Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADO 82

Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADO 82

Publicado em 17 de junho de 2025

Ação Direta de Inconstitucionalidade e

Ação Declaratória de Constitucionalidade

(Publicação determinada pela Lei nº 9.868, de 10.11.1999)

ADO 82 Mérito

Relator(a): Min. Dias Toffoli

REQUERENTE(S): Procurador-geral da República

INTERESSADO(A/S): Congresso Nacional

PROCURADOR(ES): Advogado-geral da União

AMICUS CURIAE: Central Única dos Trabalhadores-cut

ADVOGADO(A/S): Jose Eymard Loguercio – OAB’s (52504A/GO, 103250/SP, 01441/A/DF, 261256/RJ)

ADVOGADO(A/S): Ricardo Quintas Carneiro – OAB’s (8487/ES, 01445/A/DF, 417005/SP)

AMICUS CURIAE: Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho-anpt

ADVOGADO(A/S): Rudi Meira Cassel – OAB’s (165498/MG, 80987/BA, 38605/ES, 49862A/RS, 170271/RJ, 421811/SP, 66451/PE, 22256/DF)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da presente ação e, quanto ao mérito, julgou procedente o pedido, declarando haver mora inconstitucional do Congresso Nacional na tipificação penal da retenção dolosa do salário do trabalhador urbano ou rural, tendo em vista o disposto na parte final do inciso X do art. 7º da Constituição Federal, fixando o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que seja sanada a omissão, nos termos do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli. Falaram: pelo interessado, a Dra. Carolina Guimarães Ayupe, Advogada do Senado Federal; pelo amicus curiae Central Única dos Trabalhadores – CUT, o Dr. Ricardo Quintas Carneiro; e, pelo amicus curiae Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho – ANPT, a Dra. Augusta Fração Santos. Plenário, Sessão Virtual de 16.5.2025 a 23.5.2025.

EMENTA

Direito constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal. Mandado de criminalização da conduta. Retenção dolosa do salário do trabalhador. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido. Rejeição. Inertia deliberandi das casas legislativas. Omissão inconstitucional do legislador. Declaração de inconstitucionalidade por omissão. Fixação de prazo para o Poder Legislativo sanar a omissão. Procedência do pedido.

  1. Caso em exame
  2. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão por meio da qual se objetiva a declaração da omissão inconstitucional do Congresso Nacional na tipificação penal da retenção dolosa do salário do trabalhador urbano ou rural, determinada na parte final do inciso X do art. 7º da Constituição Federal.
  3. Questão em discussão
  4. Há duas questões em discussão: (i) se há (ou não) a alegada mora do Congresso Nacional em tornar efetivo o mandado de criminalização previsto na parte final do inciso X do art. 7º da Constituição Federal e (ii) se, uma vez constatada a inertia deliberandi, seria possível ao Supremo Tribunal Federal fixar prazo para que o Congresso Nacional supra a omissão.

III. Razões de decidir

  1. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “[d]escabe falar em impossibilidade jurídica do pedido ou em ofensa à separação dos Poderes[ ]quando o libelo; (i) veicule fixação de prazo razoável para que o Congresso Nacional legisle; (ii) impugne objeto consistente em inertia deliberandi; ou (iii) pugne pela adoção de sentença aditiva” (ADO nº 63, Rel. Min. André Mendonça, Tribunal Pleno, julgado em 6/6/24, DJe de 10/12/24). Preliminar rejeitada.
  2. Os mandados constitucionais de criminalização não constituem mera recomendação ou simples sugestão ao legislador para a penalização de determinadas condutas. Por consistirem em manifestação do poder constituinte originário, esses mandados se revestem de natureza vinculante, destinando-se ao legislador ordinário com o claro objetivo de que compeli-lo a proscrever (ou manter a proscrição, caso já existente) determinadas condutas consideradas censuráveis pelo próprio poder constituinte originário, por colocarem risco à proteção de direitos fundamentais. O atendimento dos mandados de criminalização é obrigatório, e a inobservância desse dever pelo legislador ordinário caracteriza situação de inconstitucionalidade por omissão.
  3. O mandado de criminalização contido na parte final do inciso X do art. 7º da Constituição de 1988 é inédito. Surge com o texto constitucional vigente, não havendo norma equivalente – ou similar – nas constituições pretéritas, o que demonstra o compromisso da Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã – com os trabalhadores urbanos e rurais, por serem eles socialmente mais vulneráveis. Não obstante, fato é que, transcorridas quase quatro décadas, o legislador ainda não procedeu à tipificação penal da retenção dolosa do salário do trabalhador, contra a determinação expressa do do constituinte originário.
  4. A existência de projetos de lei sobre a matéria, conforme jurisprudência da Corte, não elide o estado de mora constitucional. Ademais, ao contrário do alegado, o crime de retenção dolosa do salário, vislumbrado pelo constituinte originário, não parece se ajustar perfeitamente ao tipo penal da apropriação indébita (CP, art. 168). Primeiro, porque “o numerário ao qual o empregado tem direito, até que lhe seja entregue, em espécie ou por depósito, é de propriedade da empresa (empregador), não havendo se falar, então, em inversão da posse, necessária para a tipicidade do crime [do art. 168 do CP]” (HC nº 177.508/PB, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 15/8/13, DJe de 26/8/13). Segundo, porque a apropriação indébita parece não exprimir o grau de reprovabilidade do grave comportamento da retenção dolosa do salário do trabalhador, na medida em que essa repercute na capacidade do trabalhador de prover o sustento próprio e o de seu núcleo familiar, privando-os dos recursos materiais indispensáveis à vida digna. Por isso, segundo juízo de valor feito pelo próprio constituinte, a referida retenção dolosa necessita de uma abordagem penal específica, que apreenda as peculiaridades da complexa e hierarquizada relação de trabalho e, na prática, não deixe brecha para que o empregador submeta o trabalhador (e sua família) a situação de desamparo material.
  5. Há mora legislativa quanto ao cumprimento da determinação constitucional de tipificação penal da retenção dolosa do salário do trabalhador urbano ou rural, em especial pelo lapso temporal transcorrido desde a promulgação da Constituição Cidadã, o que configura inércia prolongada com repercussão social significativa. Fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que o legislador supra o omissão. Precedentes.
  6. Dispositivo e tese
  7. O Supremo Tribunal Federal conhece da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e julga procedente o pedido, (i) declarando haver mora inconstitucional do Congresso Nacional na tipificação penal da retenção dolosa do salário do trabalhador urbano ou rural, em atenção ao disposto na parte final do inciso X do art. 7º da Constituição Federal; e (ii) fixando o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que o Congresso Nacional sane a omissão.

_________

Dispositivos relevantes citados: CF/88, art. 7º, inciso X; art. 1º, incisos III e IX.

Jurisprudência relevante citada: ADI nº 3.682, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 9/5/07, DJe de 6/9/07; ADI nº 875, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 24/2/10, DJe de 29/4/10; ADO nº 63, Rel. Min. André Mendonça, Tribunal Pleno, julgado em 6/6/24, DJe de 10/12/24; ADO nº 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 6/10/20.

Fonte: Diário Oficial da União - Seção 1
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