16 jan O que fazer para mudar de país na própria companhia
O que fazer para mudar de país na própria companhia
Sinalizar ao gestor a vontade de ter uma experiência internacional pode ser um começo. Saiba como funcionam os programas de expatrição em grandes empresas.
Há cinco meses, Priscila Fins fez as malas e se mudou para Amsterdã, na Holanda, para ocupar o cargo de gerente sênior de inovações globais na Heineken. Ela, que entrou na empresa como estagiária, optou por encerrar seu vínculo com a operação no Brasil e iniciar uma nova relação com a unidade holandesa da companhia. “Eu já estava na empresa há doze anos e sentia que tinha explorado bastante as marcas. Queria ter a experiência de viver uma nova realidade, com outro olhar”, conta.
Ter uma carreira internacional é o anseio de muitos profissionais. Enquanto alguns procuram vagas em organizações fora do Brasil, outros como Fins enxergam na possibilidade de expatriação ou de transferência para outro país pela companhia onde trabalham, uma oportunidade para colocar esse desejo em prática.
Fins conta qual caminho percorreu até chegar a um cargo no exterior. Ela diz que aproveitou uma das conversas de acompanhamento com seu gestor para sinalizar sua vontade. Então, no final de 2021 surgiu a vaga internacional. “Passei por um longo processo seletivo de entrevistas, fui aprovada em junho do ano passado e me mudei em agosto”, detalha.
A Heineken disponibiliza uma plataforma na qual os funcionários têm acesso às posições em aberto em todo o mundo. Atualmente, a empresa têm 35 expatriados, entre estrangeiros no Brasil e brasileiros no exterior, e 16 funcionários do Brasil transferidos em definitivo para outro país em cargos de especialistas, coordenadores, gerentes e diretores, de quase todas as áreas. Após a pandemia, a companhia passou a realizar também expatriações virtuais, nas quais os profissionais trabalham do Brasil para unidades no exterior. Atualmente, 8 pessoas atuam nesse formato.
Andrea Bianchi, diretora de desenvolvimento organizacional de pessoas do grupo Heineken, explica que no início, o programa de expatriação era focado em trazer a cultura e a expertise da operação global para cá. No entanto, o fluxo acabou se invertendo e, segundo ela, o Brasil tem exportado mais talentos do que recebido. “Atualmente, 88% de todos os movimentos da nossa operação são de brasileiros apoiando outro escritório, seja presencial ou virtualmente”, pontua.
Outra empresa que oferece algo semelhante é a P&G. Nela, a expatriação acontece de duas formas: pelo interesse por parte do funcionário e quando surgem vagas externas por demanda da própria empresa. Também existe a possibilidade de transferência para outra localidade por tempo indeterminado. Nesse caso, o profissional quebra o vínculo com o Brasil e passa a ser funcionário do país de destino.
No geral, o programa de expatriação dura de três a seis anos, e o país de origem é responsável por garantir uma posição quando a pessoa retornar. “Essa é uma oportunidade para os profissionais terem uma experiência em outra unidade de negócios e trabalharem com marcas, funções corporativas e processos diferentes”, diz Laura Furini, diretora de RH da P&G, que já foi expatriada.
Furini trabalhou por dois anos no México, considerado no levantamento ‘Expart Insider”, da plataforma InterNations, como o melhor país para expatriados em 2022. Segundo a pesquisa, 91% dos que foram trabalhar lá estão satisfeitos porque contaram com facilidades para se estabelecerem e desenvolverem relações pessoais. As demais posições na lista são ocupadas por Indonésia, Taiwan, Portugal, Espanha, Emirados Árabes, Vietnã, Tailândia, Austrália e Cingapura.
A expatriação de Furini ocorreu por solicitação pessoal, já que o marido havia sido transferido para lá. “Tive a sorte de a P&G ser bem forte no México. Na época, estava grávida e acabei tendo meu filho durante essa experiência”, conta. Segundo ela, profissionais de todas as áreas são elegíveis para o programa. “Mas a pessoa precisa ter uma performance sustentável e potencial de crescimento a longo prazo”, explica.
Há oito meses, Camila Sousa foi transferida para o Panamá a convite da empresa e se tornou diretora de inteligência de mercado LATAM para as categorias de saúde da P&G. “Além de mudar de país, foi uma mudança no sentido do trabalho e de entender novos consumidores”, diz. Ela tinha acabado de se casar quando a oportunidade surgiu. “Meu marido conversou com a empresa dele, e conseguiu trabalhar em home office”, comemora. Ela diz que a principal diferença que notou entre o escritório brasileiro e o panamenho foi na comunicação. “O brasileiro é mais informal e brincalhão. Quando eu cheguei no Panamá, recebi cartas formais de apresentação de pessoas que iam se reportar a mim”. A previsão é que ela fique por lá três anos.
Na Nestlé, a possibilidade de carreira internacional é oferecida aos funcionários de três formas: expatriação, missões e transferências. O primeiro caso é para posições mais específicas e estratégicas como gerente e diretores. Já quando se trata de missões, os profissionais são alocados para trabalhar em projetos específicos com duração de três meses a dois anos. No final do ano passado, a empresa contava com 65 expatriados, divididos principalmente entre Suíça, México e EUA. “A decisão pela expatriação passa por uma performance que se sustenta ao longo do período, pois são pessoas-chave em suas áreas e que têm a possibilidade de viver a experiência global e retornar ao Brasil em outro patamar de suas carreiras”, esclarece Lídia Costa, gerente de RH em mobilidade global da Nestlé Brasil.
Os apoios oferecidos pelas empresas aos funcionários que vão para o exterior incluem suporte com documentação e emissão de visto, e auxílio-moradia durante o primeiro mês. Na P&G, no caso de benefícios que o profissional recebe no Brasil e não existem no país de destino, o valor é compensado como remuneração adicional. Já quando o trabalhador muda de país por solicitação pessoal, não são oferecidos apoios financeiros de residência e mudança. “Em ambos os casos, a pessoa recebe o pacote de compensação do país de origem e, mensalmente, é feita a conversão de moeda do país de destino”, diz Furini.
Para Fins, da Heineken, um fator decisório na hora de optar pela vaga em Amsterdã foi o suporte da empresa aos cônjuges, que inclui colocação no mercado de trabalho no país de destino. “Meu marido estava passando por uma mudança de carreira. Eu tinha acabado de me casar, e mudar de país não é uma decisão de uma pessoa só”, pondera. Ao desembarcarem na Holanda, os dois viveram um mês em um apart-hotel pago pela companhia. “Aproveitamos para entender quais bairros se conectavam com o nosso estilo de vida e quais apartamentos cabiam no nosso orçamento”, conta.
O RH da P&G no Brasil faz consultas periódicas aos expatriados, e o gestor da época em que a pessoa saiu auxilia no plano de retorno. De acordo com Furini, o mais difícil no processo de expatriação ou transferência é alinhar expectativas e tempos, tanto do funcionário quanto do negócio. “Pode demorar muito para uma oportunidade surgir, assim como pode aparecer uma vaga que precisa ser preenchida o quanto antes”. Além disso, a adaptação também pode ser um desafio. “A pessoa precisa achar uma casa, se adaptar a uma rotina nova e cultura. Por isso, é importante a gente acompanhar de perto e dar apoio”, afirma.
Já a Nestlé conta com consultorias que promovem treinamentos interculturais para quem está de mudança. “Precisamos acompanhar do ponto de vista do bem-estar emocional, pois cada mercado tem suas particularidades. Além disso, é importante garantir que as pessoas tenham acesso às informações do país de destino, tanto do mercado como da cultura local, para que sejam recebidos e façam uma boa adaptação”, afirma Costa.
O treinamento intercultural e de idioma são algumas das ferramentas que a Heineken disponibiliza, diz Bianchi. “Além de um processo de integração individualizado, realizamos checkpoints periódicos para explicar novos processos, ouvir e entender as dores da pessoas”, ressalta.
Fins, que trabalha hoje em uma equipe com holandeses, uma romena e uma nigeriana, continua mantendo contato com o RH e o time no Brasil, mas já se sente familiarizada com a nova cultura. Ela acredita que o desafio de trabalhar em outro país ensina a ter flexibilidade. “Numa operação local, os direcionamentos das atividades tendem a ser mais claros. Hoje, eu preciso pensar de forma mais estratégica e a longo prazo”, analisa. “Isso sem contar questões cotidianas do país, como sair de casa no inverno com a temperatura a menos cinco graus”. Embora afirme não descartar a volta ao Brasil, ela pretende ficar na Holanda no médio prazo. “Acho que ainda tenho muito a desbravar na minha nova posição e a aprender com essa experiência.”
Sorry, the comment form is closed at this time.