“Quando a indústria declina e os serviços crescem, aumenta a terceirização”, diz líder sindical espanhola

“Quando a indústria declina e os serviços crescem, aumenta a terceirização”, diz líder sindical espanhola

Publicado em 5 de maio de 2025

Cristina Faciaben, representante da Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO), maior central sindical da Espanha, diz que é preciso se atualizar para não virar “souvenir”.

No Brasil, a penúltima reforma trabalhista da Espanha foi referência  para a aprovada no governo Temer. A última inspira quem questiona o excesso de precarização, porque em 2021 um acordo tripartite recompôs direitos trabalhistas. Conforme relatório do banco BBVA, “as maiores restrições à contratação temporária não parecem ter impedido a criação de emprego, em linha com o que ocorreu em outros países da União Europeia”. Nesta semana, Cristina Faciaben, representante da Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO), a maior e principal central sindical da Espanha, participa do seminário Diálogos e Interações – União Europeia, Espanha e Brasil, promovido pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado (Senge-RS).

Como é o histórico de reformas trabalhistas da Espanha?

Todas as implementadas desde a restauração da democracia (1977) foram unilaterais de governos, tanto socialistas quanto do Partido Popular (no país, há bipartidarismo com alternância no poder). E sempre atacaram direitos dos trabalhadores, e as condições pioraram. A de 2021 foi a primeira pactada entre governo, organizações empresariais e sindicais. Foi o que chamamos de acordo social. A intenção foi estabilizar o mercado de trabalho.

Como foi possível?

Naquele momento, a Comissão Europeia (espécie de Poder Executivo da União Europeia) havia lançado os planos de recuperação depois da pandemia. Foi uma injeção de dinheiro para projetos públicos, mas, sobretudo, empresariais. A entrega foi condicionada ao cumprimento de critérios, como a estabilidade do mercado de trabalho. Isso significava que não poderia haver tanta diferença entre trabalhadores mais antigos, que tinham muito boas condições, e um número enorme de pessoas em situação extremamente precária, com contratos que duravam dias. A Espanha foi meio que obrigada a implementar mudanças para limitar e reduzir a natureza temporária dos contratos.

O que era mais problemático?

Duas questões: o trabalho temporário que havia era exagerado e injustificado. E o desemprego entre os jovens chegava a 65%. O maior problema do trabalho temporário era que não exigia uma causa. Quer dizer, em teoria, precisava, mas na prática não. Havia os justificados, por uma interinidade ou por licença médica, mas havia um, que se chamava “obra e serviço”, em que houve abuso.

Em que sentido?

Não era por tempo indeterminado, mas não tinha limite. A ideia era durar tanto quanto durasse o trabalho ou serviço, desde que fosse uma atividade não habitual. É como se uma empresa que faz pinturas fosse contratada para outra especialidade. Aí poderia fazer contrato temporário. O que aconteceu é que passaram a usar também para a pintura de paredes, ou seja, não só na atividade não habitual.

Foi isso que a reforma mais  recente mudou?

Sim, porque esses trabalhadores não tinham direito algum, e eram muitíssimos. Outro elemento que ajudou a estabilizar o mercado de trabalho foi o contrato fixo descontínuo. É para quem, por exemplo, trabalha por temporada. Pode ser uma fábrica de sorvetes ou em hotéis.

Quais foram os resultados?

Melhorou a qualidade do mercado de trabalho na Espanha e, ao contrário do se dizia, o nível de emprego cresceu. Claro que cresceu também porque a economia na Espanha foi bem. A crise de inflação brutal na Europa não nos afetou tanto.

No Brasil, há um debate sobre jovens que não querem emprego fixo e e jornadas definidas, atuam com plataformas e não se consideram “trabalhadores”. Isso também ocorre na Espanha?

Sim, é mundial. Os sindicatos são acusados, com certa lógica, de serem do século 19, de não termos nos adaptado. O sindicato tem um espaço de atuação natural, que é a indústria, onde é fácil se organizar, porque há grandes grupos trabalhando no mesmo local, ao mesmo tempo, com os mesmos problemas. Quando a indústria declina e os serviços crescem, não precisa nem ser em plataformas, aumenta a terceirização da economia. Setores como o de turismo na Espanha são muito precários, há relativamente poucas pessoas juntas. Precisamos ser conscientes de que a indústria não vai desaparecer, mas continuará a declinar porque isso já está acontecendo. Temos que nos repensar um pouco. A questão das plataformas é fundamental, porque é um campo de trabalho muito amplo. Na Espanha, temos a Lei Rider, mas só se aplica a entregadores, não a todos os aplicativos. Mas apesar disso, a maioria das pessoas que trabalham nessa área não se consideram trabalhadores.

Como atuar nessa nova realidade?

Ou vamos ao encontro também desses novos profissionais, ou os sindicatos podem se tornar quase um souvenir.

Fonte: Gaúcha GZH
No Comments

Sorry, the comment form is closed at this time.