Frequência no escritório passa a contar na avaliação de desempenho

Frequência no escritório passa a contar na avaliação de desempenho

Publicado em 12 de março de 2025

Empresas começam a utilizar dados sobre trabalho presencial na hora de analisar a performance dos funcionários.

Há uma nova frente na batalha do retorno ao escritório. Algumas empresas não só estão endurecendo seus mandatos, como também monitorando cada vez mais a frequência e utilizando os dados coletados nas avaliações de desempenho e remuneração.

Após vários anos em que os funcionários ditaram as regras sobre os hábitos de trabalho, especialmente quando o mercado de trabalho estava apertado, os chefes agora estão tentando exercer mais influência.

“As empresas estão ficando mais prescritivas”, incluindo a vinculação de salário e promoções ao retorno ao escritório, diz Maria Colacurcio, executiva-chefe da Syndio, uma empresa de software de remuneração. “Estou percebendo isso.”

O Lloyds Banking Group, por exemplo, está mantendo uma política de trabalho híbrida, mas levará em conta a frequência ao escritório de executivos dos escalões mais altos na concessão de suas bonificações. A PwC UK disse que vai monitorar a frequência e enviará aos funcionários e seus coaches de carreira dados sobre suas localizações todos os meses.

Embora os níveis gerais de trabalho em casa tenham permanecido estáveis desde o fim de 2023, segundo pesquisa do professor Nick Bloom, economista da Universidade Stanford, os mandatos de retorno ao escritório vêm aumentando gradualmente. JP Morgan Chase, Goldman Sachs e Amazon estão entre aqueles que recentemente chamaram os funcionários de volta ao escritório cinco dias por semana. Mas os mandatos nem sempre são rigorosamente aplicados.

Isso está começando a mudar. As empresas agora conseguem aplicar políticas de ambiente de trabalho mais rigidamente em parte porque têm mais dados para trabalhar. Informações de catracas, números da atividade nos monitores de computador e tecnologias de recursos humanos estão ajudando-as a entender como os trabalhadores estão passando seu tempo e como estão desempenhando em comparação uns com os outros.

Bernie Mehl, cofundador da Kisi, que fornece software para rastrear o uso dos escritórios, diz que as empresas estão usando essas informações para calcular custos imobiliários, mas também estão procurando cada vez mais vinculá-las aos seus programas de RH. Os dados fornecem uma maneira de “medir a adesão às políticas de retorno ao escritório e, se exigido contratualmente, tornar essas avaliações parte da avaliação de desempenho”, acrescenta ele. Elas também ajudam a planejar pedidos de almoço, horários para limpeza e o uso das salas de reuniões.

Um cliente, a Kargo, uma empresa de publicidade móvel com 600 funcionários, oferece diferentes padrões de trabalho dependendo da graduação. A equipe de liderança sênior é esperada no escritório diariamente para se alinhar em torno de estratégias e políticas. Diretores e vice-presidentes devem ir para orientar e colaborar com suas equipes, mas colaboradores menos graduados podem ser mais flexíveis. O fundador Harry Kargman diz que a companhia está considerando usar dados em avaliações de desempenho. “Se os objetivos foram alcançados e a equipe não vier, tudo bem. Como exigir que venham mais para o escritório? Mas se eles não atingirem suas metas, vamos dizer o que eles precisam fazer

Os mandatos aplicados a toda a empresa tendem a ser uma característica de grandes empregadores, acrescenta Kargman, porque eles não têm a “velocidade e agilidade para se adaptar. Eles adotam uma postura mais linha-dura para criar uniformidade – e, da perspectiva da cúpula administrativa, justiça”.

Abordagens mais rígidas às vezes coincidem com empregadores cortando gastos, reduzindo custos ou eliminando empregos, levando alguns funcionários a alegar que mandatos de retorno ao escritório rigorosamente aplicados são redundâncias disfarçadas.

Depois que o grupo britânico de propaganda WPP disse no mês passado aos seus mais de 100.000 funcionários que eles terão que estar no escritório pelo menos quatro dias por semana, um funcionário disse ao “Financial Times”: “eles disseram que se não cumprirmos as exigências, estaremos sujeitos a medidas disciplinares”.

A WPP disse que os funcionários poderão solicitar flexibilidade, especialmente aqueles que cuidam de filhos ou parentes idosos, têm problemas de saúde ou que historicamente trabalharam à distância.

O risco para os empregadores é que, embora os mandatos de retorno ao escritório possam ajudar a filtrar funcionários com baixo desempenho, eles também poderão afugentar profissionais valorizados.

No ano passado, um estudo produzido por David van Dijke, um pesquisador de economia da Universidade de Michigan, e outros especialistas, encontrou indícios de que, quanto mais duras as regras de retorno ao escritório, “maior o impacto na saída de funcionários”, sendo os altos executivos os mais vulneráveis. O estudo citou o aumento das taxas de rotatividade na Apple, Microsoft e SpaceX após o endurecimento de suas políticas de retorno ao escritório.

Quase metade dos adultos empregados (46%) que poderiam trabalhar de casa dificilmente permaneceriam em suas funções se seus empregadores os obrigassem a ir para o escritório, diz a Pew Research.

Um estudo sobre as políticas de retorno ao escritório realizado pela consultoria de recursos humanos Gartner, constatou que “pessoas de alto desempenho, mulheres e millenials, três grupos que prezam a flexibilidade, são os mais propensos a deixar a empresa”.

Na prática, isso significa que até mesmo as regras mais rígidas podem ser contornadas, geralmente para favorecer executivos de alto desempenho e mais experientes, difíceis de substituir.

A consultoria Korn Ferry identificou uma “hierarquia hibrida”, em que funcionários altamente valorizados recebem mais dispensa para trabalhar de forma flexível do que outros colegas, formando uma força de trabalho de dois níveis.

Brian Elliott, executivo-chefe da Work Forward, consultoria que aconselha sobre formas flexíveis de trabalho, diz: “Os gerentes estão entre a frigideira e o fogo: maiores demandas para fazer mais com menos esbarram na perda potencial de funcionários produtivos ou certamente na perda de engajamento. Acordos paralelos são firmados: enquanto você continuar tendo um bom desempenho, eu olho para o outro lado”.

Algumas empresas estão oferecendo oportunidade de trabalho no exterior como um benefício para tornar suas diretrizes mais atrativas, diz Claire Pepper, sócia da Vialto, uma consultoria de mobilidade de trabalhadores.

Kargman acrescenta que os incentivos são mais eficazes do que as punições. Sua empresa oferece lanches, almoço e educação gratuitos. Os funcionários dos escalões mais baixos, que têm mais liberdade para trabalhar de casa, apresentam uma frequência maior, reforçada pelo desejo de mentoria. “O ponto principal é que queremos oferecer flexibilidade, pois ela é um benefício. Ao mesmo tempo, queremos criar um ambiente em que as pessoas queiram estar.”

As empresas que aplicam rigorosamente regras de frequência estão entrando em uma zona cinzenta jurídica, segundo advogados. Tim Gilbert, chefe da área trabalhista da Travers Smith, diz que pode ser arriscado para os empregadores usar bonificações para incentivar a frequência no escritório. “Se uma empresa disser: ‘Você não receberá um bônus integral se não estiver cinco dias por semana no escritório’, isso poderá abrir margem para questões de igualdade salarial ou discriminação”. O risco é que a empresa possa enfrentar ações caso, por exemplo, funcionários com filhos pequenos ou com deficiências não conseguirem comparecer com a mesma frequência e acabem recebendo menos do que colegas que desempenham a mesma função, mas estão no escritório todos os dias.

“Estamos recebendo mais telefonemas sobre isso, mais solicitações de clientes para discutir o assunto”, diz Gilbert.

Katy Salt, chefe do serviço de consultoria jurídica da ONG Working Families, recomenda que os empregadores pensem nas implicações legais. “O retorno ao escritório é uma questão complexa do direito trabalhista, que depende em grande parte das circunstâncias individuais. Não há uma solução única para todos e diferentes proteções legais podem se sobrepor”. Por exemplo, funcionários podem estar protegidos pela Lei de Igualdade devido a fatores como sexo ou deficiência. Além disso, se o trabalho remoto foi explicitamente previsto no contrato, exigir o retorno ao escritório pode representar uma violação contratual.

Além dos fatores legais, os empregadores também devem estar cientes de uma questão mais simples: o risco de desmotivar a equipe, segundo Debbie Lovich da consultoria BCG. “Nada transmite mais falta de confiança do que uma ordem obrigatória acompanhada de monitoramento de crachás a cada movimento”, afirma ela.

Fonte: Valor Econômico
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