Redução da jornada de trabalho: a escala 4 x 3

Redução da jornada de trabalho: a escala 4 x 3

Publicado em 20 de junho de 2025
Por Fabíola Marques

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 8 de 2025, apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) à Mesa da Câmara dos Deputados em 25/02/2025, objetiva a alteração do inciso XIII do artigo 7º da Constituição, que prevê 8 horas diárias e 44 semanais de trabalho. A referida jornada exige a prestação de serviços em uma escala de seis dias de trabalho e um de descanso.

Se a PEC for aprovada, a duração do trabalho continuaria de 8 horas diárias, mas limitada a 36 horas semanais, com escala de trabalho de quatro dias por semana e três de descanso.

A busca por uma jornada de trabalho menor não é nova e foi um dos primeiros direitos conquistados pelos trabalhadores.

Os movimentos pela redução do tempo de serviço surgiram com a Revolução Industrial, diante do excesso de trabalho nas fábricas em condições subumanas a que os operários eram submetidos, em jornadas que ultrapassavam 14 ou 16 horas diárias.

As primeiras leis surgiram no Reino Unido, ainda no século 19. As chamadas Leis de Fábrica, ou Factory Acts, regulavam as condições de trabalho nas fábricas. A Lei de Fábrica de 1802, por exemplo, limitou a jornada dos trabalhadores a 12 horas diárias [1].

O movimento pela jornada diária de 8 horas surgiu com a ideia de dividir o dia em três partes (8+8+8) ou seja, “8 horas de trabalho, 8 horas de diversão e 8 horas de descanso” e ganhou força no final do século 19 e início do 20, culminando em greves históricas e na sua progressiva incorporação à legislação trabalhista ao redor do mundo.

No Brasil, o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1891 [2], estabelecia que os menores do sexo feminino, de 12 a 15 anos, e os do sexo masculino, de 12 a 14 anos, só poderiam trabalhar 7 horas no máximo por dia. Já, para os trabalhadores do sexo masculino, de 14 a 15 anos, a jornada era de 9 horas diárias.

A luta pela redução da jornada foi marcada pelas conquistas da era Vargas. Nos anos 1930, Getulio Vargas criou diversas leis regulamentando o trabalho e instituiu a jornada semanal de 48 horas.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, e posteriormente, a Constituição Federal de 1988, consolidaram a jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais como regra, estabelecendo limites e garantias para o tempo de labor.

Mas por que é tão necessário que o trabalhador tenha seu tempo de descanso garantido?

A exposição prolongada a atividades laborais, muitas vezes repetitivas, extenuantes ou sob pressão, prejudica a saúde física e mental do trabalhador. Exaustão crônica, distúrbios do sono, problemas físicos, estresse, ansiedade, depressão e o temido burnout são apenas alguns exemplos das consequências diretas de jornadas excessivas.

É nesse cenário que a Proposta de Emenda à Constituição nº 8 de 2025 se insere. Ela propõe uma alteração significativa no inciso XIII do artigo 7º da Constituição para estabelecer a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana. Esta é uma mudança paradigmática que reflete a necessidade de modelos de trabalho mais flexíveis e humanizados.

A aprovação da PEC, sem a redução dos salários, traria inúmeros benefícios ao trabalhador ao resguardar e ampliar os direitos fundamentais previstos constitucionalmente. O direito ao lazer (artigo 6º), à saúde (artigo 6º e 196), à segurança no trabalho (artigo 7º, XXII), à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) e aos valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV) seriam fortalecidos.

Além disso, uma jornada de trabalho menor permitiria ao obreiro mais tempo de descanso, a prática de atividades físicas, de hobbies, o convívio social e familiar e a dedicação à saúde, tanto física quanto mental, que são essenciais para a promoção do bem-estar do cidadão, que não se resume à sua força produtiva.

A redução da jornada também afetaria diretamente as mulheres que normalmente têm duplas ou até triplas jornadas por serem obrigadas a conciliar o emprego remunerado com as responsabilidades domésticas e de cuidado. A redução das horas dedicadas ao trabalho formal poderia garantir mais tempo para essas mulheres. Contudo, é importante analisar se essa redução resultaria automaticamente em uma divisão mais equitativa das atividades domésticas e de cuidado no âmbito familiar.

De fato, a justificativa da PEC explica que a escala 6×1 (seis dias de trabalho e um de descanso) impede que os pais vejam seus filhos no dia a dia e que a jornada de quatro dias permitiria mais tempo aos empregados para o convívio familiar. Com mais tempo disponível, todos os empregados, incluindo os pais, poderiam participar de maneira efetiva das atividades domésticas.

Embora a legislação trabalhista não regule diretamente a dinâmica interna das famílias, ao proporcionar mais tempo livre para ambos os gêneros, a redução da jornada poderia criar uma condição favorável para uma renegociação e uma divisão mais justa das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos entre homens e mulheres. Não é uma garantia, mas um facilitador potencial para combater a sobrecarga histórica imposta às mulheres.

A adoção de uma jornada de trabalho menor também pode gerar benefícios para as empresas contratantes. Apesar de o assunto gerar resistência por parte de setores empresariais, estudos apontam o aumento da produtividade e da eficiência no trabalho. O programa piloto [3] realizado no Reino Unido, citado na justificativa da PEC, teve como resultado o aumento médio de 35% na receita das empresas participantes e redução de 57% no turnover.

Além dos benefícios para trabalhadores e empregadores, a redução da jornada pode ter um impacto positivo nos gastos de saúde do governo brasileiro. Menos estresse, menos burnout, menos acidentes de trabalho e uma melhor saúde física e mental dos trabalhadores tendem a diminuir a necessidade de acesso aos serviços de saúde pública. Isso, a longo prazo, pode representar uma economia nos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS), liberando recursos para outras áreas ou para a melhoria da própria infraestrutura da saúde.

Finalmente, é importante ressaltar que o Brasil, ao discutir a semana de quatro dias, não está isolado.  Trata-se de uma tendência crescente em vários países como Islândia [4], Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália e França que já adotam jornadas mais curtas de 36 a 40 horas semanais. Essas experiências servem como importantes referências para balizar o debate e a eventual implementação da jornada de quatro dias.

A PEC 8 de 2025, portanto, representa um marco importante na evolução do debate sobre a jornada de trabalho no Brasil. Trata-se de um convite à reflexão sobre o papel do trabalho em nossas vidas, a necessidade de equilibrar produção com bem-estar e o potencial de transformação social e econômica que uma jornada mais humana pode trazer.

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[1] Aqui

[2] Aqui

[3] Aqui

[4] Aqui

Fonte: Consultor Jurídico
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