09 jun Multa do 477, §8º da CLT, pode ser incontroversa? Tema 26 do TRT-3
Multa do 477, §8º da CLT, pode ser incontroversa? Tema 26 do TRT-3
Recentemente, participei de uma breve discussão em audiência trabalhista acerca da possibilidade de a multa prevista no artigo 477, § 8º da CLT ser considerada incontroversa, especialmente nos casos de rescisão indireta. Curiosamente, em julho de 2025, completará um ano o trânsito em julgado do Tema 26 do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), que pacificou o entendimento sobre a matéria.
Inicialmente, para as considerações, necessário retomarmos o que prevê o artigo 477, em seu parágrafo 8º:
Art. 477. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo.
6º A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.
8º – A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
Ou seja, como regra, todo e qualquer atraso no pagamento das verbas rescisórias/entrega de documentos enseja a aplicação da multa prevista no § 8º, salvo se for o trabalhador quem tiver dado causa à mora, como nos casos de recusa reiterada em comparecer, desídia ou conduta semelhante.
Vale lembrar que a rescisão indireta é a modalidade de ruptura contratual em que o empregado considera seu contrato de trabalho rescindido em razão de faltas graves praticadas pela empresa.
Lembre-se que a rescisão indireta corresponde à modalidade de extinção contratual em que o empregado considera rescindido o contrato de trabalho em virtude de faltas graves praticadas pela empresa. Essa previsão se encontra no artigo 483 da CLT, que dispõe:
Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
§ 1º – O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º – No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
§ 3º – Nas hipóteses das letras “d” e “g”, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.
Possibilidades de rescisão indireta
As hipóteses mais comuns de rescisão indireta residem na alínea ‘d’, em razão da multiplicidade de obrigações contratuais do empregador, essenciais à manutenção do vínculo de emprego e da confiança recíproca.
A partir da demanda apresentada, a parte reclamada pode adotar diferentes teses defensivas. Quando há um lapso superior a 30 dias desde o último dia trabalhado, é comum o argumento de abandono de emprego, com alegação de justa causa. Outras vezes, sustenta-se que o próprio reclamante teria pedido demissão.
Essas teses são centrais para a análise da aplicabilidade da multa do artigo 477, § 8º. Isso porque, ao admitir a extinção contratual — ainda que por justificativas distintas —, o empregador passa a ter o dever de pagar, no prazo legal de dez dias, as verbas rescisórias da modalidade que admite (justa causa ou pedido de demissão), sob pena de incidência da multa.
Segundo o CPC:
Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se:
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I – mostrar-se incontroverso
Prazo no pagamento de verbas rescisórias
Ou seja, ao reconhecer a ruptura contratual, a empresa admite, ainda que de forma reflexa, a obrigação de realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo legal — ou, alternativamente, depositá-las em juízo, evitando-se, inclusive, a cominação do artigo 467 da CLT.[1].
Ocorre que nem sempre a empresa admite a ruptura contratual, alegando um dia específico para o fim do vínculo. E nesses casos, talvez faria sentido a não aplicação da multa do artigo 477.
Independentemente do que era disposto na contestação, alguns juízes e turmas julgavam improcedentes de plano o pedido de aplicação de multa do art. 477 da CLT, sob a fundamentação que seria incabível na modalidade de rescisão indireta:
MULTA DO ART. 477 DA CLT. RESCISÃO INDIRETA. A multa prevista no § 8° do art. 477 da CLT somente se justifica se as verbas rescisórias constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação forem pagas após os prazos previstos no § 6º do mesmo artigo, não se aplicando quando a rescisão do contrato é declarada judicialmente.
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010377-21.2024.5.03.0021 (ROT); Disponibilização: 30/04/2025; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator(a)/Redator(a) Ricardo Antonio Mohallem)
No caso acima, apesar da ementa indicar inaplicabilidade da multa, o relator deferiu seu pagamento, tendo em vista o entendimento do Tema 26, já aplicável no momento de julgamento. Antes, prevalecia o entendimento de que, nos casos de rescisão indireta reconhecida judicialmente, a multa seria indevida.
Outros julgados nesse sentido:
i) RESCISÃO INDIRETA. MULTA DO ART. 477 DA CLT. INDEVIDA . A multa do § 8º do art. 477 da CLT é devida quando descumprido pelo empregador um dos prazos a que aludem as alíneas a e b do parágrafo § 6º do citado dispositivo legal para o pagamento das verbas resilitórias e homologação do acerto rescisório. O reconhecimento em juízo da rescisão indireta do contrato de trabalho, com a fixação da data do término do pacto laboral, afasta a aplicação da multa aludida por inexistir mora do empregador. ARTIGO 467 DA CLT. RESCISÃO INDIRETA. INCOMPATIBILIDADE. A penalidade prevista no art. 467 da CLT mostra-se incompatível com a rescisão indireta, porquanto sua incidência é estritamente sobre verbas rescisórias, as quais não existiam na primeira audiência e somente passaram a ser exigidas após o provimento jurisdicional que reconheceu o encerramento do vínculo. (TRT-3 – RO: 00105859820205030003 MG 0010585-98.2020.5.03 .0003, Relator.: Paulo Roberto de Castro, Data de Julgamento: 24/11/2021, Setima Turma, Data de Publicação: 25/11/2021.)
ii) RESCISÃO INDIRETA. MULTA DO ART. 477, PARÁGRAFO 8º, DA CLT. O reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho afasta a incidência da multa prevista no art . 477, parágrafo 8º, da CLT, porquanto não se pode reputar em mora o empregador que somente toma conhecimento das verbas rescisórias devidas quando a ruptura contratual é reconhecida judicialmente. (TRT-3 – RO: 00105259220215030035 MG 0010525-92.2021.5 .03.0035, Relator.: Leonardo Passos Ferreira, Data de Julgamento: 10/03/2022, Decima Primeira Turma, Data de Publicação: 10/03/2022.)
Nos dois casos, a defesa foi inconsistente: i) o empregador não fixou data de término nem assumiu modalidade válida de ruptura contratual; ii) os reclamados alegavam simultaneamente inexistência de ruptura (a ser fixada em juízo) e abandono de emprego. Percebe-se então que o indeferimento de aplicação da referida multa efetuava-se de maneira “proforma”, automaticamente, nos casos de rescisão indireta.
Divergência nos tribunais
Por outro lado, algumas turmas do TRT-3, julgavam como devido o pagamento mesmo diante do pedido ser de rescisão indireta. Em vista dessas divergências, instaurou-se o IRDR nº 0013912-21.2024.5.03.0000, Tema 26, para pacificar a controvérsia. Até então, o TRT-3 estava dividido: as Turmas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 8ª, 9ª e 10ª posicionavam-se contra a multa nos casos de rescisão indireta; enquanto as Turmas 1ª, 6ª, 7ª e 11ª a admitiam.
As teses conflitantes eram:
- INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). TEMA N. 26. RESCISÃO INDIRETA. MULTA PREVISTA NO § 8º DO ART. 477 DA CLT. APLICABILIDADE. É aplicável a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, quando reconhecida em juízo a rescisão indireta do contrato de trabalho.
- INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). TEMA N. 26. RESCISÃO INDIRETA. MULTA PREVISTA NO § 8º DO ART. 477 DA CLT. INAPLICABILIDADE. É inaplicável a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, quando reconhecida em juízo a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Em razão do entendimento do TST, prevaleceu o entendimento pela aplicabilidade da multa, mesmo nos casos de reconhecimento judicial da rescisão indireta. A uniformização visa evitar o aumento de recursos de revista, respeitando a jurisprudência da Corte superior e almejando a segurança jurídica.
A decisão referência do TST para pacificar a matéria foi a seguinte:
EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT. VERBAS RESCISÓRIAS RECONHECIDAS EM JUÍZO. CABIMENTO. Discute-se se é aplicável a multa prevista no artigo 477, § 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho na hipótese em que a controvérsia em relação às verbas rescisórias somente foi dirimida por meio de decisão judicial. Trata-se de demanda ajuizada por trabalhador portuário, em que a controvérsia instaurada nos autos decorreu do debate sobre ser ou não a aposentadoria espontânea causa extintiva do contrato de trabalho, a justificar o não pagamento do aviso prévio e da multa de 40% do FGTS, parcelas devidas nas dispensas sem justa causa, mas, neste caso, não quitadas pela reclamada por ocasião da rescisão contratual. A Turma não conheceu do recurso de revista da reclamada, por entender que o fato gerador da multa em questão é a inobservância do prazo para o pagamento das verbas rescisórias, previsto no § 6º do artigo 477 da CLT, ressalvada a hipótese em que o próprio trabalhador der causa à mora. À luz da jurisprudência desta Corte, ante o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 351 da SbDI-1, aplica-se a citada penalidade, ainda que exista controvérsia acerca de parcelas controvertidas e da própria relação de emprego, conforme o teor do § 8º do artigo 477 da CLT, uma vez que, nos precisos termos desse preceito de lei, apenas quando o trabalhador der causa à mora no pagamento das verbas rescisórias, não será devida a multa, o que não se verifica neste caso. Desse modo, aplica-se a aludida penalidade, ainda que existam parcelas salariais controvertidas. Diante do exposto, fica superada a alegação de dissenso de teses, ante a jurisprudência iterativa, notória e atual desta Corte uniformizadora, nos termos do artigo 894, inciso II, da CLT. Precedentes. Embargos não conhecidos. (E-ED-RR-59200-02.2006.5.17.0010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 10/12/2021).
A interpretação do artigo 477, § 8º, da CLT, portanto, é no sentido de que a multa só não é devida se comprovada a culpa do trabalhador pela mora. Assim como nos casos de reconhecimento judicial da relação de emprego, o reconhecimento da rescisão indireta não obsta sua incidência.
Assim, apesar de entendimentos divergentes ainda existirem, hoje é possível afirmar que, à luz da jurisprudência do TST e do TRT-3, a multa do artigo 477 pode sim ser considerada verba incontroversa, sobretudo quando a reclamada admite a ruptura contratual em qualquer modalidade.
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Fontes
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Tema n. 26 de IRDR. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 4001, 26 jun. 2024. Caderno Judiciário, p. 1348-1351.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho: aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
TST. E-ED-RR-59200-02.2006.5.17.0010, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 10/12/2021.
[1] Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinquenta por cento”
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