A urgência da reconexão humana no trabalho

A urgência da reconexão humana no trabalho

Publicado em 8 de abril de 2025

A colunista Sofia Esteves fala que não se deve subestimar o valor das relações nas empresas mesmo com o avanço da tecnologia.

Assim como eu, você deve ter acompanhado o festival SXSW, seja a distância ou diretamente de Austin, cidade estadunidense onde acontece o evento. Para além das discussões sobre inteligência artificial ou sobre o que a futurista Amy Webb nomeou como “inteligência viva”, um tema me chamou a atenção este ano. O da conexão.

O conceito apareceu em algumas apresentações, mas não no sentido tecnológico ou de conectividade digital, e sim fazendo referência ao aspecto humano.

Na sessão de abertura do festival, por exemplo, a cientista social Kasley Killam explicou que “o segredo para uma vida longa e saudável não está apenas na alimentação balanceada ou nos exercícios físicos, mas na qualidade dos nossos relacionamentos”. Mais do que isso, a autora do livro “The Art and Science of Connection” afirmou que “não importa se sua equipe é remota, híbrida ou presencial – o futuro do trabalho está na criação de equipes socialmente saudáveis”.

Também teve Scott Galloway, professor da NYU Stern School of Business, dizendo que “o maior impacto da IA não será na economia, mas na solidão”. Ao longo da sua fala no festival em Austin, o especialista deu a dimensão desse problema: ao se isolarem, as pessoas, aos poucos, se tornam mais propensas a teorias da conspiração e a manipulações.

E isso acontece porque é como se nós nos convencêssemos de que basta estar on-line para nos relacionarmos com as pessoas. Por que passar pelo esforço de fazer amizades e de lidar com a complexidade do ser humano se temos as redes sociais ou plataformas como o Reddit e o Discord? Não é a mesma coisa? Acho que nem preciso explicar porque a resposta para essa última pergunta é “não”.

Porém, acho que vale a pena gastar algumas linhas desse texto para refletir o que fazer em um cenário como esse em que os vínculos estão enfraquecidos. Porque, se isso já está acontecendo agora, a tendência é que a situação se agrave se não agirmos imediatamente.

No caso das empresas, entendo que a responsabilidade vai além de oferecer ferramentas de colaboração ou incentivar interações superficiais. Criar um ambiente onde as relações interpessoais sejam valorizadas exige intencionalidade e estratégia.

Significa, antes de tudo, compreender a que estamos nos referindo quando falamos em “conexões”. Não se trata de desenhar um plano para formar amizades no trabalho ou de organizar uma “festa na firma” para as pessoas darem boas risadas juntas.

Claro, isso tudo pode acontecer, mas quando falo do resgate da conexão me refiro à necessidade de criar espaços onde as pessoas possam, de fato, aprender a trabalhar juntas.

Para além de apenas promover a interação entre colegas, precisamos garantir que haja condições para que essa interação se transforme em algo produtivo. Ninguém nasce sabendo colaborar, portanto, construir algo em conjunto exige escuta, negociação, troca de ideias e até discordância. E tudo isso só acontece quando há oportunidades reais

para que essas dinâmicas se desenvolvam.

De nada adianta ter escritórios bem projetados ou eventos periódicos de integração se, na rotina, as pessoas continuam operando de forma isolada, sem trocas significativas. Conectar-se exige tempo e contexto. Isso significa que as lideranças precisam repensar não apenas como as equipes se comunicam, mas como trabalham juntas.

Um exemplo simples: se a maior parte das interações acontece por e-mail ou mensagens assíncronas, com tarefas sendo apenas repassadas de um lado para o outro, dificilmente haverá espaço para a construção coletiva. Já quando há processos que incentivam a colaboração desde o início – como discussões abertas para a tomada de decisão ou projetos que envolvem diferentes áreas desde a concepção -, as relações profissionais se fortalecem naturalmente.

O ponto é que relações de trabalho sólidas não nascem de discursos, mas da forma como o trabalho é estruturado. E, nesse sentido, organizações que negligenciam essa construção correm o risco de formar times que apenas coexistem, sem realmente trabalhar juntos.

Não quero terminar este artigo com um discurso apocalíptico, mas é preciso compreendermos que, em um contexto em que a conexão humana está enfraquecida, a colaboração também será impactada. Na verdade, ela já está sofrendo desgastes.

Portanto, não subestime a urgência da reconexão humana. Ela é a chave para garantir que as empresas continuem sendo, de fato, organismos vivos capazes de inovar e evoluir – e não apenas sistemas operacionais onde pessoas executam funções isoladamente, cada uma em sua própria solidão.

Fonte: Valor Econômico
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