18 dez STF julga se recreio deve ser incluído no cálculo de salário
STF julga se recreio deve ser incluído no cálculo de salário
Os processos sobre o tema estão parados em todo o país, desde o mês de março.
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou julgar mais uma polêmica questão trabalhista: se o intervalo de recreio entre as aulas deve entrar automaticamente no cálculo do salário dos professores na rede privada, sejam de ensino fundamental, médio ou superior. O julgamento foi iniciado na sexta-feira no Plenário Virtual, mas só será finalizado no dia 3 de fevereiro, devido ao recesso judicial.
A questão já estava pacificada no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Os ministros entenderam que o período do recreio deve fazer parte desse cálculo. Mas a Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (Abrafi) questiona a posição por meio de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
A entidade alega que o TST infringiu os limites de sua competência, incorrendo em ofensa aos preceitos constitucionais da legalidade, da reserva legal e da separação dos poderes. Também sustenta que o TST deixou de considerar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê intervalo intrajornada obrigatório para expedientes superiores a quatro horas de trabalho contínuo (ADPF 1058).
Ao prestar esclarecimentos ao Supremo na ação, a presidência do TST defendeu que o tempo exíguo entre as aulas impossibilita que o empregado da escola exerça atividades que não se relacionem com a docência. Assim, na prática, os trabalhadores permanecem à disposição do empregador, “utilizando o período, inclusive, para dirimir dúvidas dos alunos”.
Os processos sobre o tema estão paralisados (sobrestados) em todo o país, desde o mês de março. Na ocasião, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, concedeu uma liminar que suspendeu os efeitos de decisões que aplicaram a tese do TST, até que o STF defina a questão.
Gilmar Mendes votou para declarar a inconstitucionalidade da presunção absoluta de que o intervalo de recreio escolar constitui, necessariamente, tempo em que o professor se encontra à disposição do empregador. Segundo ele, como não há lei específica sobre o tema, a decisão sobre o tempo à disposição do empregador deve ser fundada, obrigatoriamente, “nas particularidades fáticas do caso concreto”.
Para o decano, a presunção absoluta, que não admite prova em contrário, não tem previsão em lei, contrariando o princípio da legalidade; desvirtua o ambiente negocial, interferindo na livre iniciativa; e ofende a autonomia da vontade coletiva de professores e instituições de ensino. Ele foi acompanhado, até o momento, pelo ministro Dias Toffoli.
Abriu a divergência o ministro Flávio Dino. Ele explicou que o tempo à disposição do empregador, que consiste nos intervalos em que ele está no local de trabalho esperando ordens, não pode ser confundido com o intervalo intrajornada previsto na CLT, que normalmente configura a pausa para o almoço e é descontado do pagamento do trabalhador.
Nesse caso, afirma o ministro, não caberia estender a eficácia do regime excepcional, como o dos intervalos intrajornada, “por vontade unilateral do empregador, a outras pausas ou intervalos atípicos, tal como o recreio escolar”. “Achando-se o empregado no centro de trabalho, à disposição do empregador, estará cumprindo sua jornada para todos os efeitos, independentemente de estar efetivamente prestando serviços ou não”, destaca.
Dino ainda diferenciou a situação dos professores antes e depois da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), que aumentou o limite da jornada laboral da categoria. Até a edição da nova lei, os professores não podiam trabalhar mais de 4 horas, e, assim, não teriam direito ao intervalo intrajornada.
A reforma, no entanto, extinguiu a jornada especial dos professores e eles passaram a se sujeitar às regras comuns, inclusive quanto à duração normal da jornada. Nessa situação, uma única pausa na jornada diária de 8 horas produz os efeitos do intervalo intrajornada. Assim, conforme defende Dino, qualquer outro intervalo passou a configurar mera liberalidade e a ser considerado tempo à disposição.
Flávio Dino propôs a seguinte tese: “Tanto o recreio escolar (educação básica) quanto o intervalo de aula (educação superior) constituem, em regra, tempo do professor à disposição (CLT, artigo 4º, ‘caput’); excepcionalmente, tais períodos não serão computados na jornada, quando o docente adentrar ou permanecer no local de trabalho, voluntariamente, para exercer atividades exclusivamente particulares (CLT, artigo 4º, parágrafo 2º), conforme análise caso a caso pela Justiça do Trabalho”. Ele já foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso.
Jorge Matsumoto, sócio do Bichara Advogados, acredita que, se a ADPF for procedente, as instituições de ensino particulares serão beneficiadas com maior segurança jurídica e um “alívio financeiro significativo”. “A exclusão da presunção absoluta de que o recreio dos professores integra automaticamente a jornada de trabalho evitará a criação de passivos trabalhistas substanciais, principalmente para escolas menores, que enfrentam maior dificuldade em lidar com custos adicionais”, afirma.
Para a sociedade, no caso de a ação ser julgada procedente, como aumentará o custo das instituições, acrescenta, pode haver impacto financeiro indireto. “Pequenas instituições, em particular, poderão enfrentar dificuldades econômicas, levando à necessidade de repassar esses custos para as mensalidades escolares, o que prejudicará o acesso à educação privada.”
Antônio Carlos Souza de Carvalho, sócio do Souza de Carvalho Sociedade de Advogados, entende que o voto de Dino traz a interpretação mais justa. “Se durante o intervalo o professor permanece na escola desempenhando atividades que não correspondem ao trabalho para o qual ele foi contratado, não nos parece razoável presumir que isso seja considerado tempo de trabalho”, afirma. “Mas se essa disponibilidade for imposta tanto por ordem direta quanto por mera decorrência da grade horária, também não nos parece razoável que isso não seja considerado tempo de trabalho”, acrescenta.
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