Turmas do TST afrontam súmulas sobre recurso na liquidação por cálculos

Turmas do TST afrontam súmulas sobre recurso na liquidação por cálculos

Publicado em 30 de maio de 2022
Por Júlio César Bebber

Embora anacrônico, o direito processual do trabalho ainda convive com a liquidação por cálculos para realização de simples operações aritméticas (CLT, 879, caput).

Elaborados os cálculos, então, o juízo deverá abrir às partes prazo comum de oito dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão (CLT, 879, § 2º).

Ofertada impugnação, o juiz proferirá decisão interlocutória resolutiva da controvérsia (correção da conta), impropriamente denominada de sentença de liquidação (por influência do CPC-1939).

Há muito foi assentado nas Súmulas 266 e 399, II, do TST, e em decisão da SBDI-2, que essa decisão comportava impugnação por recurso. Nada obstante, pelo menos três Turmas do TST, em decisões recentes, deliberaram em sentido contrário. Tomo por todas, para análise e apontamentos, a seguinte decisão:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO (…) SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO. ARTIGO 879, § 2º, DA CLT. IMPUGNABILIDADE PARA O MOMENTO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE PETIÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. A decisão que julga a impugnação e homologa os cálculos de liquidação, prevista no artigo 879, § 2º, da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/2017, conquanto considerada ‘sentença de liquidação’, não tem natureza terminativa do procedimento de liquidação, razão pela qual sua impugnabilidade está reservada para o momento de interposição dos Embargos de Execução, nos termos do artigo 884 da CLT, não comportando interposição de Agravo de Petição de imediato. Correta, portanto, a decisão regional que aplicou o disposto no artigo 893, § 1º, da CLT, e na Súmula n. 214 do TST, em face da natureza interlocutória, não terminativa do feito da ‘sentença de liquidação'” (TST-AIRR-683-89.2013.5.12.0012, 7ª T., DEJT 25/2/2022).

A afirmação, registrada na ementa, de que:

a) a “sentença de liquidação, não tem natureza terminativa do procedimento de liquidação” é correta, embora sugira que essa circunstância seria impeditiva de recurso imediato e autônomo;

Esclareça-se, então, que a sentença de liquidação tem natureza interlocutória (CPC, 203, § 2º), uma vez que o processo é sincrético. Apesar disso: (1) encerra uma fase procedimental secundária (fase de liquidação — situada entre as fases principais: conhecimento e execução); e (2) seu conteúdo é definitivo, uma vez que resolve a controvérsia. Foi por essa razão, inclusive, que o TST, ainda na vigência do CPC-1973, afirmou que se trata de decisão de mérito, produz coisa julgada material e comporta impugnação por ação rescisória (Súmula TST nº 399, II).

b) a “impugnabilidade” da sentença de liquidação “está reservada para o momento de interposição dos Embargos de Execução, nos termos do artigo 884 da CLT” é equivocada.

A impugnação da sentença de liquidação em embargos do executado, na forma do artigo 884, § 3º, da CLT era admissível, somente, na hipótese de homologação dos cálculos de plano (sentença de mera homologação), em que o debate sobre a correção da conta era postergado (Súmula TST nº 298, IV).

Desde a vigência da Lei n. 13.467/2017, o procedimento do artigo 897, § 2º, da CLT passou a ser obrigatório. Este procedimento antecipa e confina à fase de liquidação o debate sobre a correção da conta. A decisão resolutiva, assim, será de mérito, produzindo coisa julgada material (Súmula TST nº 399, II).

Permitir a rediscussão da correção da conta em embargos à execução (como espécie de recurso contra a sentença de liquidação), portanto: (1) acarretará violação à coisa julgada (CF, 5º, XXXVI). Não se queira argumentar que a Súmula TST nº 399, II, faz referência à decisão que reaprecia a correção da conta. Esse argumento não é honesto, porque desconsidera os precedentes que deram origem à Súmula; (2) permitirá a aplicação de dispositivo legal (CLT, 883, § 3º) tacitamente revogado. A Lei nº 13.467/2017 regulou integralmente o procedimento da liquidação por cálculos ao fazer obrigatório o procedimento do artigo 879, § 2º, da CLT. Impediu, assim, a postergação do contraditório com a homologação dos cálculos de plano, tornando sem efeito o artigo 884, § 3º, da CLT (Lindb, 2º, § 1º); (3) violará os princípios lógico (que somente autoriza o duplo exame de pronunciamentos resolutivos se for para atribuir imunização), da economia (sob as vertentes da economia de custos, de atos e de tempo), da efetividade e da razoável duração do processo (uma vez que postergará a definição do valor da obrigação, impedido que a execução principie com possibilidade de penhora e liberação de valores incontroversos).

c) a sentença de liquidação “não comporta interposição de recurso de agravo de petição de imediato” é equivocada.

A possibilidade de interposição de recurso de agravo de petição imediato e autônomo para impugnar a sentença de liquidação já foi assentado na Súmula TST n. 266, ao afirmar: “a admissibilidade do recurso de revista interposto de acórdão proferido em agravo de petição, na liquidação de sentença ou em processo incidente na execução (…)”.

Extrai-se, também, da Súmula TST nº 399, II, que dispõe que “a decisão homologatória de cálculos apenas comporta rescisão quando enfrentar as questões envolvidas na elaboração da conta de liquidação, quer solvendo a controvérsia das partes quer explicitando, de ofício, os motivos pelos quais acolheu os cálculos oferecidos por uma das partes ou pelo setor de cálculos, e não contestados pela outra”. Trata-se de uma conclusão lógico-racional. Note-se:

— se a decisão que delibera sobre a correção da conta admite impugnação por ação rescisória é porque transita em julgado e, por conseguinte, produz coisa julgada. Como ressalta Barbosa Moreira, “por ‘trânsito em julgado’ entende-se a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável. (…) Tal momento é aquele em que cessa a possibilidade de impugnar-se a sentença por meio de recurso” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Direito processual civil — ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 145);

— se a decisão que delibera sobre a correção da conta transita em julgado, e este ocorre com o transcurso de certo prazo de recurso, dela cabe recurso imediato e autônomo.

Foi a essa conclusão a que chegou a SBDI-2:

“RECURSO ORDINÁRIO (…) SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO. CONCESSÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 879, § 2º, DA CLT. MOMENTO EM QUE OCORRE O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. (…) Da leitura dos fundamentos lançados na decisão rescindenda bem como de outros documentos juntados, constata-se que o Juiz da execução valeu-se do procedimento de que trata o artigo 879, § 2º, da CLT, advertindo a Executada da incidência da preclusão caso não apresentasse impugnação aos cálculos oferecidos pelos Exequentes. Mesmo constituindo-se tal regra legal em uma faculdade, o certo é que quando o Julgador dela se utiliza resolve definitivamente as controvérsias que possam surgir quanto aos cálculos de liquidação, impedindo sejam as mesmas invocadas nos embargos de que trata o art. 884, § 3º, da CLT, de modo que não há impropriedade em dizer que o trânsito em julgado da aludida sentença, na hipótese, ocorreu quando expirou o prazo de 08 (oito) dias para apresentação do agravo de petição” (TST-ROAG-64000-70.2000.5.15.0000, SBDI-2, rel. min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DJ 11/4/2006).

Ressalto, antecipando-me a eventual questionamento, que o recurso de agravo de petição eventualmente interposto não possui efeito suspensivo automático (CLT, 899, caput), salvo se lhe for outorgado (CPC, 1.012, § 4º; 995, parágrafo único; e 300 e 311, II; Súmula TST nº 414, I). O exequente, assim, poderá iniciar a execução (CLT, 876) e obter a apreensão de bens (CLT, 880 e 883), com liberação de quantia incontroversa.

Não é saudável a desarmonia da jurisprudência se a ordem legal optou pela adoção de um sistema de precedentes como meio de resguardar os valores constitucionais da isonomia e da segurança jurídica.

Assim, ou as Turmas do TST se ajustam às Súmulas 266 e 399, II, e ao entendimento da SBDI-2, ou o Tribunal Pleno do TST cancela as súmulas e a SBDI-2 revisa o seu entendimento.

Fonte: Consultor Jurídico
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