Teoria do avestruz no ambiente corporativo

Teoria do avestruz no ambiente corporativo

Publicado em 31 de março de 2025
Por Jovacy Peter Filho e Luiz Eduardo Amaral de Mendonça

A prevenção é sempre o melhor caminho e, para isso, é necessário que a empresa dedique tempo para planejar sua jornada.

A teoria do avestruz, conhecida como cegueira deliberada, descreve o comportamento de se omitir ou se esconder diante de problemas evidentes. A teoria se inspirou no hábito que o avestruz tem de enterrar a cabeça na areia para não tomar conhecimento de algo que ocorre ao seu redor, no caso, a natureza ou extensão do ilícito em curso. Embora esse conceito tenha sido importado da Suprema Corte Americana e seja amplamente debatido na área criminal, ele encontra paralelos significativos na área trabalhista, irradiando seus efeitos para todo o ambiente corporativo, ocasião em que gestores e colaboradores escolhem ignorar desvios éticos ou legais dentro das empresas. Essa postura, apesar de aparentemente confortável no curto prazo, gera consequências graves e de longo alcance.

A “cegueira deliberada” não é aplicada apenas aos empregados de uma empresa, mas também às empresas e especialmente às tomadoras de serviços em casos de terceirização. Uma empresa que pretende contratar uma prestadora de serviços deve, antes de tudo, investigar quais as práticas de compliance da empresa contratada e a alegação de desconhecimento, salvo exceções, não é muito bem aceita pelo Judiciário.

O ministro Mauricio Godinho Delgado, em seu voto no processo Ag-AIRR-12467- 89.2014.5.15.0062, enfatizou que a omissão pode gerar responsabilidade tanto quanto uma ação defeituosa. Ele destacou que essa conduta, ao ignorar direitos sociais e condições de trabalho, beneficia quem mais lucra com o trabalho humano, alinhando-se à teoria da cegueira deliberada, amplamente defendida por doutrinadores e órgãos como o Ministério Público do Trabalho.

Um caso relevante decidido pelo Tribunal Regional do Trabalho de Sergipe (TRT-SE) envolveu a aplicação da teoria da cegueira deliberada. A desembargadora Maria das Graças Monteiro Melo concluiu que a empresa enquadrou empregados como cargos de confiança para evitar o controle de jornada, buscando vantagens indevidas como a não remuneração de horas extras. A decisão afastou a aplicação do artigo 62 da CLT, reconhecendo que a empresa tinha plena capacidade de controlar a jornada.

É essencial distinguir entre o desconhecimento genuíno e a cegueira deliberada. Enquanto o primeiro representa a falta real de informação, o segundo implica uma escolha consciente de ignorar sinais claros de irregularidades. Essa diferença é importante porque a cegueira deliberada pressupõe que o agente tenha conhecimento da conduta esperada, mas, ainda assim, decide não agir em conformidade. A omissão de um colaborador não apenas compromete a ética nos negócios, mas expõe a organização a riscos reputacionais e jurídicos significativos.

De acordo com o artigo 422 do Código Civil a execução de um contrato deve respeitar os princípios da boa-fé e esta é uma relação de confiança bilateral, onde se esperam padrões mínimos de honestidade, lisura e transparência. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se pronunciou em casos dessa natureza como se pode conferir no processo nº 0001465- 38.2011.5.06.0011.

A Justiça do Trabalho já possui entendimento pacífico no sentido de que um trabalhador pode ser dispensado por justa causa em casos de omissão. O ato de improbidade previsto no artigo 482 da CLT admite a conduta ativa ou omissiva. Cito um caso ocorrido no Rio de Janeiro (TRT-RJ), em que a negligência dolosa do empregado causou prejuízos à empresa e aos seus colegas de trabalho. Um empregado que tinha ciência de uma fraude capaz de maquiar os resultados de uma empresa e se omite em denunciar, recebendo participação nos resultados superestimados pode ser penalizado por tal omissão.

A desobediência a ordens pode caracterizar insubordinação ou indisciplina, justificando a demissão por justa causa. Esse comportamento muitas vezes decorre da falta de definição clara de funções e responsabilidades, agravada por processos internos desorganizados e falhas de comunicação. Para reduzir esses riscos, é essencial investir em uma comunicação corporativa eficiente, com políticas claras e documentação precisa, promovendo transparência, engajamento e melhor performance.

Outro ponto é a implementação de processos de onboarding eficazes. O ingresso de novos colaboradores representa uma oportunidade central para alinhar expectativas e estabelecer parâmetros que nortearão as relações de trabalho. Conhecer profundamente o código de ética das empresas que se está ingressando, bem como os seus regulamentos internos é não só uma obrigação dos trabalhadores e cabe às empresas saber divulgá-los.

A criação de canais de denúncia eficazes e a promoção de um ambiente seguro são medidas indispensáveis. Esses canais precisam ser formalizados em políticas internas e acompanhados de iniciativas que incentivem a comunicação de irregularidades sem medo de represálias. Quando negligenciadas, essas medidas podem levar a sanções trabalhistas, cíveis e até criminais para os envolvidos, além de danos irreparáveis à reputação da empresa.

A prevenção é sempre o melhor caminho e, para isso, é necessário que a empresa dedique tempo para planejar sua jornada. Companhias que adotam medidas estruturais de compliance, promovem a formalização e o alinhamento contínuo e incentivam a cultura de responsabilidade individual e coletiva estão melhor preparadas para enfrentar os desafios do mundo corporativo.

Jovacy Peter Filho e Luiz Eduardo Amaral de Mendonça são, respectivamente, advogado, mestre e doutor em Direito; e sócio do FAS Advogados in cooperation with CMS, mestre em Direito

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico
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