Força das normas coletivas: limites e proteção de dados pessoais dos empregados

Força das normas coletivas: limites e proteção de dados pessoais dos empregados

Publicado em 15 de abril de 2025
Por Giovanni Anderlini Rodrigues da Cunha e Isadora Coimbra Diniz

Inicialmente é importante pontuar que o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição reconhece as convenções e os acordos coletivos de trabalho, negociados entre sindicatos e empresas.

Contudo, os limites dessa negociação sempre foi um ponto controvertido sobre o qual a reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) se debruçou, reforçando o papel das normas coletivas ao consagrar o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado, previsto no artigo 611-A da CLT.

Além do mais, esse princípio foi referendado através da tese estabelecida pelo STF no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.121.633 (Tema 1.046), ao estabelecer que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”, fortalecendo sobremaneira as negociações coletivas, abrindo caminho para que diversos temas trabalhistas passassem a ser livremente tratados pelos sindicatos e empregadores com a devida segurança jurídica.

Essas alterações tiveram o objetivo de conferir maior autonomia às partes para regular determinados aspectos da relação de emprego, respeitando, contudo, direitos constitucionalmente assegurados e a própria hierarquia normativa.

Todavia, a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD) entrou em vigor em 2020, trazendo uma série de obrigações relativas ao tratamento de dados pessoais pelas empresas, inclusive no âmbito trabalhista. Entre as disposições, destacam-se:

A exigência de consentimento explícito do titular dos dados (artigo 7º, I, e artigo 8º, da LGPD);
A necessidade de observância aos princípios da finalidade, necessidade, adequação, transparência, entre outros;
A exigência de cuidados especiais com dados pessoais sensíveis.

Direito à privacidade

Embora a autonomia negocial coletiva permita, em tese, a pactuação de cláusulas que versem sobre aspectos diversos da relação de emprego, há direitos que permanecem fora do alcance da negociação, por serem considerados indisponíveis ou essenciais, como é o caso do direito à privacidade (artigo 5º, inciso X, da CF) e à proteção de dados pessoais, incluída como direito fundamental no artigo 5º, LXXIX da Constituição através da Emenda Constitucional nº 115/2022.

Nesse contexto, em recente decisão de fevereiro de 2025, o TST analisou cláusulas normativas que determinavam o repasse de dados pessoais dos empregados a uma empresa gestora de cartões de descontos, objetivando a implementação de benefícios. O tribunal entendeu que tais cláusulas, ao estabelecerem o fornecimento compulsório dos dados (como nome completo, CPF, telefone, e-mail, data de nascimento e nome da mãe), violavam a LGPD e o direito fundamental à privacidade.

Na decisão, ficou evidenciado que o TST considerou indevida a incidência do entendimento do STF sobre o Tema 1.046, pois, embora este resguarde a possibilidade de negociação coletiva sobre direitos trabalhistas, não abrange direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados. O acórdão destaca, ainda, que o consentimento prévio do titular do dado em algumas situações é condição essencial, conforme previsto em lei, e que esses direitos, por sua natureza, não podem ser afastados por meio de norma coletiva.

A decisão do TST reforça que, não obstante a primazia do negociado sobre o legislado em matéria trabalhista, nem todos os direitos podem ser negociados, sobretudo aqueles de natureza fundamental e absolutamente indisponíveis. A proteção à intimidade e à privacidade permanecem inegociáveis, mesmo quando o intuito do acordo ou convenção coletiva seja promover benefícios aos trabalhadores.

Aplicação prática da LGPD

No contexto das relações trabalhistas, a aplicação prática da LGPD traz alguns desafios adicionais, decorrentes especialmente da própria dinâmica assimétrica entre empregadores e empregados.

De fato, a proteção de dados pessoais demanda que qualquer consentimento obtido seja genuinamente livre, informado e inequívoco, o que se torna especialmente delicado nas relações de emprego. É imprescindível, portanto, que as empresas compreendam que o mero fato de existir uma norma coletiva negociada com sindicatos não exime o empregador de sua responsabilidade em observar integralmente os requisitos da LGPD, especialmente quanto a informar claramente o propósito do tratamento dos dados pessoais dos empregados e a necessidade de obter consentimento válido, quando esta for a hipótese de tratamento cabível, ou da identificação da base legal adequada.

Da mesma forma, é essencial que os sindicatos assumam papel ativo frente à proteção de dados pessoais dos colaboradores representados. A LGPD não é responsabilidade exclusiva das empresas, mas envolve também os sindicatos, especialmente diante da negociação de cláusulas coletivas que tratem, direta ou indiretamente, de dados pessoais dos trabalhadores. Dessa forma, é fundamental que sindicatos estejam atentos não apenas ao conteúdo econômico ou social das normas coletivas, mas também à observância dos princípios e requisitos estabelecidos pela LGPD.

Dados pessoais resguardados pela Constituição

A LGPD, ao estabelecer um arcabouço jurídico específico para o tratamento de dados pessoais, consolida ainda mais esses limites. Assim, a obrigatoriedade de se observar requisitos como o consentimento, a boa-fé, a finalidade legítima, específica e informada ao titular e a transparência mostram-se inafastáveis, sob pena de invalidar cláusulas que imponham o tratamento de dados em desacordo com esses preceitos.

A intensificação das negociações coletivas após a reforma trabalhista representa avanço significativo para a autonomia das partes na regulação das relações de trabalho e emprego. Contudo, a prevalência do negociado sobre o legislado não é irrestrita: direitos de índole fundamental, como a intimidade, a vida privada e, por consequência, a proteção de dados pessoais, permanecem resguardados pela Constituição e pela LGPD.

A decisão do TST de fevereiro de 2025 deixa claro que o afastamento de direitos fundamentais via norma coletiva é inválido, demarcando o limite entre direitos trabalhistas passíveis de negociação e direitos absolutamente indisponíveis.

Fonte: Consultor Jurídico
No Comments

Sorry, the comment form is closed at this time.