Limitação dos valores indicados na inicial: inconstitucionalidade do artigo 840, §1º da CLT

Limitação dos valores indicados na inicial: inconstitucionalidade do artigo 840, §1º da CLT

Publicado em 10 de julho de 2025
Por André Pessoa

A reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), ao incluir o §1º no artigo 840 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituiu a obrigatoriedade de que os pedidos formulados na petição inicial de uma reclamação trabalhista sejam liquidados, ou seja, acompanhados de valores certos.

Tal exigência tem sido objeto de intensos debates jurídicos e constitucionais desde o advento da reforma, uma vez que impõe ao trabalhador encargos técnicos e financeiros que muitas vezes extrapolam suas capacidades, ferindo princípios fundamentais do Direito do Trabalho e do processo constitucional brasileiro.

Reforma trabalhista e o impacto nas reclamações, a luz do §1º do art. 840 da CLT

Com a nova redação dada pela Lei nº 13.467/2017, o §1º do artigo 840 da CLT passou a exigir que o pedido inicial na reclamação trabalhista seja “certo, determinado e com indicação de seu valor”. Na prática, essa inovação legislativa transfere ao trabalhador, muitas vezes hipossuficiente e sem assessoramento técnico especializado, o ônus de liquidar com precisão os valores de suas pretensões já no momento da propositura da ação.

A exigência de liquidez tem gerado preocupação entre os operadores do Direito, especialmente porque o cálculo exato de verbas trabalhistas pode depender de informações que, muitas vezes, estão exclusivamente na posse do empregador. Além disso, nem todos os trabalhadores possuem condições de contratar assessoria contábil ou jurídica previamente.

Tal obrigação impossibilitaria a apresentação de cálculos precisos, já que isso representa um custo imposto ao trabalhador sem que ela tenha obtido ainda a reparação pelos prejuízos que lhe foram causados ao longo do seu contrato de emprego, os quais busca a reparação. Essa é a realidade financeira da grande maioria dos autores nas Ações trabalhistas.

Instrução Normativa nº 41/2018 do TST e segurança jurídica

Ciente das dificuldades práticas geradas pela exigência de liquidação dos pedidos, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução Normativa nº 41/2018, que orienta os juízes do trabalho a entenderem que os valores indicados na inicial possuem natureza estimativa, não vinculando o juiz ao valor atribuído nem limitando a condenação.

A norma visa a preservar a lógica protetiva do direito do trabalho e a garantir que a Justiça do Trabalho continue sendo um espaço acessível ao trabalhador. A interpretação flexível da exigência legal proposta pelo TST busca assegurar segurança jurídica e eficiência processual, evitando o indeferimento de petições iniciais por formalidades excessivas.

Eventual afastamento da orientação do TST e a imposição literal da exigência de liquidez, sem margem para interpretação razoável, representam risco real à segurança jurídica e à função social da Justiça do Trabalho. Além disso, pode resultar em aumento de nulidades processuais, insegurança e ineficiência na tramitação dos processos em curso.

ADI 6.002 e fundamentos da inconstitucionalidade

Diante da controvérsia instalada, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 6.002, atualmente em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), da relatoria do ministro Zanin, questionando a constitucionalidade do §1º do artigo 840 da CLT.

A ADI sustenta que a imposição da liquidação prévia dos pedidos viola os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, XXXV da CF), da ampla defesa, do devido processo legal e da proteção ao hipossuficiente. Argumenta-se que a exigência cria uma barreira de acesso à justiça para grande parte da população trabalhadora, além de desconsiderar as peculiaridades da Justiça do Trabalho e a realidade social do país.

O STF ainda não julgou o mérito da ação, mas sua pendência sinaliza a necessidade de uma definição definitiva e segura acerca da compatibilidade desse dispositivo com a Constituição Federal.

O atual momento do Supremo Tribunal Federal, contudo, tem sido marcado por uma guinada interpretativa de viés mais conservador, com decisões que, em diversas ocasiões, têm restringido direitos historicamente assegurados aos trabalhadores. Esse panorama tem gerado legítima preocupação entre os operadores do direito do trabalho e, principalmente, entre os trabalhadores, que veem nessa postura uma possível ameaça ao equilíbrio da relação processual e à efetividade do princípio da proteção.

Ainda assim, permanece a expectativa de que, ao julgar o mérito da ADI 6.002, o STF reconheça a incompatibilidade do §1º do artigo 840 da CLT com a Constituição, restabelecendo a plena acessibilidade à Justiça do Trabalho e reafirmando o compromisso da corte com os valores fundamentais de justiça social, igualdade e proteção ao hipossuficiente.

Aplicação da Súmula Vinculante nº 10 do STF nas reclamações constitucionais

Enquanto a ADI 6.002 aguarda julgamento de mérito, o STF tem sido provocado a se manifestar sobre o tema por meio de reclamações constitucionais. Em recentes decisões, os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes cassaram decisões de Tribunais Regionais do Trabalho que haviam afastado a aplicação do §1º do artigo 840 da CLT sem observar o princípio da reserva de plenário.

Com base na Súmula Vinculante nº 10 do STF, os ministros entenderam que a declaração de inconstitucionalidade de norma legal só pode ser feita pelo plenário do tribunal ou pelo órgão especial, conforme estabelece o artigo 97 da Constituição. Assim, ainda que o juiz ou órgão fracionário considere a norma inconstitucional, está impedido de afastar sua aplicação sem o devido pronunciamento do colegiado competente.

Importante ressaltar que essas decisões não trataram do mérito da constitucionalidade do §1º do art. 840, limitando-se à observância da forma processual adequada. O STF, portanto, reafirmou que a discussão sobre a validade da norma deve ser realizada no âmbito do plenário, sem emitir qualquer juízo sobre o conteúdo da norma impugnada.

Considerações finais

A exigência de pedidos líquidos na petição inicial da reclamação trabalhista, nos termos do §1º do artigo 840 da CLT, revela-se incompatível com o modelo constitucional de acesso à justiça e proteção da parte hipossuficiente. A pendência da ADI 6.002 no STF demanda julgamento célere e definitivo sobre o mérito da controvérsia, para que se estabeleça um marco claro e coerente com a Constituição.

As decisões recentes dos ministros do STF em sede de reclamação constitucional reforçam a importância do respeito à reserva de plenário, mas não encerram o debate sobre a validade substancial do dispositivo legal. Por sua vez, a Instrução Normativa nº 41 do TST representa um importante freio de contenção a interpretações restritivas que, se aplicadas rigorosamente, podem inviabilizar o acesso do trabalhador ao Judiciário.

Diante disso, é imprescindível que o STF analise o mérito da ADI 6.002, reconhecendo a inconstitucionalidade do §1º do artigo 840 da CLT e reafirmando o compromisso da Constituição de 1988 com o acesso pleno à justiça e a proteção da parte vulnerável nas relações de trabalho.

Fonte: Consultor Jurídico
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