Como a linguagem neutra é percebida por gestores

Como a linguagem neutra é percebida por gestores

Publicado em 4 de maio de 2023

Pesquisa mostra de que forma as companhias têm buscado ser mais inclusivas.

Uma pesquisa que investigou o uso de novas formas de comunicação nas organizações no Brasil mostra que 80% dos funcionários e líderes acreditam que uma linguagem corporativa mais inclusiva seria aceita em suas companhias, embora apenas 54,6% digam que suas organizações já façam uso dela. Entenda-se como inclusiva uma comunicação que dá visibilidade e não exclui nenhum grupo sem alterar o idioma. Quase 40% concordam que existe a probabilidade de a imagem e a reputação da empresa serem afetadas caso ela não adapte a sua comunicação para deixá-la mais inclusiva.

O uso da linguagem neutra ou não binária, que propõe alterar o idioma e incluir novas grafias de palavras, no entanto, divide mais as opiniões. Para 57,2% dos entrevistados, o uso de uma linguagem corporativa mais inclusiva não deve implicar no uso de pronomes neutros como, por exemplo, “todes”, “elu/delu”, “bem vind@s”. Por outro lado, em outra pergunta, 48,5% afirmam que há espaço para a utilização da linguagem neutra no mundo corporativo.

A pesquisa obtida com exclusividade pelo Valor ouviu 194 profissionais brasileiros, 57% do C-level, diretores e conselheiros, e 43% da média gerência ou funcionários de empresas – 27% com faturamento acima de R$ 20 bilhões. O estudo foi conduzido pela Bossa.etc, empresa de educação corporativa do grupo BMI.

Quando questionados se a companhia já utilizava a linguagem neutra na comunicação interna, 56,7% dos pesquisados disseram que não, 35,1% que apenas alguns departamentos em algumas ocasiões usavam e 8,2% disseram que sim. “Existe um compasso de espera na sociedade, tanto do público interno, como da liderança. As pessoas acreditam que há espaço, mas ainda estão observando e vendo exatamente para onde vai”, diz Alessandra Lotufo, diretora de comunicação e inovação da BMI.

Para ela, a adoção da linguagem neutra implica em uma mudança de hábito da sociedade, que começa por uma aderência massiva que depois se espalha. “Isso não acontece do dia para a noite”, afirma. Ela lembra que, nos Estados Unidos, o movimento por uma linguagem neutra ganhou impulso nos anos 70 e 80, com o movimento feminista e outras manifestações por direitos civis e igualdade de gênero. Uma das primeiras iniciativas, segundo ela, foi a substituição dos pronomes masculinos genéricos como “he” (ele) ou “man” (homem) por “they” (eles/elas) para se referir a pessoas sem especificar o gênero.

Já em países de língua espanhola, ela conta que o movimento pela linguagem neutra ganhou força nos últimos anos com a utilização do “e” como terminação neutra em palavras e também com a adoção dos dois gêneros na frase, como “todos e todas”. No Brasil, ela diz que o assunto ainda é controverso. Ele é defendido por organizações feministas, LGBTQIAPN+ e de defesa dos direitos humanos, mas encontra resistência por parte de alguns setores da sociedade que consideram a mudança desnecessária ou até uma ameaça à língua portuguesa.

A pesquisa reflete essa divisão. Quase 40% dos participantes concordam total ou parcialmente que se trata de uma moda que em pouco tempo deixará de ser uma questão, enquanto 32% não concordam nem discordam, 24,8% discordam total ou parcialmente e 3,1% não têm opinião formada.

Por outro lado, 34% concordam total ou parcialmente que se trata de uma tendência e, por essa razão, devemos estar atentos e procurar nos adaptar.

A respeito dos motivos que levariam a empresa a adotar a linguagem neutra, 53,6% os creditam ao desejo de inclusão da totalidade e diversidade dos colaboradores, 45,9% a uma contribuição para um maior respeito e proximidade entre colaboradores, 19,6% à pressão dos colaboradores e 11,3% à sugestão do RH para se antecipar às tendências. Para 2,1%, a motivação seria o modismo e o glamour e 2,1% consideram uma medida totalmente desnecessária.

Lotufo diz que para alguns entrevistados essas mudanças na linguagem burocratizam e deixam a comunicação mais longa, como incluir o “todos e todas”. “Usar o pronome neutro significa mudar a linguagem, mas ela ainda não mudou nas ruas, a empresa estaria chancelando uma mudança que a sociedade ainda não aderiu como um todo”, reflete. “Não é uma decisão top down”. Quase 50% dos pesquisados concordam total ou parcialmente que essas palavras ou expressões da linguagem neutra prejudicam por estarem muito distantes da forma como as pessoas falam.

Existem duas teorias que justificam a inclusão ou não da linguagem neutra, explica Lotufo. Uma corrente defende que as transformações na linguagem não são resultado de ações intencionais dos falantes, mas de mudanças no ambiente social, tecnológico, econômico e cultural. Portanto, aconteceriam de forma natural e espontânea. Outro grupo de pensadores, como a filósofa Judith Butler, argumenta que a linguagem é fundamental para a construção da identidade e da cultura. Nesse caso, para Lotufo, o uso de termos neutros de gênero e outras mudanças conscientes na linguagem podem influenciar na criação de uma cultura mais diversa.

O papel da empresa nessa mudança da linguagem, segundo a pesquisa, também divide opiniões. Enquanto 36% acreditam que esse é um assunto que deve ser tratado entre pessoas do grupo próximo e não pela organização, com as pessoas dizendo ao grupo como querem que se dirijam a elas e com qual pronome se sentem identificadas, 30,5% discordam total ou parcialmente disso.

Quase 30% dos entrevistados também dizem que suas empresas ainda não oferecem cursos que capacitem as pessoas para o uso da linguagem inclusiva e/ou neutra, mas acreditam que essa será uma preocupação no futuro. “A diversidade deixou de ser moda para ser uma questão de sobrevivência. A tendência é que existam grandes ecossistemas, que vão precisar de muita diversidade para refletir o que o mundo contemporâneo está vivendo”, diz Lotufo.

Fonte: Valor Econômico
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