A possibilidade de cessão de créditos trabalhistas na Justiça do Trabalho

A possibilidade de cessão de créditos trabalhistas na Justiça do Trabalho

Publicado em 2 de setembro de 2021
Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) recentemente foi provocado a emitir um juízo de valor quanto à possibilidade da realização da cessão de créditos trabalhistas [1]. Na decisão, o ministro relator, Douglas Alencar Rodrigues, inobstante tenha se posicionado pela validação da cessão de créditos trabalhistas a terceiros, não adentrou a temática do caso em debate, por questões processuais.

É certo que a cessão de crédito trabalhista é um assunto antigo e polêmico na Justiça do Trabalho, pois, conquanto o instituto seja previsto no ordenamento jurídico, sua aplicação na esfera trabalhista ainda não é pacífica, ensejando dúvidas na doutrina e na jurisprudência.

Com efeito, o artigo 286 do Código Civil dispõe que o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.

Frise-se, por oportuno, que para a cessão de crédito ter eficácia em relação a terceiros deve haver a sua formalização por instrumento público, ou instrumento particular, observadas as exigências legais do Código Civil [2].

Para aqueles que são favoráveis à cessão de crédito trabalhista, o embasamento legal se encontra no próprio Código Civil, desde que sejam respeitadas as premissas gerais de validade do referido negócio jurídico.

Em sentido contrário, para parcela da doutrina e da jurisprudência, não é concebível a cessão de crédito decorrente das verbas trabalhistas, com fundamento na Convenção 95 da Organização Internacional do Trabalho [3].

Lado outro, o artigo 100 da consolidação dos provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho [4], de 28 de outubro de 2008, que se encontra, sem revogação expressa, preceitua que a cessão de crédito prevista no artigo 286 do Código Civil não se aplica na Justiça do Trabalho”.

Insta salientar que a consolidação dos provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, de 19 de dezembro de 2019 [5], também vigente, não trouxe nenhum prognóstico trazendo limitações à cessão de crédito, e, por conseguinte, a impraticabilidade do artigo 286 do Código Civil.

Aliás, outra questão que suscita a polêmica é a possibilidade de a cessão de crédito transformar, não só a Justiça do Trabalho, mas como o direito do trabalhador em uma modalidade de comercialização.

Ressalte-se que na própria matéria veiculada pela impressa, e que causou grande repercussão nacional, consta a informação de que a crise e a demora da Justiça para a resolução de um processo — são seis anos, em média, para o encerramento — aqueceram esse mercado” [6].

Nesse panorama, as plataformas digitais operadas através de empresas de soluções financeiras, totalmente digitais (fintechs), passaram a intermediar a compra e venda de créditos, e que teve um aumento nos últimos tempos em decorrência da crise econômica [7].

Para alguns especialistas, tal fato poderia contribuir para o aumento das demandas judiciais, uma vez que não seria preciso aguardar até o resultado da demanda para o recebimento do crédito [8].

Contudo, segundo Antônio José de Barros Levenhagen e Marília Nascimento Minicucci [9]apesar de ainda haver divergência jurisprudencial e doutrinária sobre o tema, a análise sobre o instituto da cessão de crédito, hoje, no ordenamento pátrio, não encontra nenhum óbice à sua aplicação plena ao Processo do Trabalho. A regulamentação do instituto para que passasse a ser adotado de forma clara e indubitável aos créditos trabalhistas viria como uma forma de modernizar e dar celeridade e fluidez às execuções trabalhistas, que, segundo levantamento do ano de 2019 (TST, 2000, p. 97), duram, em média, quatro anos, dois meses e 23 dias para seu encerramento”.

Ora, se é verdade que, numa primeira análise, os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e indisponíveis, de igual relevância pode-se dizer que não haveria óbice para que os créditos devidamente constituídos em juízo sejam transacionados, haja vista sua materialização financeira, desde que essa cessão seja de boa-fé, e mais, que sejam respeitadas as diretrizes do negócio jurídico.

Dito isso, impende destacar que, em importante precedente, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região manteve a decisão de primeiro grau que considerou ineficaz um contrato de cessão de crédito realizado entre um escritório de advocacia e a sua cliente [10]. Na ocasião, os desembargadores consideraram dolosa a conduta praticada pelos advogados, que omitiram informações relevantes para que a trabalhadora pudesse, efetivamente, decidir por vender ou não os seus créditos. Atualmente, o processo permanece pendente de julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho [11].

De mais a mais, o fato de o processo trabalhista possuir diversas fases processuais, faz com que a cessão de créditos seja uma temática sensível.

Entrementes, a Suprema Corte, em sede de RE 631537 [12], de relatoria do ministro Marco Aurélio, fixou a tese no sentido de que “a cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza”, ou seja, não há a perda da qualidade da natureza alimentar referente, no caso julgado, ao precatório expedido e já sujeito ao pagamento.

Em arremate, em que pese a cessão de crédito possuir previsão no Código Civil, aplicável ao processo do Trabalho por força do artigo 8º, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [13], para que seja possível garantir a segurança jurídica de tal transação é imprescindível a criação de soluções jurídicas disciplinado esse procedimento, principalmente para se evitar quaisquer tipos de lesões aos direitos dos trabalhadores.


[1] Processo AIRR 820-23.2015.5.06.0221, número no TRT de Origem: AP-820/2015-0221-06, Órgão Judicante: 5ª Turma, relator: ministro Douglas Alencar Rodrigues. Disponível em file:///C:/Users/leand/Downloads/ED-ED-AIRR-820-23_2015_5_06_0221.pdf . Acesso em 31.08.2021.

[2] “Artigo 288 – É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1do artigo 654″.

[3] “Artigo 10 — 1. O salário não poderá ser objeto de penhora ou cessão, a não ser segundo as modalidades e nos limites prescritos pela legislação nacional.
2. O salário deve ser protegido contra a penhora ou a cessão, na medida julgada necessária para assegurar a manutenção do trabalhador e de sua família”. Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235184/lang–pt/index.htm . Acesso 31.08.2021.

[4] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/1661/2008_consolida_prov_cgjt.pdf?sequence=6&isAllowed=y . Acesso em 31.08.2021.

[5] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/166690 . Acesso em 31.08.2021.

[6] Disponível em https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/08/19/tst-admite-possibilidade-de-venda-de-creditos-trabalhistas.ghtml . Acesso em 31.08.2021.

[7] Disponível em https://www.telesintese.com.br/cresce-o-mercado-de-antecipacao-de-creditos-judiciais-com-a-pandemia/ . Acesso em 31.08.2021.

[8] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/venda-de-processos-trabalhistas-vira-negocio-e-gera-debate-por-regulamentacao/ . Acesso em 31.08.2021.

[9]Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/185703/2021_levenhagen_antonio_cessao_credito.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em 31.08.2021.

[10] Processo AP 0000172-43.2013.5.03.0012, relator Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, 7ª Turma.

[11]Disponível em http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=0000172&digitoTst=43&anoTst=2013&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0012&submit=Consultar . Acesso em 31.08.2021.

[12] Disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752834380 .Acesso em 31.08.2021.

[13] “Artigo 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. § 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”.

Fonte: Consultor Jurídico
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