Por que as viagens de trabalho estão começando a parecer férias?

Por que as viagens de trabalho estão começando a parecer férias?

Publicado em 16 de maio de 2022

A colunista Emma Jacobs mostra uma tendência e o risco de nunca conseguir se desligar de fato das tarefas profissionais.

Dói-me dizer isso, mas 2022 pode finalmente ser o momento do “bleisure”, a feia expressão que descreve uma combinação entre viagens de negócios e de lazer (“business” e “leisure” em inglês).

 Desde que comecei a escrever sobre trabalho, uma ou outra pessoa do setor de viagens de negócios sempre tenta me convencer de que o bleisure está em crescimento. Afinal, os setores hoteleiro e de viagens aéreas estão desesperados para se recuperar. Embora não seja novidade em incluir um fim de semana de passeios turísticos na agenda de uma conferência no exterior, desta vez, conforme as viagens de negócios começam a aumentar e as restrições por causa da covid a acabar, há motivos para acreditar que estamos no início da era do “bleisure”.

Isso acontece porque os trabalhadores estão mais flexíveis e têm mais interesse em explorar essa oportunidade. O Airbnb informou que em 2021 cerca de 20% das reservas de diárias foram para estadias de um mês ou mais. Em uma carta aos acionistas, a empresa citou o exemplo de Jason, um anfitrião do Airbnb em Chicago que viu o caráter de suas reservas mudar à medida que mais hóspedes ficavam mais tempo, em visitas à família e à cidade, enquanto trabalhavam remotamente.

O próprio Airbnb anunciou no mês passado que seus funcionários podem trabalhar em qualquer lugar de seu país de origem sem alteração de salário e podem se mudar para outro país por até 90 dias por ano.

De outro lado, um relatório da Deloitte sobre viagens identificou “carregadores de laptop” como “trabalhadores que acabam de ficar livres do escritório” e estão desejosos de encaixar algum trabalho durante as férias. Eles fazem mais viagens e “acrescentam dias e dólares a essas viagens. [Eles] têm poder de compra acima da média [e] maior flexibilidade na escolha de datas para viajar”.

 O setor das viagens a negócios precisa de novas fontes de renda. Grupos hoteleiros como o Hilton oferecem pacotes WFH (work from hotel, trabalhar do hotel), que incluem aluguel por dia de salas para quem quer um pouco de silêncio e tranquilidade para se concentrar no trabalho fora de casa e do escritório. Richard Valtr, fundador da Mews, uma empresa que ajuda hotéis a gerirem seus quartos e serviços, observou um forte aumento no número de hotéis que oferecem reservas para serviços adicionais, como salas de reunião, uso de quartos durante o dia e espaços de trabalho compartilhado.

Essa diluição das diferenças entre trabalho e lazer também é moldada por empregadores que tornam alguns aspectos do trabalho mais parecidos com férias. À medida que os funcionários passam tempo separados, as empresas tentam imaginar maneiras criativas de reuni-los. A força de trabalho remota da 3Thinkrs, uma pequena agência de relações públicas, é incentivada a trabalhar em diferentes locais. Recentemente, toda a equipe passou quatro dias em Amsterdã. Houve reuniões, jantares e bebidas, mas os funcionários também tiveram tempo livre para explorar a cidade.

A Salesforce abriu um resort, que chama de “Fazenda de Inovação”, na Califórnia, para que os funcionários façam trabalhos em conjunto, participem de treinamentos e mergulhem na cultura da empresa. É fácil rir de algo assim. A empresa de tecnologia está praticamente implorando por uma gozação com o comunicado que diz que a fazenda oferece “experiências táteis, como caminhadas guiadas pela natureza, ioga restauradora, passeios pelo jardim, aulas de culinária em grupo, confecção de diários visuais e meditação”.

Mas a Salesforce pode estar no caminho certo. É desconcertante voltar ao local de trabalho e assumir nossas vidas cotidianas como se não tivéssemos acabado de viver dois anos estranhos. Eventos em grupo dão um sentido de algo especial. E encorajar os funcionários a expandirem seus horizontes depois de meses presos em ambientes fechados é bom para o moral e a criatividade.

A fusão entre trabalho e lazer acontece em um ritmo extraordinário. Hoje, alguns empregadores ajudam a planejar férias de funcionários e pagam por elas. O risco disso tudo é mesclarmos trabalho e férias de tal maneira que a gente nunca mais desligue.

Emma Jacobs é colunista do “Financial Times”.

Fonte: Valor Econômico
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