Suspensão de processos trabalhistas deve ser vista com cautela

Suspensão de processos trabalhistas deve ser vista com cautela

Publicado em 20 de junho de 2025
Por Bruno Cozza Saraiva e Ana Laura Faria Belarmino

Encontra-se pendente de julgamento, no Supremo Tribunal Federal, o Tema de Repercussão Geral nº 1.389, o qual discute a validade de contratos celebrados com pessoas jurídicas, a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar demandas em que se alega fraude na relação de trabalho (pejotização), bem como a definição quanto ao ônus da prova, se incumbirá ao trabalhador ou ao contratante.

Diante da relevância jurídica e social da matéria, marcada por intensos debates, controvérsias e potenciais impactos nas relações laborais, o ministro Gilmar Mendes reconheceu a repercussão geral do tema, determinando a suspensão nacional dos processos que tratam, somente, da mesma questão. A determinação visa a evitar decisões judiciais conflitantes e a garantir a uniformização da jurisprudência, certificando, assim, a aplicação, erga omnes, do entendimento que vier a ser estabelecido pela Corte.

Todavia, a suspensão processual determinada em razão da repercussão geral deve ser aplicada apenas aos feitos que guardem efetiva pertinência temática com o objeto em análise pelo STF. Por isso, cabe aos magistrados examinar com cautela os pedidos de suspensão, averiguando se o caso concreto realmente se enquadra nos contornos da controvérsia em repercussão, sob pena de indevida paralisação de processos que não possuem relação com a matéria debatida no Tema nº 1.389.

A fim de demonstrar a importância de uma análise cuidadosa dos casos submetidos ao juízo de suspensão, apresenta-se a seguir uma situação que, embora possa aparentar possuir estreita relação com o Tema nº 1.389, possui natureza jurídica diversa e, portanto, não deve ser confundida com a controvérsia sob a apreciação do Supremo Tribunal Federal.

Constituição de MEI para ter remuneração

Para fins ilustrativos, considerou-se uma situação na qual o trabalhador, embora formalmente registrado como empregado, também seja compelido a constituir pessoa jurídica (MEI), emitindo notas fiscais para receber parte de sua remuneração. Esta prática, adotada com o intuito de reduzir encargos trabalhistas da empresa, configura fraude às normas trabalhistas, mas não se enquadra como pejotização e, nem de longe, aos pressupostos objetivos que constituem o Tema nº 1.389.

Neste cenário, a empresa dividiu o pagamento do salário entre o vínculo celetista e os valores pagos via pessoa jurídica do próprio trabalhador, sem contrato de prestação de serviços. A distinção entre essa conduta e a discutida no Tema nº 1.389, de Repercussão Geral, é evidente. O referido tema trata da competência da Justiça do Trabalho para julgar ações em que há contrato de prestação de serviços e o trabalhador busca o reconhecimento de vínculo empregatício, situação típica de pejotização, o que não ocorre no caso exemplificado.

Ademais, o Tema n.º 1.389 também aborda a licitude da contratação de pessoa jurídica à luz do entendimento firmado na ADPF 324, a qual validou formas alternativas de organização produtiva com base na livre iniciativa. No entanto, esse entendimento não se aplica à hipótese em questão, que não trata da licitude da terceirização (atividade-meio ou fim), tampouco guarda relação com os temas tratados na ADPF 324 ou no Tema nº 725 do STF.

Fraude ao suprimir encargos trabalhistas

A fraude aqui identificada reside na manutenção simultânea de um vínculo de emprego formal e da exigência de prestação dos mesmos serviços por meio de pessoa jurídica, com o objetivo claro de suprimir encargos trabalhistas. Trata-se, portanto, de prática abusiva e distinta da pejotização propriamente dita, já que o vínculo celetista está devidamente constituído e não é objeto de controvérsia.

Logo, o presente exemplo não afronta o entendimento do STF, em discussão, no Tema nº 1.389, assim como não se insere no debate sobre o ônus da prova quanto à existência de vínculo laboral. Neste caso, o vínculo já é incontroverso, e o que se busca é o reconhecimento da fraude perpetrada pela empresa ao fragmentar a remuneração do empregado — parte via salário, parte via notas fiscais emitidas por sua MEI — sem respaldo legal.

Com efeito, há um risco considerável caso seja confundido o Tema nº 1.389 do STF com a situação exemplificada, o que não se pode admitir e, muito menos, ser suportado pelo trabalhador lesado. A fraude descrita no exemplo, na qual há vínculo celetista formal e o simultâneo pagamento por meio de MEI, não se confunde com a denominada pejotização, uma vez que esta pressupõe a ausência de vínculo empregatício reconhecido.

Mecanismo do distinguishing

Em decorrência do cenário que poderá ser desenhado, verifica-se necessário que a comunidade jurídica esteja atenta ao mecanismo do distinguishing, este que, “em uma publicação sob os auspícios da Enfam, foi elevado ao patamar de direito fundamental [1]“, porquanto que poderá ser imperioso demonstrar a diferença entre o processo em discussão e a hipótese prevista no Tema nº 1.389 do STF. Conforme ensina Luiz Guilherme Marinoni, “o distinguishing revela a demonstração entre as diferenças fáticas entre os casos ou a demonstração de que a ratio do precedente não se amolda ao caso sob julgamento, uma vez que os fatos de um e outro são diversos [2]“.

Além disso, impõe-se aos magistrados cautela ao suspender processos com fundamento no referido tema, sendo indispensável, enquanto dever constitucional imposto no inciso IX do artigo 93 da Constituição, a análise minuciosa do caso concreto para evitar suspensões indevidas.

Duração do processo afetada

Ressalta-se que a paralisação de processos, sem relação direta com a controvérsia discutida no Tema nº 1.389, afetará, sobretudo, o direito à razoável duração do processo, este previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º do Texto Constitucional brasileiro, além de acarretar prejuízo à efetividade da prestação jurisdicional. Ademais, a competência da Justiça do Trabalho, nestes casos, é clara e não pode ser afastada sob justificativa infundada.

Dessa maneira, é evidente a relevância do Tema nº 1.389 de Repercussão Geral e os potenciais impactos que a sua interpretação pode gerar na sociedade. Entretanto, também se torna claro o quanto é essencial um olhar atento e criterioso sobre casos que, à primeira vista, possam parecer relacionados ao referido tema, mas que, ao serem analisados com atenção, revelam uma natureza jurídica distinta. Por outras palavras, deve-se lembrar, sobretudo aos magistrados que poderão se deparar com a situação trazida no presente estudo, que todas as decisões devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Não se trata, portanto, de qualquer decisão, mas sim de decisão, nos termos da Constituição, adequada.

Os advogados devem estar atentos para diferenciar o objeto de seus processos da matéria discutida no Supremo, evitando, com isso, que os seus clientes tenham os processos suspensos de forma indevida e fiquem à espera de uma decisão que não se aplica ao caso concreto.

Da mesma forma, os magistrados devem exercer a jurisdição com cautela, de modo a identificar fraudes trabalhistas que envolvam contratos formais de emprego, lembrando-se que estas não se confundem com os casos de pejotização abordados pelo Tema nº 1.389, cuja essência envolve contratos de prestação de serviços e a busca pelo reconhecimento de vínculo empregatício. A boa condução da jurisdição passa, necessariamente, por esse discernimento e, fundamentalmente, por essa distinção.

[1] Cf. Acácia Regina Soares de Sá. A Racionalização na Aplicação da Técnica de Distinção de Precedentes pelo STJ como Direito Fundamental à Segurança Jurídica: uma análise empírica. In: SISTEMA DE PRECEDENTES BRASILEIRO Demandas de massa, inteligência artificial, gestão e eficiência. Publicação da ENFAM.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, pp. 227-228.

Fonte: Consultor Jurídico
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