Companhias ampliam programas para migrantes e refugiados

Companhias ampliam programas para migrantes e refugiados

Publicado em 12 de março de 2025

Brasil tem mais de 790 mil pessoas em situação de refúgio e em necessidade de proteção internacional, vindas de 168 países, diz ACNUR.

Na contramão de movimentos anti-imigração vindos dos Estados Unidos e Europa, companhias no Brasil estão ampliando iniciativas para capacitar e efetivar migrantes e pessoas em situação de refúgio. De acordo com o Fórum Empresas com Refugiados, o país emprega formalmente cerca de 200 mil profissionais nessa categoria. A iniciativa de apoio por meio do emprego reúne 130 organizações — eram apenas 20 quando foi criada, em 2021, pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o Pacto Global da ONU-Rede Brasil – mas ainda há muito a ser feito.

“O Brasil tem mais de 790 mil pessoas refugiadas e em necessidade de proteção internacional, vindas de 168 países”, afirma Vanessa Tarantini, associada de soluções duradouras da ACNUR. Entre a mão de obra ocupada, a maioria ocupa cargos operacionais, ganha em média de dois a três salários mínimos, enquanto 25% dos empregadores têm refugiados em postos de liderança. Mais da metade das companhias brasileiras (57%) nunca promoveu medidas afirmativas para esse grupo, segundo dados da agência, mas 72 membros do fórum já constatam um aumento de até 24% nas contratações, desde que ingressaram na iniciativa.

Na visão das empresas envolvidas com o tema, recrutar migrantes, além do gesto humanitário, contribui para um ambiente de trabalho mais produtivo e aberto à diversidade. “Os funcionários avançam na carreira passando de aprendiz para oficial ou migrando para setores especializados, como cerâmica, hidráulica e elétrica”, diz Cristina Caresia, diretora de gente e gestão da construtora Tenda. A companhia mantém políticas formais de inclusão desde 2021. “Todos recebem suporte da área de responsabilidade corporativa na adaptação e são acompanhados por uma assistente social.”

Com 4,7 mil funcionários, a Tenda reúne 293 profissionais entre a população migrante – eram apenas quatro em 2019. Do total, a maioria é de Angola (60,4%), além da Venezuela (32,1%), República Democrática do Congo (2%) e Tanzânia (1,4%), e atuam em São Paulo, no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Goiás, Ceará e Pernambuco.

Caresia afirma que a companhia está revisando a meta de contratação para 2025, atingida no ano passado. O objetivo era garantir, até novembro de 2024, 10% da força de trabalho nos canteiros de obras com migrantes – a parcela atual corresponde a 12,8% e atende às expectativas da construtora.

Um levantamento indicou que operários de outros países apresentam um turnover (rotatividade) 67% menor em comparação aos colegas locais. “Estamos reestruturando projeções para ampliar a inclusão”, adianta.

“Como é um tema novo para as empresas, começar de forma progressiva permite ajustes” Cristina Caresia

Entre os recrutados está Matuvanga Mputu, ajudante de acabamento em São Paulo (SP), que já enxerga a carreira “lá na frente”. “Aprendo muito aqui, mas o que mais me marcou foi a área de hidráulica”, conta. “No futuro, meu sonho é ser engenheiro.”

O angolano, graduado em administração no seu país, chegou ao Brasil em novembro de 2022 por conta dos desafios econômicos no continente africano. “[Eram problemas] que tornavam a vida mais difícil”, afirma ele, admitido pela Tenda em janeiro de 2023.

Na Belgo Arames, fornecedora do setor de aço com 3,4 mil funcionários, as iniciativas de acolhimento começaram em 2019 e reúnem 21 profissionais, sendo a maioria da Venezuela, além do Haiti e Colômbia, distribuídos em oito unidades da fabricante em São Paulo, Minas Gerais e Bahia. “A empresa acredita que pode fazer a diferença na vida dessas pessoas”, destaca Clarisse Drummond, diretora de gente, cultura e engajamento da Belgo Arames. A executiva explica que a iniciativa ganhou força com a criação de uma divisão especial para lidar com a demanda – a gerência de diversidade, inclusão e conexões sociais – e o apoio de um grupo de 34 empregados voluntários. “Também firmamos parcerias com instituições, como a ACNUR e o Serviço Jesuíta a Migrantes [organização presente em 50 países]”, afirma.

Apesar de não estipular metas de admissão, a corporação assumiu o compromisso de capacitar 400 profissionais para o mercado de trabalho, até 2027. Segundo Drummond, todos os migrantes na companhia ocupam cargos operacionais e mais da metade (61%) já recebeu promoções para postos abaixo de coordenação e gerência.

É o caso de Charles Henry Dorvil, operador de produção em Contagem (MG), contratado em 2022 e promovido duas vezes. “Desde que entrei na empresa, conquistei muitas coisas, como comprar uma casa”, diz o haitiano, que mora em Esmeraldas, município da região metropolitana de Belo Horizonte (MG). “Meu objetivo é voltar a estudar e crescer na Belgo. Quero fazer cursos de qualificação profissional.”

Dorvil, que concluiu o correspondente ao ensino médio no Haiti, deixou o país por causa da instabilidade política e chegou ao Brasil em 2016. Na terra natal, era professor. “Fiquei sabendo por meio de amigos haitianos que a companhia estava contratando migrantes”, lembra.

Na avaliação de Mauro Gustavo Cardoso, diretor de gente e cultura da JLS, grupo do segmento de logística com 30 mil funcionários em nove países, as ações de inclusão precisam atender às demandas de contratação, mas com o intuito de contribuir para uma sociedade mais integrada. “Para ter êxito nas iniciativas, é necessário criar um ambiente de suporte, com a presença de mentores”, aconselha.

A JSL tem 28 funcionários em situação de refúgio ou migrantes e seleciona mais dez para o cargo de operador logístico em Guarulhos (SP). Do conjunto atual, a maioria veio de países como Venezuela e Cuba, e desempenha funções como assistente de logística e operador de empilhadeira.

Cardoso conta que a companhia, que iniciou atividades de inserção no ano passado, mantém um programa em parceria com o Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest-Senat). A ação, que em 2025 chega à segunda edição, capacitou os refugiados para posições em uma unidade da empresa em Goiânia (GO).

Os novos funcionários receberam 160 horas de treinamento, com aulas sobre segurança no trabalho e de qualificação nas funções, diz o diretor. “O planejamento é lançar, ainda este ano, mais duas rodadas do programa em mais filiais, com o número de contratados podendo dobrar, até dezembro”, afirma.

Um dos selecionados foi o cubano Juan Llerena, admitido como assistente geral em 2024. “Pensando em uma qualidade de vida melhor, vi que o Brasil poderia oferecer oportunidades”, diz. O profissional, que estudou gastronomia e era “pizzaiolo” em Cuba, chegou ao Brasil em 2023 e já identifica possibilidades de ascensão. “Quero me aperfeiçoar como conferente, responsável por garantir a entrada e saída de produtos nas operações”, explica. “É o primeiro passo para alcançar novos cargos.”

Fonte: Valor Econômico
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