28 abr Insalubridade por ruído: impactos jurídicos nos regimes de banco de horas
Insalubridade por ruído: impactos jurídicos nos regimes de banco de horas
A exposição de empregado a ruído acima dos limites legais no ambiente de trabalho continua sendo um dos principais motivos de reconhecimento de atividade insalubre na Justiça do Trabalho. E essa discussão torna-se ainda mais relevante diante da divergência da jurisprudência sobre a eficácia do equipamento de proteção individual (EPI) e seus reflexos no pagamento do adicional de insalubridade.
Este artigo propõe analisar, para além da condenação trabalhista ao pagamento do adicional, os efeitos colaterais da insalubridade sobre a validade de mecanismos compensatórios, como o banco de horas e a prorrogação de jornada, sugerindo soluções normativas por meio da negociação coletiva.
Jurisprudência sobre o ruído e eficácia do EPI
A discussão em análise encontra respaldo direto no artigo 191 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelece que a eliminação ou neutralização da insalubridade ocorrerá:
I – com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância;
II – com a utilização de equipamento de proteção individual ao trabalhador, que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.
Portanto, o adicional de insalubridade só pode ser afastado quando comprovada, por meio técnico e pericial, a eliminação ou a neutralização do agente nocivo. No caso do ruído, a simples entrega de protetor auricular não garante, por si só, que os limites de tolerância foram efetivamente respeitados, sendo indispensável a avaliação das condições reais do ambiente de trabalho e da eficácia prática dos EPIs.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC (Tema 555) [1], firmou duas teses que reforçam a tese de que o ruído é um agente nocivo, cujos efeitos não são plenamente neutralizados pelo uso de EPI:
1ª Tese: O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. No entanto, o STF reconhece que essa neutralização depende de avaliação técnica concreta e, muitas vezes, não se efetiva completamente.
2ª Tese: Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do perfil profissiográfico previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial para fins de aposentadoria. Isso porque o ruído, mesmo atenuado, pode causar danos além da perda auditiva, como efeitos sobre os sistemas cardiovascular, digestivo e psicológico.
Essas teses, embora oriundas de julgamento com enfoque previdenciário, têm implicações diretas no campo trabalhista, ao demonstrar que a exposição ao ruído deve ser tratada com cautela e que o EPI não garante, por si só, a eliminação da insalubridade.
Insalubridade como obstáculo ao banco de horas e compensação de jornada
Nos termos do artigo 60 da CLT, é necessária autorização prévia da autoridade competente para a prorrogação da jornada em ambientes insalubres. A jurisprudência pacificada pelo item VI da Súmula 85 do TST veda a instituição de banco de horas e outros regimes compensatórios nesses ambientes, salvo se houver inspeção prévia e autorização específica do órgão competente.
Assim, quando o ambiente é reconhecido judicialmente como insalubre por ruído, pode haver não apenas condenação ao pagamento do adicional, mas também acarretar a nulidade dos regimes de compensação adotados, com consequente condenação em horas extras.
Jurisprudência relevante
Os julgados a seguir ilustram a celeuma existente e a consequente insegurança jurídica atual:
RR-11216-57.2014.5.03.0163 (Min. Claudio Brandão) [2] e RR-10480-70.2022.5.03.0062 (Min. Augusto César) [3] — reconhece que, mesmo com uso de EPI, o adicional é devido diante dos danos não auditivos causados pelo ruído.
Ag-AIRR-1001690-15.2021.5.02.0201 (Min. Amaury Rodrigues)[4] e AIRR-0011550-61.2022.5.15.0136 (Min. Douglas Alencar)[5] — entende que a eficácia do EPI, se atestada, afasta o adicional, em linha com a Súmula 80 do TST.
Negociação coletiva como alternativa
A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) introduziu o artigo 611-A, XIII na CLT, permitindo que convenções e acordos coletivos autorizem a prorrogação da jornada em atividades insalubres sem a exigência da licença prévia, desde que isso esteja previsto de forma expressa no instrumento normativo. Tal possibilidade pode mitigar os efeitos de uma eventual condenação por insalubridade, mantendo válidos os regimes compensatórios.
Sugestão de cláusula coletiva
A validade do regime de banco de horas em atividade insalubre exige atenção especial. Conforme a decisão exarada pelo TST no acórdão Ag-RRAg-20248-29.2021.5.04.0029 (ministra Katia Magalhaes Arruda) [6], mesmo após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, o artigo 60 da CLT continua em vigor, exigindo licença prévia da autoridade competente para prorrogação de jornada em ambientes insalubres. No entanto, o artigo 611-A, XIII, da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, permite que norma coletiva afaste expressamente essa exigência legal.
O TST reforça que a ausência de previsão expressa na convenção ou acordo coletivo quanto a dispensa da autorização do Ministério do Trabalho torna inválido o regime de compensação em atividades insalubres. Tal entendimento encontra respaldo na jurisprudência consolidada no item VI da Súmula 85 do TST e é compatível com a tese fixada pelo STF no Tema 1.046, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Dessa forma, é imprescindível que a cláusula coletiva mencione expressamente a dispensa da licença prevista no artigo 60 da CLT para garantir a validade jurídica do banco de horas em ambientes insalubres.
Para evitar a nulidade do banco de horas e da prorrogação de jornada em caso de reconhecimento de insalubridade, sugere-se a seguinte redação de cláusula coletiva:
“Fica autorizada, nos termos do art. 611-A, XIII, da CLT, a prorrogação da jornada de trabalho em atividades insalubres, independentemente de licença prévia da autoridade competente, bem como a instituição de banco de horas e outros regimes de compensação de jornada em tais atividades, observados os limites legais de duração e descanso.”
Conclusão
A condenação ao pagamento do adicional de insalubridade por ruído pode acarretar efeitos amplos, incluindo a invalidação de bancos de horas e compensações de jornada. A previsão expressa em norma coletiva, com base no artigo 611-A da CLT, pode ser uma solução preventiva mais eficaz para resguardar a validade desses institutos, mesmo em ambientes insalubres.
[1] STF – ARE: 664335 SC, Relator.: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 04/12/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 12/02/2015
[2] RR-11216-57.2014.5.03.0163, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 14/03/2025
[3] RR-10480-70.2022.5.03.0062, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 17/03/2025
[4] Ag-AIRR-1001690-15.2021.5.02.0201, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 17/03/2025
[5] AIRR-0011550-61.2022.5.15.0136, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 14/03/2025
[6] Ag-RRAg-20248-29.2021.5.04.0029, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 24/02/2025.
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