STF tem maioria para validar lei paulista que pune empresas por trabalho escravo

STF tem maioria para validar lei paulista que pune empresas por trabalho escravo

Publicado em 20 de março de 2025

O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quarta-feira (19/3) para declarar a constitucionalidade de lei do estado de São Paulo que prevê a cassação da inscrição no ICMS de empresas envolvidas em trabalho análogo à escravidão.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O relator do caso, ministro Nunes Marques, votou pela validade da norma e foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luiz Fux e pela ministra Cármen Lúcia. O ministro Dias Toffoli divergiu.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo questiona dispositivos da Lei 14.946/2013. Segundo a entidade, a norma prevê a responsabilização dos estabelecimentos em razão de atos criminosos praticados por terceiros sem ao menos considerar a culpabilidade dos comerciantes, independentemente de existir dolo ou ao menos culpa, o que pode presumir de forma absoluta a culpabilidade.

Ela alega também que a lei paulista invade a competência constitucional reservada à União para executar a inspeção do trabalho ao delegar à Secretaria Estadual de Fazenda, órgão responsável pela gestão financeira do estado, a competência para apurar as condições a que estão submetidos os trabalhadores.

Voto do relator

Nunes Marques votou para conferir interpretação conforme a Constituição ao artigo 1º da Lei 14.946/2013, para exigir a comprovação, em processo administrativo sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, de que o preposto do estabelecimento comercial saiba ou tenha como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas.

O ministro também se manifestou para aplicar interpretação conforme a Constituição ao artigo 4º da norma, de forma a exigir comprovação, após processo administrativo no qual tenham sido observadas as garantias do contraditório e da ampla defesa, de que o sócio a ser punido tenha participado, comissiva ou omissivamente, dos atos aquisitivos de mercadorias de origem espúria, ou seja, aquelas fabricadas com o emprego de trabalho em condições análogas à escravidão.

“A punição administrativa só deve estender-se aos sócios que tenham participado, com ação ou omissão, dos atos de aquisição de produtos espúrios, assim classificados aqueles fabricados, no todo e em parte, com emprego de trabalho escravo”, disse Nunes Marques.

O magistrado também entendeu que a norma estadual não invadiu a competência legislativa da União para tratar de Direito Comercial e apuração de condições de trabalho.

“Sob o ponto de vista material, compete tanto à União como aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, a fim de promover a integração social dos setores desfavorecidos (CF, art. 23, X). Se a ordem do constituinte originário era dirigida também aos entes subnacionais, por óbvio a eles é permitido legislar para o atingimento dos objetivos fundamentais programados pela Carta Cidadã. Foi isso, exatamente, que o estado de São Paulo fez.”

Exemplo de lei

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, que havia pedido destaque da ação no Plenário Virtual, apontou que a lei de São Paulo foi importante no combate ao trabalho escravo e gerou normas semelhantes em outros estados, como Mato Grosso, Paraíba, Bahia, Amazonas e Goiás.

Barroso seguiu o voto de Nunes Marques, destacando que a norma não viola a competência da União. Segundo o presidente da corte, a Carta Magna confere competência comum à União, aos estados e aos municípios para resguardar a ordem constitucional e combater as causas da pobreza e da marginalização.

Além disso, Barroso disse que a lei de São Paulo não impõe qualquer dever à União, somente prevê a punição administrativa de empresas identificadas previamente pelos órgãos federais de fiscalização do trabalho.

O magistrado propôs as seguintes teses de julgamento:

1) A previsão em lei estadual de penalidade de cassação de cadastro de inscrição de ICMS de empresas que comercializem mercadorias de fabricantes que utilizem trabalho escravo ou análogo não viola a competência da União para a inspeção do trabalho;
2) A penalidade de proibição de atuação no mesmo ramo de atividades não viola a competência privativa da União para legislar sobre o Direito Comercial;
3) A aplicação das sanções deve ser precedida de processo administrativo com contraditório e ampla defesa, garantindo a comprovação de dolo ou culpa.

Voto divergente

Dias Toffoli inaugurou a divergência ao votar pela inconstitucionalidade da lei. Conforme o magistrado, o estado de São Paulo invadiu a competência da União ao estabelecer normas de fiscalização e punição para companhias envolvidas com trabalho escravo.

No Plenário Virtual, Alexandre de Moraes havia votado no mesmo sentido. Porém, o magistrado alterou o seu entendimento, ressaltando que a lei paulista não impôs obrigação a órgão federal, como ocorreu na ADI 449.

Clique aqui para ler o voto de Nunes Marques
ADI 5.465

Fonte: Consultor Jurídico
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