Qual o impacto da pejotização sob a ótica trabalhista e tributária

Qual o impacto da pejotização sob a ótica trabalhista e tributária

Publicado em 20 de junho de 2025
Por Marco Antonio de Lima e Otavio Guimarães Leite Losada

As divergências entre o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho não são de hoje, já que o STF vem gradualmente deixando claro que sua interpretação da Constituição é no sentido de flexibilizar a prestação de serviços, não exigindo que a relação jurídica seja apenas a de empregado e empregador, nos moldes do que determina a Consolidação das Leis do Trabalho. Essa, contudo, não é a interpretação consolidada pelo Judiciário trabalhista.

Tal tendência do Supremo, inclusive, já tinha sido bem delimitada no julgamento do Tema 725 [1], no qual o tribunal entendeu que a terceirização, assim como quaisquer formas de segmentação das atividades laborais entre pessoas jurídicas distintas, é permitida, independentemente da compatibilidade entre os objetos sociais das empresas envolvidas, desde que seja preservada a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

Essa tese já reforçava que as empresas não precisam contratar diretamente trabalhadores para atuarem na sua atividade principal, podendo, se entenderem como mais vantajoso para o negócio, terceirizar essa atividade. A ratio decidendi ou seja, os fundamentos utilizados pelo STF, foram os princípios constitucionais da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, entre outros que permitissem concluir pela liberdade negocial.

Legalidade e impacto tributário

Ao permitir a contratação de serviços por meio de pessoas jurídicas, o fenômeno levanta questões sobre a legalidade e os impactos tributários e previdenciários, já que, em 14 de abril de 2024, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos em trâmite na Justiça do Trabalho que discutam o reconhecimento de vínculo empregatício. A decisão foi dada nos autos do Tema nº 1389 [2], no qual será apreciada a “Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.

Evidente que o tema em questão ainda não foi totalmente julgado. Na verdade, como explanado, tratou-se apenas de suspensão dos processos em curso para proteger a segurança jurídica, mas fato é que, uma hora ou outra, o Supremo precisará decidir o caso por completo.

Quando isso ocorrer, não será apenas a relação de trabalho a ser impactada significativamente, mas também o sistema tributário brasileiro, inclusive no âmbito da previdência social, que hoje é custeado, em grande parte, com recursos oriundos do recolhimento de contribuições previdenciárias retidas na fonte pelos empregadores de funcionários empregados.

Contratação por pessoa jurídica é permitida

Conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, a contratação de serviços por meio de pessoas jurídicas é legalmente permitida, desde que não haja fraude ou dissimulação da relação empregatícia, conforme decisões do Tema 1389. No entanto, a Corte também tem enfatizado que, quando constatados indícios de fraude ou desvirtuamento da finalidade contratual — tal qual o uso da personalidade jurídica para mascarar uma relação de emprego —, é legítima a desconsideração da forma adotada, com o consequente reconhecimento do vínculo empregatício e a incidência das obrigações trabalhistas e previdenciárias correspondentes.

No julgamento do Tema 725, o STF consolidou o entendimento de que a terceirização e outras modalidades de organização laboral são admissíveis, desde que respeitados os direitos essenciais dos trabalhadores, reafirmando a prevalência da liberdade contratual dentro dos limites constitucionais. A Corte reafirmou que a liberdade contratual deve ser exercida dentro dos limites da boa-fé e da função social do contrato, sendo vedado o uso de estruturas jurídicas para fraudar a legislação trabalhista.

Falta de contribuições sociais

No plano tributário, a principal consequência dos casos em que a pejotização é considerada pelo Fisco como irregular é o não recolhimento de contribuições sociais. A contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas, quando utilizada para ocultar vínculos empregatícios, resulta na omissão de contribuições obrigatórias à seguridade social, de impacto direto na arrecadação.

Nota-se que a complexa estrutura tributária nacional, somada à possibilidade de adesão a regimes fiscais simplificados, frequentemente leva empresas a optarem pela pejotização como alternativa economicamente mais viável. A depender da forma jurídica adotada, uma mesma atividade econômica pode estar sujeita a cargas tributárias substancialmente distintas.

Essa disparidade, especialmente acentuada no setor de serviços, torna a contratação por meio de pessoa jurídica uma alternativa economicamente mais vantajosa em comparação ao regime celetista. Esse cenário evidencia como a base fiscal vigente atua como um dos vetores de incentivo à pejotização, ao mesmo tempo em que desafia o equilíbrio entre liberdade contratual e justiça fiscal.

Fiscalização de relações trabalhistas

Diante dessa realidade, a fiscalização tributária passa a desempenhar um papel central na identificação de eventuais descaracterizações impróprias da relação de trabalho. No contexto, ganha relevo a atuação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tem enfrentado a matéria com base em critérios que transcendem a mera formalidade contratual.

Com efeito, o Carf, ao examinar casos de possível dissimulação de vínculos empregatícios, aplicou o princípio da prevalência dos fatos sobre a forma contratual, priorizando os elementos concretos da relação de trabalho. Isso significa que a autoridade fiscal considerou os elementos fáticos da relação — como subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade — independentemente da forma jurídica adotada. Quando esses elementos estão presentes, pode-se dizer que a postura recente do Carf foi, tendencialmente, a de reconhecer a existência do vínculo empregatício e determinar o recolhimento das contribuições atinentes.

Exemplos de autuação

Um exemplo emblemático é o Acórdão nº 2101-002.883 [3], no qual o Carf concluiu que, apesar da formalização da prestação de serviços por meio de pessoa jurídica, a ausência de autonomia e a presença de subordinação caracterizavam uma relação de emprego, ensejando a cobrança de encargos previdenciários.

Ainda nesse sentido, no acórdão nº 2201-011.417, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção manteve autuação fiscal contra empresa de engenharia que contratava outras empresas para exercer atividades correlatas ao seu objeto social, alegando tratar-se de atividade-fim. De relatoria de Fernando Favacho, o julgado assegura que deve o Fisco desconsiderar a formalidade contratual e cobrar as contribuições sociais relativas ao salário do trabalhador quando identificado que uma relação de emprego está mascarada por meio da contratação via pessoa jurídica [4].

Igualmente, no acórdão nº 2401-011.574 [5], representantes comerciais foram considerados empregados, com base na identificação de pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade na relação mantida com a contratante, ainda que formalmente fossem pessoas jurídicas. De forma semelhante, no acórdão nº 1301-006.716 [6], reconheceu-se vínculo empregatício entre sócios de pessoas jurídicas prestadoras de serviços editoriais e a empresa de mídia contratante, resultando na cobrança de imposto de renda retido na fonte.

Tendência do Carf não é uniforme

Entretanto, não é possível afirmar que essa tendência do Conselho tenha atingido manifesto grau de uniformidade. Há, de fato, decisões no interior Carf que revelam uma aproximação à jurisprudência dominante do STF. No acórdão nº 2401-011.577 [7], a autuação relacionada à exigência de contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores pagos a representantes comerciais foi revogada, por se entender que a fixação de metas de vendas não caracteriza subordinação, mas sim coordenação contratual. A mesma linha foi adotada nos acórdãos nº 2402-012.457 e nº 2402-012.439, que aplicaram entendimento mais aproximado daquelas abordagens de flexibilização quanto à caracterização do vínculo de emprego, reconhecendo plena validade à contratação por meio de pessoas jurídicas.

Apesar da crescente aceitação, a pejotização ainda suscita controvérsias no meio jurídico, especialmente quanto aos seus efeitos sobre a sustentabilidade do sistema de seguridade social e à garantia de direitos sociais. À jurisprudência atual impõe-se o desafio de equilibrar a liberdade de negociação trazida pelo instituto com a necessidade de preservar os deveres previdenciários e os direitos trabalhistas.

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Referências

Recurso Extraordinário nº 958.252/ MG (Tema 725), Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 30/08/2018. Trânsito em julgado em 15/10/2024. Tribunal Pleno. Disponível aqui

Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.532.603/PR (Tema 1389), Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgado em 14/04/2025. Tribunal Pleno. Disponível aqui

Acórdão nº 2101-002.883, CARF. Relator: Cleber Ferreira Nunes Leite.

“A Autoridade Lançadora ao constatar a ocorrência da relação empregatícia, dissimulada em contratação de pessoa jurídica, deve desconsiderar o vínculo pactuado e exigir as contribuições sociais sobre remuneração de segurado empregado.”. Acórdão nº 2201-011.417, CARF. Relator: Fernando Gomes Favacho.

“A autoridade fiscal ao aplicar a norma previdenciária, ao caso em concreto, e observando o princípio da primazia da realidade, tem autonomia para, no cumprimento de seu dever funcional, reconhecer a condição de segurado empregado, para fins de lançamento das contribuições previdenciárias efetivamente devidas.” Acórdão nº 2401-011.574, CARF. Relatora: Miriam Denise Xavier.

“Sujeita-se à incidência do IRRF, calculado mediante a utilização da tabela progressiva mensal, a remuneração paga a diretor ou empregado por meio de interposta pessoa jurídica cuja atuação se dê exclusivamente no plano formal, encobrindo a verdadeira contratação de pessoa física subjacente.” Acórdão nº 1301-006.716, CARF. Relator: Lizandro Rodrigues de Sousa.

“A terceirização da atividade de vendas é lícita e a representação comercial autônoma está regida pela Lei n° 4.886, de 1965. Envolver a representação comercial autônoma atividade-fim ou atividade-meio é irrelevante para a configuração de fraude ou simulação a ocultar a figura do segurado empregado.” Acórdão nº 2401-011.577, CARF. Relator: Jose Luis Hentsch Benjamin Pinheiro.

Reclamação nº 65.484/DF, Relator Ministro Alexandre de Moraes. Julgado em 21/02/2024. Disponível aqui

Fonte: Consultor Jurídico
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