18 maio Meninas trabalham mais que meninos em casa
Meninas trabalham mais que meninos em casa
Padrão se perpetua há gerações; aparece na infância e se intensifica na adolescência.
A crise sanitária advinda da pandemia da covid-19 reforçou uma desigualdade marcante que existe dentro dos domicílios: mulheres gastam com as atividades domésticas, em especial nos cuidados com os filhos, muito mais tempo que os homens. Mas a diferença na divisão de tarefas domésticas já era significativa mesmo antes da pandemia e, a verdade, é que há muito tempo as mulheres trabalham mais que os homens nas atividades domésticas.
Os dados da Pnad Contínua indicam que, em 2019, mulheres gastavam quase o dobro de tempo que os homens em afazeres domésticos: enquanto os homens dedicavam, em média, 11 horas por semana, as mulheres dedicavam, em média, 21 horas por semana em atividades com o cuidado da casa e da família. Isso equivale a quase 68 dias a mais de trabalho por ano considerando uma jornada de 8 horas por dia.
Este é um padrão que se perpetua por gerações, que aparece ainda na infância e se intensifica na adolescência. Até os 10 anos, essas diferenças são modestas, com meninas gastando em torno de 1 hora a mais que os meninos nos afazeres domésticos (5,5 horas versus 4,5 horas). Mas essas diferenças crescem bastante à medida que as crianças chegam à adolescência. Aos 14 anos, essa diferença sobe para 3,6 horas semanais e aos 18 anos chega a 6,5 horas semanais.
Essas diferenças já foram ainda maiores. Nas duas últimas décadas, meninos e meninas reduziram significativamente o tempo gasto em atividades domésticas. Em 2001, crianças de 5 a 18 anos de idade trabalhavam 5,5 horas a mais que em 2019. As horas médias engajadas em atividades domésticas caiu quase 40% para as meninas de 5 a 18 anos no período, passando de 16 horas semanais para 10 horas semanais. Já o tempo gasto pelos meninos nessas atividades caiu em pouco mais de 20%, passando de 9 para 7 horas semanais. Como resultado, a diferença entre meninos passou de mais de 7 horas para 3 horas de trabalho doméstico por semana.
A quantidade de horas cuidando da casa e de familiares é ainda maior para famílias de baixa renda. Em média, meninas entre 5 a 18 anos que vivem em domicílios com renda domiciliar de até meio salário-mínimo per capita trabalhavam 11 horas por semana em afazeres domésticos, enquanto os meninos trabalhavam em média 7 horas semanais. Em contraste, meninas e meninos em famílias com renda domiciliar per capita de mais de 2 salários mínimos gastam cerca de 5 horas semanais com atividades domésticas, não sendo relevante a diferença entre eles.
A diferença de gênero nas tarefas domésticas, mesmo entre crianças, é observada no mundo todo. Um estudo realizado em 2018 com crianças de 12 anos em 16 países encontra que, em todos eles, as meninas gastam mais tempo com as tarefas domésticas do que os meninos1. A Unicef aponta ainda que meninas gastam 40% mais do seu tempo em atividades domésticas como cozinhar, limpar e cuidar dos membros da família do que meninos da mesma idade.
Embora alguns estudos tenham mostrado que engajar as crianças em atividades domésticas pode ajudar a formar responsabilidade e autoconfiança, se uma criança é sobrecarregada com tarefas a ponto de trabalhar um número significativo de horas por dia, isso pode prejudicar sua educação já que elas terão menos tempo para estudar. De fato, os resultados de um estudo do Partnership for Economic Policy (PEP) indicam que o trabalho doméstico – que muitas vezes não é incluído nas estatísticas sociais e não é considerado danoso – tem um efeito negativo sobre resultados educacionais das crianças.2
É importante destacar ainda que as normas de gênero criadas pela divisão desproporcional do trabalho doméstico entre meninos e meninas desde a infância podem ter consequências de longo prazo. Assumir mais responsabilidades em casa é um grande motivo para as mulheres receberem menos do que os homens e ficarem atrás dos homens em suas carreiras. Há também evidência que os filhos homens de mães que trabalham fora dedicam mais tempo cuidando da casa e dos filhos quando chegam à vida adulta e que a divisão do trabalho entre os genitores, especialmente se pais cuidam de tarefas domésticas, prediz as atitudes dos jovens adultos sobre como alocar as tarefas domésticas 3.
Isso tudo demonstra que alcançar a igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho exigirá da sociedade, não apenas preparar as meninas para o trabalho remunerado, mas também ensinar os meninos a fazerem o trabalho não remunerado. Mudar a desproporcional divisão do trabalho doméstico entre meninos e meninas é um importante passo para isso.
1. www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/21699763.2017.1307778
2. www.pep-net.org/impact-child-and-youth-work-school-performance-brazil
3. psycnet.apa.org/record/2001-16903-008
Laísa Rachter é economista e pesquisadora do FGV/Ibre
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