O risco da incerteza na desconsideração da personalidade jurídica das empresas

O risco da incerteza na desconsideração da personalidade jurídica das empresas

Publicado em 10 de junho de 2025

Mecanismo nem sempre é aplicado de modo coerente com o seu objetivo de reparar danos de credores em casos de fraudes e outras transgressões.

No contexto das incertezas legislativas e normativas que afligem o universo corporativo brasileiro, um dos fatores mais nocivos é a desconsideração da personalidade jurídica das empresas. O mecanismo permite que os bens particulares dos sócios e administradores sejam utilizados para pagar dívidas da pessoa jurídica. Porém, nem sempre é aplicado de modo coerente com seu objetivo de reparar danos de credores em casos de fraudes e outras transgressões.

A questão é abordada no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que foi alterado pela lei 13.874/2019, a Lei da Liberdade Econômica. Segundo a legislação atual, a desconsideração pode ocorrer –mediante petição da parte interessada endereçada ao juiz do processo na primeira instância ou ao relator do recurso na segunda instância— em situações de abuso, caracterizadas pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Isso significa que, se uma empresa for usada para fins fraudulentos ou se houver mistura indevida entre os seus bens e os de seus sócios, o magistrado pode decidir pela desvinculação da identidade.

Embora a medida tenha como objetivo legítimo proteger credores e evitar irregularidades, também representa um grande desafio para as organizações. A possibilidade de os sócios terem seus bens pessoais atingidos gera insegurança jurídica expressiva, em especial para pequenos e médios empresários. A falta de clareza e previsibilidade sobre quando e como a desconsideração será aplicada ameaça patrimônios de toda uma vida de trabalho e desestimula investimentos.

Há dois casos nos quais as incertezas geram mais riscos para as empresas e seus proprietários e gestores: dívidas tributárias e ações trabalhistas. O segundo aspecto é um dos mais preocupantes, pois carece de legislação clara e específica. Nas situações em que a pessoa jurídica é condenada ao pagamento de valores, mas não quita no prazo estipulado, têm sido prevalentes a desconsideração da personalidade jurídica e a execução direta dos sócios.

Especialistas destacam que a aplicação desse instrumento deve ser feita com cautela e somente em casos excepcionais, mas não é o que ocorre de modo harmônico nos tribunais, expondo numerosas empresas e empreendedores aos riscos de decisões subjetivas dos magistrados. Há até mesmo sentenças nas quais as decisões nem sequer são embasadas em provas robustas, relatos de desconsideração das conclusões de peritos, inclusive quando nomeados pelo juiz, e reabertura de processos na segunda instância após o trânsito em julgado.

É essencial um equilíbrio entre a proteção dos credores e dos que ingressam com ações e a garantia de segurança jurídica para os empresários. A desconsideração não deve ser usada de maneira indiscriminada, pois isso pode prejudicar o ambiente de negócios e a confiança de quem empreende e gera empregos.

Cabe lembrar que a insegurança jurídica é um dos fatores que contribuem para o famigerado custo Brasil, estimado em R$ 1,7 trilhão da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O preço é muito alto para a economia, as empresas e os trabalhadores. Afinal, sem previsibilidade normativo-legislativa, a incerteza continuará sendo a única certeza na aventura de empreender no país.

Fonte: Folha de São Paulo
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