03 maio Mortes em acidente de trabalho podem ser o dobro da estatística oficial
Mortes em acidente de trabalho podem ser o dobro da estatística oficial
Diferença ocorre porque informais não entram na conta do INSS e subnotificação de ocorrências é grande. RS é Estado com mais casos em relação a total de empregados.
Nos últimos dez anos, ao menos 50 mil pessoas podem ter morrido em acidentes de trabalho no Brasil. Apesar de dados oficiais falarem em quase 23 mil mortos entre 2012 e 2021, especialistas argumentam que essas cifras contabilizam apenas trabalhadores do mercado formal e estimam que os números reais sejam mais do que o dobro. As estatísticas são altas também para acidentes de trabalho, que vêm pressionando os gastos da Previdência e com saúde.
Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) compilados pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, uma iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), mostram que na última década, 22.954 pessoas morreram em acidentes de trabalho no Brasil. No período, foram registradas 6,2 milhões de comunicações de acidentes de trabalho (CATs) ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O pesquisador René Mendes, vinculado ao Instituto Saúde e Sociedade (ISS) da Unifesp e coordenador da Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores, afirma, contudo, que o número absoluto de mortes por acidente de trabalho é no mínimo duas vezes o registrado pelo INSS.
“Desde o ano 2000, são mais de 2.500 mortes em acidentes de trabalho por ano. Mas, se incluirmos também a população não coberta pela Previdência, esse número deve ser pelo menos o dobro e teríamos ao redor de 5.000 mortes anuais na última década”, afirma.
“Essa é uma estimativa. Os números da Previdência são uma fração do universo da população economicamente ativa. Há também os informais e outras categorias que não são contempladas por essas estatísticas da Previdência, como autônomos, servidores públicos, militares. Por isso digo que a estimativa é que o número de mortes é, no mínimo, o dobro”, diz.
Consultado pelo Valor, o INSS disse por meio de sua assessoria, que não dispunha de porta-voz para falar sobre o tema e sugeriu à reportagem um contato com o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Marcia Kamei Lopez Aliaga, procuradora regional do MPT, acredita que as cifras reais podem chegar ao dobro porque os informais não entram na conta do INSS e porque a subnotificação de ocorrências é grande.
Ela argumenta, no entanto, que mesmo os números oficiais já são alarmantes, porque acidentes de trabalho são evitáveis. “Temos pesquisa, conhecimento o suficiente para que uma parcela considerável deles fosse evitada. Se analisarmos os dados por tipo de lesões, veremos que são frequentes fraturas, amputações, o que é absurdo”, argumenta. “Isso ocorre porque o Brasil tem dificuldade para lidar com proteção com máquinas, encontra resistência no setor empresarial e às vezes do próprio trabalhador ou de sindicatos, quando focam mais nas demandas salariais e menos na prevenção.”
Mendes lembra que nos últimos 50 anos houve queda do número absoluto de mortes no trabalho. No entanto, de 20 anos para cá, esse número tem se mantido estável. Com isso, o Brasil tem hoje média anual de 7,4 mortes por cada 100 mil habitantes, segundo dados mais recentes disponibilizados pela OIT. Os vizinhos Argentina e Chile têm 3,7 para cada 100 mil e 3,1 por 100 mil, respectivamente.
Dentre aqueles com menor taxa estão Finlândia, com 1,4 morte por cada 100 mil, e Alemanha, com 1. Dos que registram mais óbitos estão Armênia, com 13,6 mortes por 100 mil, e Uzbequistão, com 8,1.
“Nenhuma morte causada pelo trabalho deveria ser considerada normal. Reduzimos os registros nos últimos 50 anos, mas o Brasil tem mantido taxas muito elevadas nas últimas duas décadas”, afirma.
Segundo dados do INSS compilados pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, entre 2012 e 2021, o INSS concedeu 2,5 milhões de benefícios previdenciários, como auxílios-doença e auxílios-acidente. No período, o gasto previdenciário com acidentes ultrapassou os R$ 120 bilhões.
Em 2021, o número de benefícios para acidentados cresceu 212%, em relação a 2020. Passou de 72.367 em 2020 para 153.333 no ano passado. Em 2019, antes da pandemia, foram 195.841.
Parte do crescimento no ano passado é explicada pela pandemia. Em 2020, com a atividade econômica reduzida, o número de acidentes caiu. Mas com a retomada da economia, as cifras também voltaram a crescer.
Parte do crescimento no ano passado é explicada pela pandemia. Em 2020, com a atividade econômica reduzida, o número de acidentes caiu. Mas com a retomada da economia, as cifras também voltaram a crescer.
“A pandemia impactou, mas não trouxe um problema novo. Vemos setores que já eram mais afetados antes sendo novamente impactados pela pandemia. Isso mostra que continuamos a ter problemas estruturais”, diz Marcia.
De 2012 a 2021, os setores econômicos com mais notificações de acidentes de trabalho foram: atividades de atendimento hospitalar (10%), comércio varejista (4%), abate de suínos, aves e outros pequenos animais (2%), transporte rodoviário de carga (3%), construção de edifícios (2%).
Quando são analisados acidentes com mortes, o setor de transporte rodoviário lidera, respondendo por 11% dos casos nos últimos dez anos, seguido por construção de edifícios (4%) e construção de rodovias e ferrovias (2%).
As lesões mais frequentes nesses últimos dez anos foram corte e ferida (21%), fratura (18%), contusão e esmagamento (15%). Nas ocorrências, o dedo foi a parte do corpo mais atingida (24%), seguido por pé (8%), mão (7%) e joelho (5%).
Máquinas e equipamentos foram o principal grupo de agentes causadores, respondendo por 15% dos casos de acidentes de trabalho. Em seguida vieram agente químico (13%) e queda do mesmo nível (13%), veículos de transporte (12%) e agente biológico (12%).
Máquinas e equipamentos foram o principal grupo de agentes causadores, respondendo por 15% dos casos de acidentes de trabalho. Em seguida vieram agente químico (13%) e queda do mesmo nível (13%), veículos de transporte (12%) e agente biológico (12%).
“Os gastos são preocupantes. Tivemos número reduzido pela queda da atividade econômica no período, mas quando retornamos voltamos ao patamar anterior, com setores em situação pior do que antes”, diz Marcia.
O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, que contempla os setores formal e informal, mostram que o número de acidentes passou de 244 mil em 2020 para 282 mil em 2021. Mas nem todos os acidentes são notificados ao Sinan, pois para isso precisam ser registrados como acidentes de trabalho.
O Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho mostra ainda que em 2020 e 2021, os dois primeiro anos de pandemia, foram registradas 33 mil CATs e 163 mil afastamentos por casos de covid-19. Dentre as ocupações mais frequentemente informadas nas comunicações estão técnicos de enfermagem (35% das ocorrências), enfermeiros (12%), auxiliares de enfermagem (5%), faxineiros (3%).
Nesses dois anos, as ocupações que mais sofreram afastamentos por covid-19 foram faxineiro, motorista de caminhão, técnicos de enfermagem, vendedor de comércio varejista, trabalhadores de linha de produção, auxiliares de escritório e motoristas de caminhão.
No período, o total de auxílios-doença concedidos por depressão, ansiedade, estresse e outros transtornos mentais e comportamentais continuaram em patamar elevado e semelhante à média dos cinco anos anteriores, de cerca de 200 mil concessões por ano.
RS é Estado com mais casos em relação a total de empregados
Menores taxas de acidentes de trabalho ocorreram no Nordeste.
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Espírito Santo são os Estados com maior número de acidentes de trabalho notificados em relação ao número de trabalhadores expostos no ano informado, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mais recente, compilados pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho.
Os números são de 2020 e levam em conta o total de vínculos existentes no último dia do ano.
Naquele ano, o Brasil registrou 118 acidentes de trabalho por cada 10 mil trabalhadores. O Rio Grande do Sul foi o Estado com mais notificações – 154 casos para cada 10 mil. Mato Grosso veio em segundo, com 150 por cada 10 mil, seguido por Espírito Santo (148) e Mato Grosso do Sul (146).
Em seguida veio Santa Catarina (136), Paraná (126) e São Paulo (125). As menores taxas ocorreram no Nordeste – Pernambuco registrou 74 casos, Bahia, 73, Piauí, 51.
Quando analisados os casos monitorados pela Vigilância em Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, contudo, São Paulo aparece como o Estado onde ocorreram mais episódios.
Foram 36.324 notificações relacionadas ao trabalho no Estado do Sudeste, do total de 210,8 mil em todo o Brasil, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Os dados são de 2020 e levam em conta o monitoramento do Ministério da Saúde.
Rio Grande do Sul vem em segundo lugar, com 35.408, Minas Gerais, em terceiro (23.945) e Paraná, em quarto (21.582).
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