30 maio Turmas do TST afrontam súmulas sobre recurso na liquidação por cálculos
Turmas do TST afrontam súmulas sobre recurso na liquidação por cálculos
Embora anacrônico, o direito processual do trabalho ainda convive com a liquidação por cálculos para realização de simples operações aritméticas (CLT, 879, caput).
Elaborados os cálculos, então, o juízo deverá abrir às partes prazo comum de oito dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão (CLT, 879, § 2º).
Ofertada impugnação, o juiz proferirá decisão interlocutória resolutiva da controvérsia (correção da conta), impropriamente denominada de sentença de liquidação (por influência do CPC-1939).
Há muito foi assentado nas Súmulas 266 e 399, II, do TST, e em decisão da SBDI-2, que essa decisão comportava impugnação por recurso. Nada obstante, pelo menos três Turmas do TST, em decisões recentes, deliberaram em sentido contrário. Tomo por todas, para análise e apontamentos, a seguinte decisão:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO (…) SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO. ARTIGO 879, § 2º, DA CLT. IMPUGNABILIDADE PARA O MOMENTO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE PETIÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. A decisão que julga a impugnação e homologa os cálculos de liquidação, prevista no artigo 879, § 2º, da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/2017, conquanto considerada ‘sentença de liquidação’, não tem natureza terminativa do procedimento de liquidação, razão pela qual sua impugnabilidade está reservada para o momento de interposição dos Embargos de Execução, nos termos do artigo 884 da CLT, não comportando interposição de Agravo de Petição de imediato. Correta, portanto, a decisão regional que aplicou o disposto no artigo 893, § 1º, da CLT, e na Súmula n. 214 do TST, em face da natureza interlocutória, não terminativa do feito da ‘sentença de liquidação'” (TST-AIRR-683-89.2013.5.12.0012, 7ª T., DEJT 25/2/2022).
A afirmação, registrada na ementa, de que:
a) a “sentença de liquidação, não tem natureza terminativa do procedimento de liquidação” é correta, embora sugira que essa circunstância seria impeditiva de recurso imediato e autônomo;
Esclareça-se, então, que a sentença de liquidação tem natureza interlocutória (CPC, 203, § 2º), uma vez que o processo é sincrético. Apesar disso: (1) encerra uma fase procedimental secundária (fase de liquidação — situada entre as fases principais: conhecimento e execução); e (2) seu conteúdo é definitivo, uma vez que resolve a controvérsia. Foi por essa razão, inclusive, que o TST, ainda na vigência do CPC-1973, afirmou que se trata de decisão de mérito, produz coisa julgada material e comporta impugnação por ação rescisória (Súmula TST nº 399, II).
b) a “impugnabilidade” da sentença de liquidação “está reservada para o momento de interposição dos Embargos de Execução, nos termos do artigo 884 da CLT” é equivocada.
A impugnação da sentença de liquidação em embargos do executado, na forma do artigo 884, § 3º, da CLT era admissível, somente, na hipótese de homologação dos cálculos de plano (sentença de mera homologação), em que o debate sobre a correção da conta era postergado (Súmula TST nº 298, IV).
Desde a vigência da Lei n. 13.467/2017, o procedimento do artigo 897, § 2º, da CLT passou a ser obrigatório. Este procedimento antecipa e confina à fase de liquidação o debate sobre a correção da conta. A decisão resolutiva, assim, será de mérito, produzindo coisa julgada material (Súmula TST nº 399, II).
Permitir a rediscussão da correção da conta em embargos à execução (como espécie de recurso contra a sentença de liquidação), portanto: (1) acarretará violação à coisa julgada (CF, 5º, XXXVI). Não se queira argumentar que a Súmula TST nº 399, II, faz referência à decisão que reaprecia a correção da conta. Esse argumento não é honesto, porque desconsidera os precedentes que deram origem à Súmula; (2) permitirá a aplicação de dispositivo legal (CLT, 883, § 3º) tacitamente revogado. A Lei nº 13.467/2017 regulou integralmente o procedimento da liquidação por cálculos ao fazer obrigatório o procedimento do artigo 879, § 2º, da CLT. Impediu, assim, a postergação do contraditório com a homologação dos cálculos de plano, tornando sem efeito o artigo 884, § 3º, da CLT (Lindb, 2º, § 1º); (3) violará os princípios lógico (que somente autoriza o duplo exame de pronunciamentos resolutivos se for para atribuir imunização), da economia (sob as vertentes da economia de custos, de atos e de tempo), da efetividade e da razoável duração do processo (uma vez que postergará a definição do valor da obrigação, impedido que a execução principie com possibilidade de penhora e liberação de valores incontroversos).
c) a sentença de liquidação “não comporta interposição de recurso de agravo de petição de imediato” é equivocada.
A possibilidade de interposição de recurso de agravo de petição imediato e autônomo para impugnar a sentença de liquidação já foi assentado na Súmula TST n. 266, ao afirmar: “a admissibilidade do recurso de revista interposto de acórdão proferido em agravo de petição, na liquidação de sentença ou em processo incidente na execução (…)”.
Extrai-se, também, da Súmula TST nº 399, II, que dispõe que “a decisão homologatória de cálculos apenas comporta rescisão quando enfrentar as questões envolvidas na elaboração da conta de liquidação, quer solvendo a controvérsia das partes quer explicitando, de ofício, os motivos pelos quais acolheu os cálculos oferecidos por uma das partes ou pelo setor de cálculos, e não contestados pela outra”. Trata-se de uma conclusão lógico-racional. Note-se:
— se a decisão que delibera sobre a correção da conta admite impugnação por ação rescisória é porque transita em julgado e, por conseguinte, produz coisa julgada. Como ressalta Barbosa Moreira, “por ‘trânsito em julgado’ entende-se a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável. (…) Tal momento é aquele em que cessa a possibilidade de impugnar-se a sentença por meio de recurso” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Direito processual civil — ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 145);
— se a decisão que delibera sobre a correção da conta transita em julgado, e este ocorre com o transcurso de certo prazo de recurso, dela cabe recurso imediato e autônomo.
Foi a essa conclusão a que chegou a SBDI-2:
“RECURSO ORDINÁRIO (…) SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO. CONCESSÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 879, § 2º, DA CLT. MOMENTO EM QUE OCORRE O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. (…) Da leitura dos fundamentos lançados na decisão rescindenda bem como de outros documentos juntados, constata-se que o Juiz da execução valeu-se do procedimento de que trata o artigo 879, § 2º, da CLT, advertindo a Executada da incidência da preclusão caso não apresentasse impugnação aos cálculos oferecidos pelos Exequentes. Mesmo constituindo-se tal regra legal em uma faculdade, o certo é que quando o Julgador dela se utiliza resolve definitivamente as controvérsias que possam surgir quanto aos cálculos de liquidação, impedindo sejam as mesmas invocadas nos embargos de que trata o art. 884, § 3º, da CLT, de modo que não há impropriedade em dizer que o trânsito em julgado da aludida sentença, na hipótese, ocorreu quando expirou o prazo de 08 (oito) dias para apresentação do agravo de petição” (TST-ROAG-64000-70.2000.5.15.0000, SBDI-2, rel. min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DJ 11/4/2006).
Ressalto, antecipando-me a eventual questionamento, que o recurso de agravo de petição eventualmente interposto não possui efeito suspensivo automático (CLT, 899, caput), salvo se lhe for outorgado (CPC, 1.012, § 4º; 995, parágrafo único; e 300 e 311, II; Súmula TST nº 414, I). O exequente, assim, poderá iniciar a execução (CLT, 876) e obter a apreensão de bens (CLT, 880 e 883), com liberação de quantia incontroversa.
Não é saudável a desarmonia da jurisprudência se a ordem legal optou pela adoção de um sistema de precedentes como meio de resguardar os valores constitucionais da isonomia e da segurança jurídica.
Assim, ou as Turmas do TST se ajustam às Súmulas 266 e 399, II, e ao entendimento da SBDI-2, ou o Tribunal Pleno do TST cancela as súmulas e a SBDI-2 revisa o seu entendimento.
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