, bem como um seguro de responsabilidade civil obrigatório para garantir o ressarcimento de eventuais danos causados a terceiros.
Não é a primeira vez que a França regula a atividade dos influenciadores: em 2020, o país regulamentou a atividade dos youtubers mirins, i.e., dos menores de 16 anos que faturam uma fortuna nas redes sociais. Para ser influenciador mirim, não basta criatividade e uma câmera. É necessário uma autorização do Estado e ter horários regulados para se dedicar à produção dos vídeos, aos estudos e ao lazer, direitos irrenunciáveis de crianças e adolescentes.
Além disso, a lei determina que os valores recebidos pelo menor sejam depositados em conta bancária só acessível com a maioridade, o que impede que os pais parem de trabalhar e vivam às custas do filho. Outra importante medida protetiva é o direito conferido às crianças de solicitar a exclusão do conteúdo publicado nas plataformas, uma espécie de direito ao esquecimento, que, por aqui, foi equivocadamente considerado incompatível com a Constituição pelo STF, em 2021, no julgamento do RE 1.010.606/RJ.
Tudo isso aponta para a necessidade urgente de regulamentação da atividade do influenciador digital no Brasil. A questão mostra-se ainda mais premente face à quantidade de influenciadores mirins atuantes na internet e à postagem descontrolada de conteúdo pago, mas não identificado como publicidade pelas celebridades virtuais. Vale lembrar que, apesar da ausência de lei específica, o Código de Defesa do Consumidor exige que todo aquele que divulgue produto ou serviço no mercado de consumo identifique a publicidade de forma clara e inequívoca, de modo a não restar dúvidas acerca do cunho publicitário da informação, regra aplicável, por analogia, aos influenciadores digitais, como, aliás, recomenda o Conar em guia de publicidade para o influenciador digital.
Da mesma forma, é defeso fazer postagens publicitárias enganosas, abusivas ou ilícitas, como a promoção de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos, terapias e agrotóxicos em desconformidade com as exigências da Lei nº 9.294/96, que, com base no artigo 220, parágrafo 4º, da Constituição, restringe os anúncios publicitários de tais produtos e serviços no Brasil. A inobservância dessas regras sujeita o infrator – inclusive, o influencer – a sanções no plano civil, administrativo e penal. Afinal, a internet não é terra sem lei. Dessa forma, dúvidas não há quanto à responsabilidade do influenciador digital por postagens remuneradas. Discutido é apenas a extensão dessa responsabilidade, principalmente se eles respondem pelo fato ou vício dos produtos e serviços divulgados, tal como o fornecedor que o contratou. Aqui vigora a regra de ouro da era digital: tudo o que vale no mundo real, vale no mundo virtual.
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