23 maio Apoio a funcionários atingidos no Rio Grande do Sul inclui olhar para saúde mental
Apoio a funcionários atingidos no Rio Grande do Sul inclui olhar para saúde mental
Organizações oferecem suporte financeiro, abrigo, alimentos, remédios e atendimento psicológico às suas equipes no estado.
Diante das enchentes no Rio Grande do Sul, empresas que atuam na região perceberam que apoiar seus funcionários na reconstrução da saúde emocional é tão importante quanto oferecer abrigo, alimentação, medicação e dinheiro. “Não se sentir isolada, não se sentir só, saber que o empregador está apoiando, que entendeu a dimensão do problema, é um respiro em uma situação que é extremamente sufocante”, diz a psicóloga Mariana Clark, especialista em saúde mental, perdas e luto no contexto organizacional. “Quando a gente se expressa, é um caminho para lá na frente pensar em elaborar essa dor, pensar quem eu sou a partir dessa experiência. A qualidade do cuidado oferecido [neste momento] vai fazer a diferença na travessia do trauma.”
Com essa compreensão, empresas que já ofereciam apoio de saúde mental aos seus empregados ampliaram o cuidado quando as inundações aconteceram. Com 200 empresas em seu portfólio, sendo 12 com atuação forte no Sul do país, a Vittude, uma plataforma de atendimento psicológico on-line, viu uma procura ativa de seus clientes demandando apoio. “As empresas queriam garantir que todos estivessem em segurança, e começamos a receber os primeiros pedidos de ajuda”, conta Tatiana Pimenta, CEO e fundadora da Vittude. Com essa compreensão, empresas que já ofereciam apoio de saúde mental aos seus empregados ampliaram o cuidado quando as inundações aconteceram. Com 200 empresas em seu portfólio, sendo 12 com atuação forte no Sul do país, a Vittude, uma plataforma de atendimento psicológico on-line, viu uma procura ativa de seus clientes demandando apoio. “As empresas queriam garantir que todos estivessem em segurança, e começamos a receber os primeiros pedidos de ajuda”, conta Tatiana Pimenta, CEO e fundadora da Vittude.
A plataforma convocou psicólogos de sua base especializados em atendimentos de emergência e catástrofe – que passaram por episódios como o rompimento da barragem em Brumadinho (MG) e o incêndio da boate Kiss (RS) – e montou uma central telefônica. “Situações como esta requerem um manejo diferente do profissional”, explica Pimenta. “Não pode ser qualquer psicólogo para fazer essa ligação, para não desmontar junto. Tem que saber acolher.”
Normalmente, o atendimento dos psicólogos credenciados na Vittude é receptivo, ou seja, o funcionário da empresa-cliente liga para agendar uma consulta. Neste momento de emergência no Rio Grande do Sul, a central foi ativa, ligando para cerca de 1.500 pessoas das empresas-clientes que atuam na região. “As organizações mapearam pessoas que estavam em situação mais crítica e pediram que ligássemos.”
As chamadas tinham como objetivo saber se as pessoas estavam bem e oferecer acolhimento. Clark explica que intervenções iniciais em casos de tragédia têm alguns objetivos, entre eles abrir um espaço para manifestação da dor, em uma tentativa de resgatar a pessoa e trazer algum senso de controle e previsibilidade nesse momento. “O trauma sequestra e rouba a nossa capacidade de autorregulação”, explica.
Para a especialista, o apoio imediato de um terapeuta pode minimizar consequências futuras do trauma. “É uma situação que rompe o que chamamos de mundo presumido, rompe com sonhos, rotina, planejamentos de vida, a casa, o que é absolutamente violento. Traz sobreposição de perdas, camadas de dor e a pessoa não tem condição cognitiva de organizar isso”, detalha Clark. As consequências de um trauma não cuidado, agora e mais adiante, podem envolver depressão, estresse pós-traumático e ansiedade, chegando até a impedir que as pessoas sejam funcionais. “O atendimento agora pode minimizar efeitos futuros e suavizar, porque a pessoa vai ventilando [sua dor] desde já”, diz Clark. “Para aguentar o dia seguinte. É como recarregar um ‘pauzinho’ da bateria.”
Uma das empresas que ofereceram apoio à saúde mental de seus funcionários foi a Zamp, master franqueada do Burger King e Popeyes no Brasil. Com 36 lojas no Rio Grande do Sul e mais de 600 funcionários no estado, a empresa teve 211 empregados afetados indiretamente e 111, diretamente. Este último grupo teve que sair de casa, perdendo todos os bens ou parcialmente, explica Mafoane Odara, diretora de pessoas, cultura e transformação da Zamp.
A companhia cuidou para que esses funcionários ficassem em segurança e instalados e criou um fundo emergencial para suporte financeiro a eles, dando dinheiro para apoio imediato das necessidades básicas. Além disso, a empresa passou a fazer uma comunicação diária com as pessoas envolvidas para que elas tivessem suporte emocional para lidar com a situação. “As pessoas precisam ter recursos para passar pelas situações catastróficas”, comenta a executiva.
”A qualidade do cuidado oferecido [neste momento] vai fazer a diferença na travessia do trauma”
O mesmo fez o Grupo Boticário, que contactou 100% dos empregados no Rio Grande do Sul para um monitoramento diário, “medida ainda vigente e essencial para a coleta de informações sobre necessidades específicas dos colaboradores e suas famílias”, informa a empresa.
Odara explica que a Zamp já tinha esse olhar para a saúde mental de sua equipe. “A gente, erroneamente como sociedade, despriorizou a pauta da saúde mental, e esse tema é estruturante quando a gente pensa na longevidade e na competitividade das empresas”, comenta a executiva. “Se as pessoas não estiverem bem emocionalmente elas não conseguem produzir. As mudanças no mundo do trabalho mostram que é preciso ter os recursos necessários para lidar com os desafios do dia a dia. Todo desconforto pode virar adoecimento que, se não cuidado, pode virar transtorno de saúde”. Aprendizado que veio, principalmente, com a pandemia, e hoje permite que o tema da saúde mental já esteja mais normalizado em muitas organizações.
Agora, comenta Odara, depois do apoio imediato, é preciso pensar também nas ações de médio e longo prazo. “Toda situação difícil exige aprendizado, a gente não pode errar nas mesmas coisas”, diz.
Uma das medidas em andamento na Zamp é estabelecer um fundo de emergência para situações críticas e de violência – algo que a empresa não tinha e teve que criar com rapidez para amparar os funcionários atingidos pelas enchentes. Outra ação é capacitar as lideranças para saberem lidar com situações de crise e emergência. “Há uma necessidade de olhar para essa dimensão climática e precisamos cuidar também de quem cuida, ter lideranças com habilidade para isso.”
A BRF, com 10 mil funcionários no Rio Grande do Sul, não divulga o número de pessoas afetadas, mas informa que 5 mil estão em regiões atingidas pelas águas. A primeira preocupação foi com a integridade dos empregados e, por isso, a companhia entrou em contato com essas 5 mil pessoas por meio da área de gente da empresa ou pelo supervisor direto. A partir disso, começou um trabalho de suporte emergencial, para os empregados e a comunidade, incluindo a doação de 60 toneladas de alimentos, 18 toneladas de ração e 6 carretas carregadas com kits de higiene. Um grupo de 160 voluntários da companhia trabalha com diversas ações, incluindo a produção de mil marmitas diárias e a limpeza de casas atingidas.
Para os funcionários, a companhia adiantou o décimo terceiro salário para quem precisasse, ofertou um auxílio emergencial de R$ 6 mil para 50 famílias e planeja uma campanha de vacinação para os atingidos pelas enchentes. Além disso, fez contato de forma proativa com 250 empregados em situação mais crítica para saber se precisavam de algum suporte de saúde mental.
A empresa já oferecia apoio de saúde emocional às equipes, mas dessa maneira proativa foi a primeira vez, diz Alessandro Bonorino, vice-presidente da área de RH, tecnologia e sustentabilidade da companhia e presidente do Instituto BRF. “É uma situação que seguramente as pessoas terão desafios que vão perdurar por algum tempo”, diz o executivo.
Um fundo de emergência também foi criado, com recursos da BRF e Marfrig, além de doações externas, e já totaliza R$ 5 milhões que serão alocados para os afetados. “Vai ser importante a coordenação de todos os esforços”, pontua Bonorino. “Esforços descoordenados podem gerar desperdício. É preciso trabalhar as demandas de forma coordenada com diferentes agentes para trazer mais impacto.”
Situações como esta requerem um manejo diferente do profissional. Não pode ser qualquer psicólogo”
Com cerca de 2.000 funcionários no Rio Grande do Sul atuando nas 131 farmácias Raia no estado e no centro de distribuição de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, a RD Saúde teve 126 funcionários afetados pelas chuvas. A empresa criou um guia de cuidado e protocolo de emergência, com liberação gratuita de medicamentos recomendados para profilaxia e tratamento complementar em saúde mental, mediante prescrição médica, adiantamento do 13º salário, suporte de alimentação e água, além de doação de R$ 500 para cada funcionário atingido – com possível liberação de valores complementares analisada individualmente.
No caso do apoio à saúde mental para funcionários e dependentes, o atendimento que antes era somente on-line passou a contar com uma linha 0800 para quem está com dificuldade de acesso à internet. A empresa ainda fez contato proativo com os 126 empregados atingidos, para oferecer acolhimento psicológico. “O apoio em saúde mental é primordial em uma situação extrema como essa”, diz Giuliana Ortega, diretora de sustentabilidade da RD Saúde. “As perdas não são apenas materiais, mas também emocionais.”
A executiva frisa, ainda, que a companhia colocou em prática medidas emergenciais, mas tem o compromisso de manter ações continuadas enquanto as equipes precisarem. “As marcas dessa tragédia são profundas e todos precisarão de tempo para se reerguer.”
Rogerio Barreira, presidente da divisão Brasil da Arcos Dorados, dona da marca McDonald’s na América Latina, conta que a companhia ampliou o atendimento psicológico a funcionários e dependentes. “Neste momento, o programa está atuando de forma proativa, contactando diretamente nossas pessoas afetadas para oferecer e dar suporte psicológico, incluindo aquelas que estão na linha de frente prestando suporte aos demais funcionários”, diz.
Em todo o estado, a companhia tem 2.703 funcionários, e diz estar monitorando cerca de 150 pessoas de sua operação, das franquias e suas famílias.
Na multinacional de tecnologia SAP, 10% dos 2.000 funcionários do SAP Labs Latin America, que fica em São Leopoldo, dentro da Unisinos, foram atingidos diretamente. Adriana Kersting, diretora de RH do SAP Labs Latin America, explica que, em um primeiro momento, a empresa “organizou acomodações físicas apropriadas para que seus colaboradores, juntamente com seus familiares e animais de estimação, pudessem se abrigar em lugar seguro nesse momento de calamidade”.
As iniciativas de cuidado com a saúde mental que já existiam foram ampliadas. Até então, funcionários e dependentes já contavam com atendimento psicológico custeado pela companhia. Agora, para os empregados que estão abrigados na empresa, a SAP procurou oferecer um “ambiente acolhedor”. “Oferecemos, por exemplo, atendimento médico, psicológico, massagem rápida, entretenimento para as crianças e acolhimento de animais de estimação”, detalha a executiva. “No domingo de Dia das Mães, oferecemos um almoço especial aos colaboradores e seus familiares abrigados no SAP Labs, como forma de proporcionar uma celebração e um momento feliz.”
Para Kersting, essas atitudes podem minimizar situações pontuais delicadas e quadros de depressão, ansiedade e sobrecarga. “Sabemos que estamos atravessando uma situação muito complexa e as questões de saúde mental estão sendo tratadas de forma acolhedora no intuito de confortar nossos colaboradores, que foram impactados por esse desastre climático.
Rui Brandão, vice-presidente de saúde mental da Conexa e sócio-fundador de Zenklub, comenta que tragédias dessa proporção geram estresse em todas as esferas para quem é afetado. “Os problemas surgem o tempo todo nos aspectos pessoal, financeiro e familiar, por exemplo. É nessa hora que um profissional especializado em saúde mental precisa cuidar das pessoas”, diz. Para ele, esse apoio ajuda o paciente a reduzir o trauma, a promover resiliência, a reconstruir a identidade, a facilitar o engajamento social e uma visão necessária de comunidade. “É comum haver perdas com uma enchente desse porte. Dessa forma, muitos também precisam ter apoio no processo do luto”, conclui.
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