17 jun Ministros do STF cassam decisões sobre ‘pejotização’
Ministros do STF cassam decisões sobre ‘pejotização’
A Justiça do Trabalho já suspendeu mais de 14 mil processos sobre o tema.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem cassado decisões de juízes que desrespeitaram a ordem de suspensão das ações que discutem a contratação de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para prestação de serviços – a chamada “pejotização”. É o tema trabalhista em repercussão geral com maior número de processos no país. A Justiça do Trabalho já suspendeu mais de 14 mil casos.
Os dados constam do Painel de Gestão de Precedentes, lançado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). O assunto, tratado no Tema 1389 do STF, tem quase o dobro de ações sobrestadas em comparação ao segundo colocado, o Tema 1232, que trata da inclusão de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento de ação trabalhista.
A contratação de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas é comum em diversos setores, como representação comercial, corretagem de imóveis, saúde e entregas por motoboys, entre outros. No Tema 1.389, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratem do assunto até o julgamento de mérito. Serão analisadas, além da validade desses contratos, a competência da Justiça do Trabalho para analisar esse tipo de ação e a quem cabe o ônus da prova na alegação de fraude (ARE 1532603).
Advogados trabalhistas que defendem as empresas, no entanto, vêm reclamando do grande número de ações que cotinuaram a tramitar, apesar da ordem de suspensão. Em um caso, por exemplo, que discutia a possível ocorrência de fraude na contratação de um trabalhador como pessoa jurídica por uma empresa de tecnologia, o juízo da 45ª Vara do Trabalho de São Paulo suspendeu o andamento, mas só depois de ter realizado uma audiência no dia 15 de maio, quase um mês depois da decisão de suspensão (processo nº 1001704-11.2023.5.02.0045).
Em outros casos, foi necessário ingressar com reclamação no Supremo para garantir a suspensão do processo. Uma ação envolvendo uma clínica e um médico teve a sentença proferida em 13 de maio, também um mês depois da ordem de suspensão. A decisão foi cassada pelo ministro Dias Toffoli e a 24ª Vara do Trabalho de Porto Alegre foi obrigada a aguardar a decisão do STF (Rcl 79913).
Segundo o advogado da empresa no processo, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, do FAS Advogados, quase todos os novos casos de “pejotização” que são distribuídos na Justiça do Trabalho só são suspensos após a audiência inicial ou após tentativa de conciliação. “Os juízes tentam celebrar acordo entre as partes e, se negada a tentativa, suspendem a ação”, diz.
Esse procedimento, acrescenta, obriga as empresas reclamadas a elaborar uma defesa sem saber ao certo qual será a decisão do STF. “Além disso, se os ministros futuramente entenderem que a Justiça do Trabalho não é mais competente para julgar esses casos, a homologação do acordo perde o efeito e as empresas poderão ser autuadas pela Previdência Social por alguma discriminação de verba paga em acordo que não tenha caráter salarial”, afirma Amaral.
Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados, identifica as razões usadas pelos magistrados para justificar a continuidade dos processos. Uma delas seria a interpretação de que o caso concreto comporta distinção relevante (distinguishing) em relação à controvérsia central.
Foi o que aconteceu em outro processo levado ao STF via reclamação. Nele, uma advogada pedia nulidade de contrato verbal de prestação de serviços e o pagamento das verbas trabalhistas decorrentes de vínculo de emprego. Na 15ª Vara do Trabalho de São Paulo, o juízo entendeu que não era o caso de suspender a ação, por não se tratar de “pejotização”, apenas de nulidade do contrato verbal. Em decisão monocrática, porém, o ministro Luiz Fux explicou que o escopo da decisão de Gilmar Mendes é maior e ordenou a suspensão do caso (Rcl 80339).
Gabriella Valdambrini, advogada do caso, afirma que “todas as ações trabalhistas que discutam a nulidade de contratos civis devem ser suspensas até que o Supremo defina, de forma vinculante, tanto a competência material quanto o ônus da prova nesses casos. Isso vale independentemente de o contrato entre as partes ter sido celebrado de forma expressa ou tácita.”
A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) diz, em nota, que está acompanhando as discussões e que esse tipo de caso gera controvérsia mesmo dentro do Supremo. “Há divergência no próprio STF no que diz respeito à necessidade de se ter contrato escrito, cuja validade se discute, para que a suspensão seja imposta. Com efeito, há decisões do STF no sentido de que, não havendo contrato escrito entre a empresa contratante e o ‘pejotizado’, o processo poderia tramitar normalmente, pois não se insere na discussão que está em debate no Tema 1389”, afirma.
Mayra Palópoli também identifica outros argumentos para a continuidade dos processos: a existência de decisão definitiva anterior e o entendimento de que os atos instrutórios podem ser aproveitados, com a suspensão sendo aplicada apenas na fase decisória. “Essas condutas revelam a complexidade do tema e a margem interpretativa ainda presente no cenário jurídico. Esse contexto impõe cautela, uma vez que o simples protocolo de pedido de suspensão não representa, necessariamente, a paralisação automática do feito.”
Um caso em particular chegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A desembargadora Vânia Maria Cunha Mattos, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT-RS) foi alvo de reclamação disciplinar, instaurada de ofício, após reverter a suspensão da tramitação de dois processos e defender a competência da Justiça do Trabalho para resolver as questões de contratos civis de prestação de serviços (processo nº 002507- 71.2025.5.04.0000).
Segundo Renata Olandim, advogada do Machado Meyer, o maior problema é a incompreensão a respeito da abrangência da suspensão. “Os magistrados estão se atendo ao item 2 do acórdão de suspensão, que trata da ‘licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços’, e restringindo esse entendimento aos casos de pejotização.”
Ela explica, no entanto, que no acórdão que definiu a repercussão geral da matéria, o ministro deixou claro que a abrangência da questão era, em outras palavras, todos os contratos de prestação de serviços que não fossem no modelo da Uber, que já está sendo discutido em outro recurso (RE 1446336).
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