20 jun É válido o cartão de ponto mesmo sem a assinatura do trabalhador?
É válido o cartão de ponto mesmo sem a assinatura do trabalhador?
Um dos assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho se refere às horas extras, de modo que, até o mês de abril de 2025, a temática ocupou o sexto lugar [1], com 182.187 processos em que se discutia a referida problemática.
Por certo que, no dia a dia, muitas são as dúvidas que giram em torno do tema, principalmente no que diz respeito ao controle da jornada. E, neste contexto, se questiona: o cartão de ponto é, de fato, obrigatório para todas as empresas? Como devem ser feitas as anotações e/ou os registros dos horários dos empregados? Pode ser reputado válido o controle de jornada, mesmo que não haja a assinatura do trabalhador? Qual é o posicionamento jurisprudencial hoje predominante sobre a matéria?
Considerando que se trata de um assunto por demais corriqueiro na vida dos trabalhadores e das empresas, o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico [2], razão pela qual agradecemos o contato.
Legislação
Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado a Lei Maior traz em seu artigo 7º, inciso XIII [3], que a duração do trabalho não será superior a 8 horas diárias e 44 semanais. Lado outro, a Consolidação das Leis do Trabalho traz em seu artigo 74 [4] regras sobre os registros dos horários dos empregados, de modo que, para as empresas que possuam mais de 20 trabalhadores, são obrigatórias as anotações contendo horários de entrada e saída, que poderão ser feitas por meio manual, mecânico ou eletrônico.
Lição de especialista
À vista disso, oportunos são os ensinamentos dos professores, Elisson Miessa e Henrique Correa [5]:
“Quando se tratar de pequena empresa (menos de 20 empregados), não há a exigência de procedimento especial para o controle da jornada de trabalho. Cabe consignar que, embora o art. 51 da LC 123/2006 não exija que pequenas empresas e microempresas fixem quadro de horários em lugar visível, elas permanecem obrigadas a manter o controle de horários se contarem com mais de 20 empregados, aplicando-se a previsão celetista. O registro de trabalho, de acordo com o dispositivo celetista, poderá ser manual, mecânico ou eletrônico.
O registro manual é o consistente em livro ou folha de ponto. O registro mecânico, por sua vez, é o cartão de ponto, marcado em relógio de ponto. O registro eletrônico ocorre pela marcação por cartão magnético pessoal do trabalhador ou crachá, sendo os dados armazenados digitalmente em software específico. (…). No direito processual do trabalho, a obrigação de controle de jornada faz com que o empregador tenha maior aptidão para a prova, ou seja, é ele quem possuirá maiores condições de demonstrar os controles, pois lidará com fiscalização de entrada e saída dos trabalhadores, ficando sob sua incumbência demonstrar o registro da jornada do trabalhador”.
Dito isso, considerando que o empregador que possui mais de 20 empregados detém a obrigação de manter o registro de entrada e saída, caso o trabalhador ingresse com uma ação trabalhista pleiteando horas extras – e os respectivos controles não sejam apresentados pela empresa – há relativa presunção de veracidade quanto à jornada indicada na petição inicial.
Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho possui uma Súmula [6] que trata sobre o ônus da prova envolvendo o registro da jornada de trabalho, sendo importante frisar que o verbete sumular encontra-se desatualizado hoje pelo advento da Lei 13.874/19, que ampliou o número de 10 para 20 trabalhadores quanto à obrigatoriedade do controle de jornada para as empresas.
Entrementes, cabe ressaltar que tal regra não se aplica ao trabalhador doméstico, eis que a Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, em seu artigo 12, estabelece que é obrigatório o registro do horário de trabalho por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, não estipulando uma quantidade específica de trabalhadores. Vale dizer, o registro é compulsório inclusive em se tratando de apenas um único empregado.
Dito isso, o histórico debate levado perante o Poder Judiciário se refere à validade das anotações constantes nos controles de jornada, ainda mais quando esses registros são apresentados sem a assinatura do trabalhador.
Tese vinculante
De acordo com uma pesquisa feita pelo TST, em 27/3/2025, constatou-se a existência de 103 acórdãos e 5.803 decisões monocráticas apenas nos últimos 12 meses em torno da temática [7]. Por essas razões, recentemente a Corte Superior Trabalhista reafirmou a sua jurisprudência fixando a seguinte tese ao julgar o RR – 0000425-05.2023.5.05.0342: “A ausência de assinatura do empregado não afasta, por si só, a validade dos controles de horário.
Nesse sentido, considerando a nova tese vinculante (Tema 136) que passa a ser obrigatória para os demais órgãos da Justiça do Trabalho, a falta de assinatura do empregado nos controles de horário, por si só, não os torna inválidos, ante a falta de previsão legal dessa exigência na norma que rege a matéria (art. 74, § 2º, da CLT), não podendo, por isso, ser invertido o ônus da prova a cargo do empregador tão-somente pela ocorrência de tal fato.
Ao definir a tese, o ministro relator ponderou: “No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia merece ser conhecido, por contrariar a Súmula 338, III, do TST, tendo em vista que a ausência de assinatura do empregado nos cartões de ponto não atinge sua validade, sendo inviável a equiparação desta situação fática aos controles britânicos”.
Conclusão
Decerto muitas serão as polêmicas e os debates quando o assunto é jornada de trabalho, eis que é um ponto extremamente sensível e que traz impactos diretos para a saúde física e mental do trabalhador, para além de interferir em direitos sociais fundamentais. Portanto, é imprescindível um olhar mais atento e cuidadoso para este assunto por parte das empresas.
De mais a mais, impende destacar que, muito embora os cartões apócrifos possam ser admitidos judicialmente, caso a prova produzida nos autos caminhe em sentido contrário, por óbvio poderá ser reconhecida a inidoneidade dos referidos controles, por não refletirem a verdadeira jornada de trabalho, e, por conseguinte, ser deferido o pleito de horas extras.
Em arremate, é fundamental que as empresas criem mecanismos e procedimentos visando garantir uma maior segurança jurídica para o registro dos horários. Aliás, ainda que as pequenas empresas (com menos de 20 empregados) estejam dispensadas de manter um controle de jornada, ao adotar o referido procedimento poderá existir entre as partes uma maior transparência e boa-fé, prevenindo-se, por conseguinte, futuros litígios.
[1] Disponível em https://www.tst.jus.br/en/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes. Acesso em 16.6.2025
[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[3] CF, Art. 7º. (…). XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
[4] CLT, Art. 74. O horário de trabalho será anotado em registro de empregados. § 1º (Revogado). § 2º Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso. § 3º Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo. § 4º Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
[5] Direito e Processo do Trabalho. 3ª ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2024. Página 422.
[6] JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA. I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003). II – A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001). III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003).
[7] Disponível em https://www.tst.jus.br/documents/10157/0/Ac%C3%B3rd%C3%A3o_136.pdf/88fad8a9-2c67-3e57-898e-f5dadc2fa6b5?t=1748036901736. Acesso em 16/6/2025
Sorry, the comment form is closed at this time.