Baixa oferta de creche e pré-escola afeta empregabilidade feminina

Baixa oferta de creche e pré-escola afeta empregabilidade feminina

Publicado em 19 de janeiro de 2024

Cobertura de vagas para faixa de 0 a 5 anos é inferior ao fixado pelo Plano Nacional de Educação e impacta desenvolvimento de alunos, mostra estudo.

 A oferta de creches e pré-escola tem relação direta com a inserção da mulher no mercado de trabalho: quanto maior a presença de bebês e crianças matriculadas, maior é a empregabilidade das mães. Por outro lado, crianças fora da escola são as que respondem pela maior parcela de mães fora da força de trabalho, mostra levantamento feito pela economista Janaína Feijó, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Segundo o estudo, feito com base em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do DataSUS, do Censo Demográfico e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, a cobertura de creches e pré-escola para crianças de 0 a 5 anos está abaixo da meta estipulada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e vem tendo impacto além do desenvolvimento dos alunos.

“A provisão de creches e pré-escola é um importante instrumento para ajudar a elevar a inserção e a permanência das mulheres no mercado de trabalho, já que elas possibilitam uma maior conciliação entre trabalho e maternidade”, diz Feijó. “Contudo, a quantidade de vagas disponíveis em creches públicas ainda é insuficiente para atender a demanda de muitas famílias brasileiras.”

Uma das principais metas do PNE é universalização da educação infantil na pré-escola para crianças de 4 a 5 anos e a oferta de educação infantil em creches atendendo, no mínimo, 50% do público até 3 anos. “Mas os dados mostram que ainda estamos longe de atingir a meta estipulada pelo PNE”, diz.

Até o fim de 2022, o Brasil tinha 85,5% do público até 1 ano fora da escola. Equivale a 4,4 milhões de crianças. Na faixa de 2 a 3 anos, eram 45,6% sem frequentar escola, ou 2,7 milhões. De 4 a 5 anos, havia 8,5% fora da escola – 512,6 mil. O retrato é heterogêneo. Enquanto Norte e Centro-Oeste registram as menores proporções, Estados de São Paulo e Santa Catarina são os únicos que atingiram a meta do PNE.

O principal motivo declarado pelas famílias cujas crianças estão fora da escola foi falta de creche ou escola perto de casa ou trabalho. Os percentuais são mais altos dentre crianças negras: 7,7% no grupo de 0 a 1 ano, 11,5% no de 2 a 3 anos, e 14% na pré-escola. Dentre as brancas, a proporção cai para 5%, 7,7% e 11,3%, respectivamente.

Feijó observa que, como as responsabilidades familiares ainda tendem a recair predominantemente sobre as mulheres, a falta de acesso das crianças à escola pode inviabilizar ou retardar a inserção feminina no mercado.

“Fica visível que quando há crianças na creche, a participação das mães no mercado de trabalho é maior”

No grupo de crianças entre 0 e 1 ano sem creche, 53,8% das mães estão fora da força de trabalho (sem emprego e sem procurar), o que representa 1,8 milhão, ante 18,1% (ou 109,5 mil) no grupo das crianças matriculadas.

Dentre crianças de 2 a 3 anos, 50,7% (1 milhão) das mães não possuem emprego e não estão procurando, ante 27,9% (728,6 mil) daquelas com crianças em escolas. Entre crianças de 4 e 5 anos sem escola, 55,3% (222,2 mil) das mães estão fora da força de trabalho, ante 33,9% (1,4 milhão) das mães de crianças na pré-escola.

“O estudo descreve de forma clara a relação entre creches e escolas para crianças de 0 a 5 anos e a relação entre as mães que estão na força de trabalho e fora dela. Fica visível que quando há crianças na creche, a participação das mães no mercado de trabalho é maior”, afirma Lorena Hakak, professora da Escola de Relações Internacionais da FGV e presidente da Sociedade de Economia da Família e do Gênero (GeFam). Ela pontua, contudo, que em alguns casos as crianças podem estar fora da escola porque mães preferem ficar com os filhos em casa nessa idade.

Hakak diz que, mais do que a existência das vagas, é preciso que elas sejam ofertadas de maneira integral, para que as mães possam trabalhar. “A Pnad mostra que cerca de 40% das mulheres dizem estar fora da força exatamente porque têm de cuidar de afazeres domésticos e de crianças e parentes.”

O levantamento mostra que a proporção de crianças fora da escola é maior entre a população negra do que entre os não negros (brancos e amarelos), independentemente da faixa etária analisada. De todas as crianças negras de 2 a 3 anos, 48,9% estavam fora da escola, ante 41,6% entre crianças não negras nessa faixa etária.

Feijó analisou uma subamostra com o objetivo de centrar a análise em domicílios com casais heterossexuais ou com mães solteiras, composta por 13,5 milhões de crianças de 0 a 5 anos, o que representa 78% da amostra total de 17,4 milhões de crianças da Pnad.

A maior parte do público fora da escola tinha mães autodeclaradas negras. Das 2,2 milhões de crianças de 2 a 3 anos que estavam foram da escola, por exemplo, 64,8% eram filhas de mães negras. Foi observado que filhos de mães negras têm rendimento do trabalho familiar per capita inferior ao de mães não negras. O das crianças fora da escola é menor ainda.

Enquanto crianças de 2 a 3 anos com mães não negras apresentam rendimento per capita de R$ 1.977, o das de mãe negras era R$ 832. Para crianças da mesma faixa etária, mas fora da escola, esses valores eram R$ 1.100 e R$ 563, respectivamente. Em relação à escolaridade, mães com crianças na escola possuem nível mais elevado do que as que não matricularam os filhos. Mães de crianças entre 2 e 3 anos na escola que possuem ensino superior são 46%, ante 14% das com filhos nessa idade fora da escola.

“Também chama atenção a proporção de mães e pais negros que não colocam as crianças na creche ou pré-escola por falta dessas ou por ausência de vaga ser muito maior do que brancas”, diz Hakak. “Isso pode indicar algumas mães que gostariam de trabalhar ou que não conseguem trabalho porque não há vaga perto de casa ou do trabalho.” Para ela, matricular a criança tem uma importância para além da participação da mulher no mercado. “Há estímulos dados a crianças de 0 a 3 anos que são importantes para o desenvolvimento.”

Fonte: Valor Econômico
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