Devemos temer a aversão à CLT?

Devemos temer a aversão à CLT?

Publicado em 24 de junho de 2025

A colunista Sofia Esteves escreve sobre o debate que tomou conta do público mais jovem.

Sempre que surge um assunto do momento, de bebê reborn a agentes de IA, a impressão que tenho é que as conversas acabam caindo em lugares comuns. No caso do debate sobre a ojeriza da juventude em se tornar CLT, há quem critique a nova geração por ser ingênua e pouco resiliente; e quem prefira enxergar nesse movimento um sinal positivo de uma nova onda de empreendedorismo.

No entanto, o que me interessa mesmo é tentar entender o que acompanha um discurso. Afinal, sobre o que crianças e adolescentes estão falando quando usam a sigla de Consolidação das Leis do Trabalho como uma espécie de xingamento? Quais medos e anseios aparecem junto com essa recusa?

Fazer essas perguntas e ouvir de forma genuína as respostas pode ajudar as organizações a compreender o que está em jogo. Até porque “CLT”, neste caso, é apenas um símbolo. Por trás dessas três letras está condensado um conjunto de percepções sobre o mundo do trabalho: a ideia de um cotidiano exaustivo, de falta de autonomia, de hierarquias rígidas e, principalmente, de uma rotina que compromete o bem-estar. E essas, de fato, são preocupações válidas.

Ano após ano, a pesquisa Carreira dos Sonhos, da Cia de Talentos, tem mostrado que a qualidade de vida é uma prioridade não só para o público mais jovem, mas para a alta liderança e a média gestão das empresas. Na edição mais recente do estudo, 41% do público jovem indicou qualidade de vida como o aspecto que mais valoriza, enquanto apenas 21% citou a segurança financeira. Entre os grupos de média gestão e alta liderança, a tendência é semelhante, o que reforça que essa preocupação não é exclusiva das pessoas mais novas.

Claro, quem acumula anos de experiência sabe que não é só a carteira de trabalho que impacta o bem-estar. Na verdade, freelancers ou contratados pelo modelo PJ também precisam lidar com instabilidade financeira, prazos apertados e clientes exigentes.

Até influenciadores digitais encaram a falta de autonomia no trabalho quando precisam seguir roteiros pré-definidos e alinhar discursos com a marca. Ou seja, não existe regime de contratação isento de pressões, cobranças ou desafios.

Ainda que tudo isso seja verdade, entendo que nosso objetivo não deva ser encontrar as falhas argumentativas das gerações mais novas. Isso não leva a nada. Melhor do que entrar nessa disputa narrativa é compreender os motivos do novo movimento: por que CLT virou sinônimo de vida corrida e fracassada?

Se você não convive com pessoas nessa faixa etária, faço o convite para assistir a alguns vídeos nas redes sociais em que crianças e adolescentes verbalizam seu receio diante da carteira de trabalho. Em muitos deles, o discurso vem acompanhado de menções a jornadas longas, deslocamentos cansativos e remuneração desproporcional ao esforço.

Também me chama a atenção quem diz não querer ter uma vida como a de seu pai ou de sua mãe. São jovens que cresceram presenciando o cansaço, o estresse e, muitas vezes, a frustração de adultos que abriram mão de qualidade de vida para manter um emprego formal.

Isso influencia diretamente nas imagens de futuro de crianças e jovens, como apontou a Carreira dos Sonhos. Apenas 40% dos respondentes da geração mais nova afirmam estar confiantes de que conseguirão manter o emprego atual, e 41% acreditam que, em caso de demissão, conseguiriam se recolocar com rapidez. Trata-se de uma geração que enxerga o futuro com mais incertezas do que esperanças.

Em contraposição, o empreendedorismo, especialmente o digital, surge como uma promessa de liberdade e realização pessoal. Natural, considerando a era dos influencers e dos relatos de sucesso instantâneo que circulam diariamente nas redes.

Soma-se a isso um movimento mais amplo identificado na pesquisa: o fim da romantização do trabalho. Existe, hoje, um olhar mais crítico sobre o custo emocional das escolhas profissionais e uma menor disposição em aceitar jornadas exaustivas como parte natural da vida adulta. Trabalhar para si aparece como a solução para todos esses males.

Veja, o ponto não é desencorajar iniciativas empreendedoras, mas provocar uma reflexão mais profunda – tanto por parte de quem é jovem quanto das empresas. É fundamental que o mercado entenda que a atração por caminhos alternativos de trabalho é, muitas vezes, um reflexo direto das fragilidades percebidas no modelo tradicional.

É evidente que parte desse olhar é construído a partir de um distanciamento da realidade do mercado de trabalho e de uma visão idealizada sobre o que significa empreender ou atuar como profissional autônomo. Mas desqualificar essas narrativas com o argumento de que “essa geração de hoje em dia” não sabe do que está falando pode ser um erro.

Se o futuro parece desolador para quem ainda nem começou a carreira, o papel das empresas é contribuir para torná-lo mais visível e promissor. Mais do que discutir o que a juventude pensa da CLT, talvez seja a hora de perguntar: o que temos feito para que o trabalho, em qualquer formato, seja associado a desenvolvimento, propósito e qualidade de vida?

Sofia Esteves é fundadora da Cia de Talentos, Bettha.com e Instituto Ser+

Fonte: Valor Econômico
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