Não ‘CPCizemos’ o processo do trabalho! Da concessão do IDPJ como ação autônoma e não mero incidente

Não ‘CPCizemos’ o processo do trabalho! Da concessão do IDPJ como ação autônoma e não mero incidente

Publicado em 22 de abril de 2025
Por Marcos Neves Fava

O processo do trabalho sempre manteve posições peculiares, que lhe garantem autonomia científica e normativa, frente ao processo comum, em que pese a necessidade de suplementação de algumas regras, por incidência subsidiária, primeiro da Lei dos Executivos Fiscais, depois do próprio Código de Processo Civil, com a chave redutora da expressão “exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título”.

É dizer, a supletividade, tanto de um, quanto de outro instrumento normativo, depende de compatibilidade principiológica.

Os números indicam inexistir, no Judiciário brasileiro, algum órgão que melhor execute suas sentenças, do que a Justiça do Trabalho, não porque seus juízes sejam extraterrestres, mas porque ela dispõe de um processo mais ágil, menos ensimesmado, não formal, nem apegado a regras com fim em si próprias. Um processo instrumental que tem por objetivo a efetividade de suas medidas.

Não por outro motivo, a fase de execução é abreviada, extrai-se dela que apenas mediante garantia o devedor pode defender-se, a matéria disponível para a defesa é restrita, não havendo controvérsia, desde logo é possível avançar-se para a expropriação e o recurso cabível tem por requisito específico a delimitação do valor controvertido, para que desde pronto se revele definitiva a parte dos valores não mais atingida por litígio concreto.

Dessas peculiaridades, nascem, ainda, providências que tendem a tornar o processo menos burocrático, mais célere e sem que se percam as garantias constitucionais fundamentais do processo civil.

Pagamento de emolumentos

Em que pese a natureza jurídica de ação dos “embargos de terceiro”, a CLT prevê pagamento de emolumentos para sua interposição, como de mero incidente da execução, como se extrai do artigo 789-A, V, pois que, fosse ação propriamente dita e autônoma, a regra de custas seria identificada no capítulo das ações de conhecimento, na Consolidação.

Nesse cenário, o CPC de 2015 instituiu o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que foi, depois, inserido como obrigatório pela Consolidação das Leis do Trabalho reformada em 2017, verbis do artigo 855-A:

“Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil

De forma econômica, o CPC regula o procedimento aplicável, com o que deixa claro tratar-se de mero incidente, sem referir-se a formalidades da petição, autuação em apartado ou outra exigência, inclusive de custas prévias, regra no processo comum.

Não se tem longe da vista, que desse incidente, como de qualquer outro na execução, surjam efeitos de coisa julgada material, o que ocorre, por exemplo, com os já mencionados embargos de terceiro. Isso, entretanto, não formaliza esse incidente como ação realmente autônoma.

Apenas parcela da jurisprudência comum, erigida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, admite esse formalismo:

“(…) apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, instaurado na pendência do processo, não tem natureza de mero incidente processual. Ordinariamente, incidentes processuais são desdobramentos do processo com a finalidade de resolver questões processuais secundárias e acessórias, tal como ocorria com os extintos incidentes de exceção de incompetência relativa, de impugnação ao valor da causa e de impugnação à gratuidade de justiça. Diversamente, o requerimento de desconsideração da personalidade representa exercício de pretensão e, portanto, dá ensejo a uma demanda incidental e não a um mero incidente. Há partes – inclusive com ampliação subjetiva do processo -, causa de pedir e pedido. Além disso, a decisão aplicará regras de direito material e produzirá efeitos na esfera jurídica dos envolvidos, determinando, se procedente, a responsabilidade de alguém por dívida alheia. Ainda, como se trata de questão de mérito resolvida em cognição exauriente, haverá produção de coisa julgada material” (STJ, REsp. 1.925.959, julgado em 12/09/2023)

Note-se que há decisões, predominantes, em outro sentido:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE Documento: 110269942 – INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. VERBA HONORÁRIA. DESCABIMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Conforme entendimento da Corte Especial do STJ, em razão da ausência de previsão normativa, não é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados os casos excepcionais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1834210/SP, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe 6/12/2019)

Ação integralmente autônoma

Considerar ação integralmente autônoma, embora conecta, importa, no mínimo, exigir-se citação para audiência UNA (procedimento ordinário trabalhista) e ampliar a recorribilidade do incidente até o recurso extraordinário, o que, para as decisões em fase de execução, no processo do trabalho, é restritíssimo. Apenas por violação direta à Constituição, admite-se o extraordinário, in casu, o recurso de revista, em fase de execução. Com a ampla concepção de que, embora o legislador tenha dito incidente a jurisprudência queira dizer ação, o processo torna-se mais complexo, mais lento, menos útil ao fim colimado para sua existência, que é o de dar a cada um o que é seu.

No espaço do Superior Tribunal de Justiça e para tratar das questões privatísticas, patrimoniais e não alimentares, que dominam o processo comum, o prejuízo não é expressivo, embora exista. Admitir essa visão para o processo do trabalho causa dano estrondoso, como surge, às vezes, na jurisprudência regional:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA. “Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica tem natureza jurídico de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido” (STJ, REsp. 1.925.959, julgado em 12/09/2023). Recurso provido TÍTULO EXECUTIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE. TERCEIRO. “O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento” (§ 5º do art. 513 do CPC). Logo, pretendendo imputar a responsabilidade pelo pagamento do débito certificado em demanda judicial a uma terceira pessoa ainda não condenada deve o credor (por iniciativa própria) propor a respectiva demanda de conhecimento (de reconhecimento de responsabilidade por débito de terceiro), podendo adotar o procedimento da ação incidental de desconsideração da personalidade jurídica. Por ser uma ação judicial, ainda que proposta incidentalmente, descabe ao juiz, de ofício, provocar essa demanda condenatória, seja ab initio, seja incidentalmente, ainda que o credor atue no exercício do jus postulandi. Recurso provido. (relator Edilton Meireles de Oliveira Santos, 0000130-22.2018.5.05.0122, Diário de Justiça de 14 de março de 2025).

Correta, de um lado, a vedação de instauração ex officio, porque apenas o exequente deve escolher a quem processa, mas exagerada e insustentável, do ponto de vista da fenomenologia, aplicar essa regra na hipótese do exercício direto do jus postulandi. É esperar que o trabalhador, exequente em regra no processo do trabalho, conheça processo civil, para arguir a ação incidental de desconsideração da personalidade jurídica. Também por tal motivo, não se deve conceber o IDPJ como ação autônoma, pois o mero incidente pode ser, excepcionalmente, instaurado ex officio.

Distinções entre sistemas jurídicos

As distinções entre os sistemas jurídicos de proteção comum e trabalhista residem em boa doutrina, como se exemplifica pela autorizada lição do mestre baiano Coqueijo Costa:

“O  desequilíbrio  dos  sujeitos  no  processo  do  trabalho  impõe  a  especialização  deste processo,  como  consequência  das  peculiaridades  do  conflito  individual  de  trabalho, para corrigir tal desequilíbrio. Daí, os princípios da gratuidade, da inquisitoriedade, da celeridade,  da  proteção  (‘in  dubio  pro  operário’)  da  imediatidade,  da  oralidade  e  da simplicidade” (1986, p. 19). COSTA, Carlos Coqueijo.  Direito Processual do Trabalho.  3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 198

Com todas as ressalvas possíveis, o próprio CPC de 2015 tem função de constitucionalização do processo, incompatível com o agravamento formalista de procedimentos que a lei diz serem simples. De tal perspectiva, até a instauração do IDPJ por iniciativa do juiz é passível de ser admitida, fora do exercício direto do jus postulandi:

“De outra banda, a doutrina e a jurisprudência não podem, sic et simpliciter, ignorar o fato de que o CPC/2015 veio à lume com o propósito de atingir o modelo constitucional do processo, ou seja, propiciar a participação democrática das partes na construção das soluções processuais, à luz dos princípios do devido processo legal, da duração razoável do processo e da celeridade do processo. Vale dizer, o NCPC deve ser lido em consonância com a CLT de forma a ser atendido o preconizado pela CF/1988. De tudo o que foi dito, se pode afirmar que estando o reclamante satisfatoriamente assistido por advogado, é de se supor que ninguém mais do que o próprio credor esteja ciente da real situação financeira do devedor e da prática de atos tendentes a fraudar credores ou a execução, porquanto, quase sempre, está a própria parte muito mais rente a realidade dos fatos do que o juiz. Assim, no silêncio do reclamante, presume-se que não esteja o devedor praticando atos que justifiquem a desconsideração da personalidade jurídica, cujo pedido, aliás, deve ser suficientemente fundamentado com fincas no art. 50 do CC/2002, sob pena de inépcia. (Art. 840, § 1º da CLT c/c o art. 330, I, § 1o , I do CPC/2015.). Por outro lado, estando o reclamante, na fase executória, desacompanhado de advogado, ou na hipótese em que este não diligencie razoavelmente pelo andamento da execução, mesmo quando provocado a tanto, não se pode falar aí em paridade de armas entre as partes. Assim, os princípios da isonomia e da segurança jurídica – art. 5º, caput e incs. I, XXXIII e XXXVI e 6º da CF/1988 – recomendam que o juiz do Trabalho instaure, de ofício, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ex vi dos arts. 765 e 878 da CLT”. (Prata, Marcelo Rodrigues. “O Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no CPC de 2015 e seus reflexos no processo de execução trabalhista”in Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, Ano VI | nº8 | Janeiro 2017)

‘CPCizar’ o processo do trabalho

O Tribunal Superior do Trabalho, ao regulamentar administrativamente a matéria, por meio da consolidação dos provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, adotou a seguinte orientação:

Artigo 97. “Não sendo requerida na petição inicial, a desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 855-A da CLT será processada como incidente processual, tramitando nos próprios autos do Processo Judicial Eletrônico em que foi suscitada, vedada sua autuação como processo autônomo, tanto nas unidades de 1º como nas de 2º graus da Justiça do Trabalho”.

Indica, com clareza, cuidar-se de mero incidente, não de ação autônoma conexa.

Não há motivo para “CPCizar” o processo do trabalho, que dá aulas de efetividade ao processo comum, ainda depois das reformas dos anos 2000 e do próprio CPC de 2015.

Sigamos com a fronte erguida, no exercício de um processo mais efetivo, na busca da entrega do direito reconhecido em sentença, com firmeza para afastar os obstáculos (que já não são poucos) e mostram desnecessária a criação de formalidades não previstas em Lei.

Francis Hime, com talento inegável, lembrava, em Pau Brasil, que uma maçã “é uma maçã, é uma maçã, é uma maçã”. Assim também, incidente é incidente, que se transforma em ação apenas para estimular a estratégia de quem, sabendo-se devedor, posterga a chegada da Justiça à sua porta.

Fonte: Consultor Jurídico
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