PCD tem mais dificuldade para ser promovido no trabalho

PCD tem mais dificuldade para ser promovido no trabalho

Publicado em 5 de dezembro de 2022

Profissionais com deficiência enfrentam desafios para conquistar ascensão profissional, aponta estudo.

Mais de 30 anos depois da criação da lei de cotas para pessoas com deficiência (PCDs) no país – que vale para empresas com 100 funcionários ou mais -, esses profissionais revelam dificuldade de ascensão profissional e atuação nas suas áreas de formação. Um estudo liderado pela consultoria Noz Inteligência e antecipado com exclusividade para o Valor mostra que 60% das pessoas com deficiência disseram que nunca foram promovidas. Os índices são elevados mesmo entre quem tem ensino superior completo (53%) e está há mais de dez anos na mesma empresa (45%).

Entre os entrevistados, 30% não atuam na área de formação por falta de oportunidades e 20% atuam na área, mas em cargos inferiores. É a realidade mesmo para pessoas com grau de deficiência leve (18%), com ensino superior completo (24%) ou que estão há mais de dez anos na mesma empresa (21%).

A pesquisa “Pessoas com Deficiência e Empregabilidade” também revela a incidência de dois comportamentos em relação a pessoas com deficiência: preconceito e superproteção, que acabam dificultando a possibilidade de desenvolvimento profissional. Sete a cada dez pessoas disseram que sofrem ou já sofreram preconceito. No caso da superproteção – quando há subestimação das capacidades e independência -, seis a cada dez profissionais revelam viver ou já ter vivido esta situação.

Advogada, hoje funcionária do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), e cega desde os quatro anos, Thays Martinez lembra de um processo de seleção que participou em um banco. Na época, já formada pela Universidade de São Paulo (USP), foi chamada para trabalhar com atendimento telefônico. Depois de recusar, foi convidada para a área de inteligência de mercado.

“O profissional com deficiência em geral não sofre com hostilidade ou discriminação. Mas tem aquela coisa ‘cuidadosinha’. As pessoas querem te incluir, mas desde que você faça o papel de ‘café com leite’. Isso é muito ruim porque acaba dificultando a evolução profissional”, afirma ela, que liderou uma batalha judicial para ter direito a andar com seu cão-guia no metrô de São Paulo, origem das leis que garantem hoje o acesso de cães-guia em espaços públicos e privados.

Uma das situações problemáticas, diz Martinez, é o gestor que não aponta os erros nem dá feedback negativo, seja para proteger o funcionário ou por não acreditar em sua capacidade. “Situações como essa impedem o desenvolvimento. Às vezes é difícil para o gestor, mas a conversa aberta é sempre o melhor caminho. Pessoas com deficiência são iguais às outras”, reforça a advogada.

Coordenadora da pesquisa da Noz Inteligência, a economista Juliana Vanin diz que os dados mostram que a dificuldade de reconhecimento profissional das pessoas com deficiência vai além de limitações de qualificação ou de tempo hábil para essa evolução.

PCDs têm mais dificuldade para ter ascensão no trabalho — Foto: Valor

“A lei de cotas garante a entrada no mercado de trabalho, mas não estimula investimento em qualificação nem evolução da carreira. A pesquisa mostra uma forte dificuldade de promoção dos profissionais com deficiência. E isso ocorre mesmo quando faz recorte das pessoas com mais tempo na mesma empresa ou entre as mais escolarizadas. A questão não se trata apenas de escolaridade ou de tempo para se desenvolver”, afirma.

A sensibilização das equipes e dos profissionais sem deficiência é uma iniciativa que ajuda a garantir um ambiente mais propício ao desenvolvimento das carreiras dos PCDs, na avaliação de Marcelo Zig, porta-voz da Inklua, consultoria que trabalha com recrutamento e seleção de profissionais com deficiência, treinamentos e palestras.

“A maioria das pessoas não tem contato com pessoas com deficiência. Quando entra um profissional na equipe, não é demandado, não participa de cursos nem tem o talento aprimorado. É preciso humanizar as relações no espaço do trabalho para que a presença não seja apenas para cumprir cota”, defende ele.

Algumas empresas trabalham para construir esses ambientes inclusivos e com potencial de evolução profissional, mas mesmo essas reconhecem que há um longo trabalho pela frente para que a inclusão seja plena.

Na consultoria em tecnologia Accenture, a política de diversidade é dividida em diferentes públicos e o de PCDs é um deles. André Fiorilli, líder do pilar de diversidade e inclusão para PCDs, diz que há um cuidado para que, na entrada, o profissional seja direcionado a áreas com chance de longevidade na carreira. “Temos pessoas com deficiências de diferentes espectros, cada uma com características diferentes. É preciso aproveitar ao máximo o potencial de cada uma”, diz Fiorilli. No ano fiscal de 2022, 6,2% dos profissionais com deficiência na Accenture foram promovidos, frente a uma parcela de 8% para a média da força de trabalho como um todo. Hoje, 2% dos profissionais com deficiência da agência ocupam cargos de gerência. “Avançamos em relação ao passado, mas sabemos que é preciso continuar trabalhando”, afirma.

A indústria farmacêutica Bristol Myers Squibb (BMS) tem um trabalho focado principalmente no aumento de conhecimento sobre o tema, para ampliar a conscientização e criar visão empática em todos sobre a realidade dos profissionais, conta a diretora de recursos humanos e líder de inclusão e diversidade da empresa, Jennifer Wendling. Além disso, os núcleos de diversidade são parte do planejamento de negócios.

“Os núcleos foram projetados para serem grupos de negócio, para que a diversidade esteja no planejamento da empresa e não seja apenas uma questão de habilidades. A ideia é trazer sugestões para melhorar o negócio. Isso mostra o peso que é dado para a questão e o investimento que é voltado para isso”, diz ela. A empresa é uma das patrocinadoras do estudo.

Fonte: Valor Econômico
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