O mundo sombrio da “vigia digital” no trabalho

O mundo sombrio da “vigia digital” no trabalho

Publicado em 13 de fevereiro de 2023
Por Pilita Clark

A colunista Pilita Clark fala sobre as diversas finalidades, para o bem e para o mal, dos aplicativos para o monitoramento de funcionários.

Ao longo de sete dias deste mês, o CEO de uma empresa internacional trabalhou mais de 57 horas, uma média de oito horas por dia. Ele dormiu quase o mesmo número de horas. Familiares e amigos receberam magras 17 horas de seu tempo e ele dedicou míseras três horas para relaxar e se divertir. Sei de tudo isso porque o CEO em questão é Kamil Rudnicki, 34, que optou por revelar isso no LinkedIn. Foi bem apropriado, já que Rudnicki é o fundador da TimeCamp, empresa que criou em seu país natal, a Polônia, para vender o que chama de software de rastreamento de tempo e o que o restante de nós chama de “spyware” no local de trabalho ou ainda “bossware” ou “tattleware”.

Esses aplicativos do tipo “Grande Irmão” podem monitorar os sites visitados pelos funcionários e os programas usados. Dessa forma, podem comparar, por exemplo, quanto tempo eles gastam no Twitter ou no Excel – mesmo se eles estiverem trabalhando em casa. Alguns aplicativos também podem registrar as teclas digitadas e a localização dos funcionários ou fazer capturas da tela que eles estão vendo.

Neste mês, a empresa de Rudnicki ganhou várias manchetes, quando um tribunal cível no Canadá decidiu que uma contadora devia ao antigo empregador mais de US$ 2 mil, depois de a TimeCamp ter mostrado que ela havia cometido “roubo de tempo”

A contadora havia contabilizado pouco mais de 50 horas de trabalho que, segundo seu empregador, não pareciam ter sido usadas em “tarefas relacionadas ao trabalho”. Ela protestou que havia passado muito tempo trabalhando com documentos de clientes em papel, o que não teria sido contabilizado pelo software da TimeCamp.

Os chefes dela argumentaram que a TimeCamp pôde mostrar o tempo gasto por ela imprimindo e que os dados revelaram que ela não poderia ter impresso a grande pilha de documentos necessária para que trabalhasse sem o computador por tanto tempo. Além disso, ela precisaria ter transferido, para o computador da empresa, o trabalho que supostamente fez desconectada do sistema, e a TimeCamp mostrou que ela não tinha feito isso.

Parece ter sido uma vitória para o spyware contra os seres humanos, o que me fez pensar como a TimeCamp se sente a respeito de seu papel nessa era de vigilância do trabalhador. Sente-se de uma forma ambígua, foi a impressão que tive ao falar com Rudnicki, da TimeCamp.

No lado positivo, o caso da contadora canadense impulsionou os negócios de sua empresa, cujos 50 funcionários atendem a cerca de 4 mil clientes em setores como os de software, consultoria e serviços profissionais.

“Para nós, é uma boa publicidade”, diz, explicando que os pedidos de demonstração para clientes do software da TimeCamp quase dobraram após a notícia. Porém, ela também amplificou a preocupação com esse tipo de software que, segundo reitera Rudnicki, nem sempre é usado da maneira sinistra que a maioria imagina.

A TimeCamp, às vezes, ajuda os funcionários a provarem que trabalharam horas extras não remuneradas, diz. Além disso, a maioria dos clientes usa o software para monitorar o trabalho realizado em projetos específicos, para que possam mostrar aos clientes quantas horas esses trabalhos levaram para serem feitos. Outras empresas o usam para verificar se um computador foi usado ou não, em vez de registrar todos os sites visitados. Em alguns lugares, é exigido que os funcionários sejam informados se o software será usado.

Os colaboradores da TimeCamp têm o software do grupo, o que permitiu a Rudnicki criar uma lista das milhares de horas produtivas que sua equipe passou no Google Docs, no Gmail e assim por diante. E também permitiu revelar que ele foi o segundo maior usuário do Twitter da empresa neste mês. “Não almejamos ter 100% de produtividade”, diz. “Não é saudável.”

Isso é um alívio. Também é um alívio Rudnicki ter confirmado que as pessoas inventaram truques para enganar o software de rastreamento de tempo, como dispositivos que movimentam o mouse para parecer que está em uso. Ou que usam o truque, não tão tecnológico, de colocar uma xícara de café em alguma das teclas para que ela fique constantemente pressionada.

Achei a notícia muito animadora. A ideia de estar sob constante vigilância digital é terrível e me sinto feliz por ter me livrado disso até agora. Para aqueles que não conseguiram, espero que possam mudar de vida ou encontrar uma maneira de tornar a vida monitorada menos penosa. E, no meio tempo, lembre-se do truque da xícara.

Fonte: Valor Econômico
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