O Controle de Jornada no Teletrabalho

O Controle de Jornada no Teletrabalho

Da Doutrina

A pandemia do coronavírus e a consequente necessidade de se evitar aglomerações de pessoas incentivaram a adoção do teletrabalho. O que até então era exceção, tornou-se a regra, especialmente em algumas atividades como a prestação de serviços.

Muito embora tenha sido tratado pela Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista), a regulamentação do teletrabalho foi bastante tímida. Há algumas lacunas e muitas dúvidas.

No que se refere ao controle de jornada, no entanto, a lei foi taxativa ao incluir o teletrabalho nas exceções previstas no art. 62 do CLT.  A Lei 13.467/17 inseriu novo inciso no indigitado dispositivo celetista para afastar os empregados em regime de teletrabalho do regime de controle de horário. Assim, sem jornada controlada o empregado igualmente não faz jus a eventuais horas extraordinárias. No regime de teletrabalho o empregado tem compromisso com suas atividades laborais, e não com o horário de trabalho.

Em que pese o texto legal seja suficientemente claro, não se pode olvidar que o direito do trabalho tem como princípio estruturante a “primazia da realidade”. Como nos ensina o mestre uruguaio Américo Plá Rodrigues, tal princípio revela “que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno nos fatos”.

Desta forma, inobstante o empregado esteja em regime de teletrabalho, assim considerado quando a prestação de serviços ocorre preponderamente fora das dependências do empregador, na hipótese da jornada ser controlada o empregado fará jus às eventuais horas extraordinárias prestadas.

Com efeito, esta é a pedra de toque utilizada pela jurisprudência trabalhista a conceder ou negar o direito a horas extraordinárias postuladas em juízo. Se o empregador tem interesse em exercer o controle da jornada, a lei não o proíbe. Deve, no entanto, se valer de meios idôneos de controle, apurando a jornada e remunerando eventuais horas extraordinárias prestadas.

Ao revés, se o empregador não tem interesse em exigir o cumprimento de jornada de trabalho, lhe bastando acompanhar o desempenho do seu empregado, a lei lhe assegura que não exerça o controle e não pague horas extraordinárias. Neste sentido, a recente Nota Técnica emitida pelo Ministério Público do Trabalho, ao orientar a observância da jornada contratada para empregados em regime de trabalho, é uma verdadeira aberração. Os procuradores, talvez pensando estar ungidos pelo poder divino, contrariam expresso texto legal editado por aqueles que de fato estão legitimados pelo sufrágio popular. Infelizmente mister se faz lembrar que o “rule of law” (império da lei) é premissa básica do Estado Democrático de Direito.

Situação diversa ocorrerá quando o empregado exerce suas atividades fora do ambiente de trabalho, mas não de modo preponderante. Nesta hipótese, não estará configurado o “teletrabalho” nos contornos legais, o que afastaria sua inclusão na exceção do art. 62 da CLT e exigiria controle de jornada.

Para estes casos, o recomendável seria estabelecer regras em convenções ou acordos coletivos de trabalho a lhe conferir segurança jurídica. Na verdade, mesmo para o caso de teletrabalho em sentido estrito (preponderantemente fora das dependências do empregador), igualmente se recomenda a regulamentação pela negociação coletiva. Isto porque, subsiste na Justiça do Trabalho um movimento denominado “Resistência”, como recentemente assevera o Min. Ives Gandra Martins Filho em emblemático artigo sobre a psicologia do direito. Afinal, a nota técnica do MPT desafortunadamente não representa um entendimento isolado.

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