Empresas vão além das cotas na contratação de Pessoas com Deficiência

Empresas vão além das cotas na contratação de Pessoas com Deficiência

Publicado em 18 de maio de 2022

O grupo de pessoas com deficiência (PcDs) é o segundo grupo sub-representado que recebe maior foco das empresas, depois das mulheres. Mas as empresas precisam se atentar para não só atrair, mas incluir esse público.

Pessoas com deficiência (PcDs) são o segundo grupo sub-representado que recebe maior foco, depois das mulheres, de acordo com um estudo da consultoria organizacional Korn Ferry, realizado com 250 empresas de diferentes setores no Brasil – 85% dizem ter acelerado iniciativas no último ano, mas apenas 14% avaliam que suas ações são muito efetivas. Os três maiores desafios são atrair e selecionar candidatos, promover funcionários para posições sênior e identificar talentos de alto potencial.

Trata-se de uma jornada a percorrer para que a empresa se torne um ambiente em que as pessoas querem estar e que a diversidade e a inclusão (D&I) tragam resultados positivos ao negócio – para além da reputação. “Quando há ferramentas para que todos alcancem o mesmo nível dentro da empresa, eles podem ser tratados de forma igual. Eu sou cobrado como qualquer outro colega, já ouvi broncas, já fui promovido”, diz o economista Enrico Fróes Rodrigues, assessor da diretoria financeira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Rodrigues começou sua vida profissional na IBM, e aos 42 anos concluiu duas pós-graduações, ocupou posições executivas em multinacionais de construção naval, publicou dois livros, contratou, demitiu e promoveu funcionários como gestor de equipe.

Ele foi o primeiro de sua família a ter uma síndrome genética que acomete um recém-nascido a cada 8 mil a 10 mil. Recebeu uma educação inclusiva e com acesso à prática de esportes, estudar inglês, fazer intercâmbio e a socializar, o que lhe deu segurança para competir no mercado de trabalho. Menos de 4% dos mais de 12,5 milhões de pessoas com deficiência no Brasil estão empregados formalmente (para ser considerada PcD, é preciso ter um alto grau de dificuldade nas habilidades recém-citadas, ou deficiência intelectual). PcDs representavam 1,07% dos trabalhadores formais em 2020 no país.

Algumas empresas têm coletado bons resultados. Para superar o desafio da atração, em outubro de 2021, a Cielo lançou o trainee exclusivo para PcDs na área de vendas. A empresa removeu requisitos como inglês fluente, ensino superior completo, carro próprio e experiência em vendas – flexibilização depois estendida para a contratação de PcDs em outras áreas. Os 34 trainees passaram por três meses de desenvolvimento, em sala de aula e acompanhando gestores nas visitas aos clientes. Por fim, 24 foram efetivados.

A empresa treinou a todos para lidar com o preconceito e criou categorias em seu canal de ética para facilitar o registro de denúncias: capacitismo, racismo, gordofobia, transfobia, entre outras. O próximo programa de trainees exclusivo para PcDs será lançado até o final deste semestre.

Os resultados da Cielo em D&I só chegaram depois de dois anos de ações coordenadas. “Queríamos impulsionar a criatividade nas vendas, que é a área geradora de receita, mas antes tínhamos um desafio cultural a superar”, diz Daniel Poli, diretor de sustentabilidade da empresa.

A necessidade da Cielo começou em 2019, com o aumento da concorrência no mercado de maquininhas de cartão. A empresa contratou de uma vez só 1.000 funcionários para área comercial e ficou em desconformidade com a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência.

Em vez de correr para resolver o problema, antes de precisar pagar uma multa milionária, a companhia decidiu se estruturar. Começou ouvindo as demandas de seus funcionários: criou quatro grupos de afinidade – PcDs, raça e etnia, gênero, e LGBTQIA+ -, que se reúnem mensalmente. Então, estruturou outros mecanismos de governança. Estabeleceu um fórum temático trimestral entre CEO, vice-presidentes e diretores. Contratou um diretor para cuidar exclusivamente de D&I. Divulgou um manifesto, com seis compromissos, como liderança inclusiva e desenvolvimento de carreira. E o mais importante: criou mecanismos para apoiar o desenvolvimento da carreira de PcDs, e outros perfis diversos, e está capacitando seus executivos em competências essenciais no perfil de líder inclusivo.

Atuar no desenvolvimento dos profissionais também foi chave para o banco Citi para promover funcionários e identificar talentos de alto potencial. A ideia da estratégia também surgiu no grupo de afinidades: fazer uma mentoria exclusiva para PcDs. As mentorias já tinham sido ferramentas eficazes para impulsionar a carreira de mulheres no Citi – o primeiro grande banco americano a ter uma mulher como CEO, Jane Fraser, quebrando um paradigma de Wall Street. Mentorias reversas, de jovens para executivos, tiveram igualmente ótimos resultados, segundo o banco.

Para as mentorias de PcDs, o banco contratou uma consultoria especializada, a Egalitê, que recomendou detalhar o programa, sua duração e as etapas. No início, os consultores se reuniram separadamente com o grupo de mentorados, para explicar a sistemática e qual o papel do mentor. E com o grupo de mentores, para tirar dúvidas, derrubar mitos e maximizar os resultados.

De 94 PcDs no Citi, os 23 que se candidataram ao programa participaram de ao menos quatro encontros e expuseram seus desafios. Os mentores apontaram caminhos e descobriram como a deficiência física ou intelectual afeta e não afeta o desempenho das atividades. “Queríamos que os mentorados aprendessem a ter autonomia de carreira, e de uma forma não professoral educar mentores, que normalmente são da alta gestão”, diz Antonio Afonso, diretor de Diversidade e Inclusão no Citi Brasil, integrante do grupo de afinidade de PcDs. Ao final do ciclo, os gestores consultados notaram a maior participação dos funcionários nas reuniões de equipe e gostaram tanto do programa que passaram a convidar os coordenadores de grupos de afinidade para participar de reuniões em suas áreas.

Os mentorados relatam que se sentem mais valorizados. Um deles, mais autoconfiante, conseguiu demonstrar melhor seus talentos e foi promovido. “A população de PcDs costuma se sentir mais retraída para falar”, diz Luciana Miranda, diretora de prevenção à lavagem de dinheiro do Citi, e uma das mentoras. “Por autoboicote, meu mentorado não se candidatava a vagas internas que surgiam”, diz.

Os projetos de D&I no Citi são patrocinados por uma pessoa da alta gestão local e outra da global. “Meu papel é coordenar as frentes, tropicalizando as estratégias que vêm da sede em Nova York”, pontua Afonso.

Fonte: Valor Econômico
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