28 maio Tribunais superiores validam pontos acordados
Tribunais superiores validam pontos acordados
Entre os temas que estão chegando às Cortes superiores, estão flexibilização de jornada, redução no valor do seguro de vida, grau de insalubridade e mesmo a natureza jurídica da comissão.
A gama de assuntos negociados diretamente entre empresas e trabalhadores ou sindicatos tem aumentado desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) chancelou a prevalência do negociado sobre o legislado, no ano de 2022. Entre os temas que estão chegando às Cortes superiores estão flexibilização de jornada, redução no valor do seguro de vida, grau de insalubridade e mesmo a natureza jurídica da comissão.
Em um recurso analisado em novembro de 2024, a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que era válido um acordo firmado entre uma empresa de turismo e um trabalhador estipulando que o pagamento de uma verba, tratada como uma espécie de comissão, não teria natureza salarial – e, portanto, não poderia repercutir sobre outras verbas trabalhistas.
O advogado da causa, Marcos Avallone, explica que, na verdade, a verba era uma compensação salarial paga a motoristas de ônibus pela exclusão dos cobradores. “A verba tem natureza indenizatória, para compensar pelo exercício de função extra”, explica. No acordo coletivo e nos lançamentos, no entanto, o valor foi tratado como “comissão”.
Por causa disso, a Justiça do Trabalho, em primeira e segunda instâncias, aplicou a previsão legal da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que determina, no artigo 457, parágrafo 1º, que a comissão deve ser incorporada ao salário e ter reflexos nos demais encargos. No TST, no entanto, o entendimento foi revertido, com base no julgamento do Supremo sobre a validade de acordos e convenções coletivas que limitam ou suprimem direitos trabalhistas (Tema 1.046).
Segundo o TST, o objeto da negociação, ou seja, a natureza da comissão “não constitui objeto ilícito, nos termos do artigo 611-B da CLT, o qual enuncia um rol de direitos que não podem ser objeto de transação em acordos e convenções coletivas, caso sejam suprimidos ou reduzidos” (RR 59-62.2021.5.23.0106).
Segundo Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, a possibilidade de alteração da natureza das verbas por negociação coletiva divide opiniões. “De um lado, há quem tema a ‘flexibilização excessiva’ de direitos. De outro, cresce o coro daqueles que enxergam nesse movimento uma evolução indispensável para a eficiência das negociações setoriais, desde que preservados os direitos fundamentais e indisponíveis”, diz.
Mais recentemente, em março deste ano, o TST validou uma norma coletiva que dispensa o registro de ponto para empregados de nível superior. A norma tinha sido chancelada pelas instâncias inferiores, mas o trabalhador levou o caso ao TST alegando que a cláusula era nula.
Por maioria, no entanto, os ministros da 5ª Turma decidiram que o controle da jornada não é direito indisponível, nos termos definidos pelo Supremo, e, portanto, “prevalece a autonomia da vontade coletiva” (processo nº 0016071-12.2017.5.16.0002).
Daniel Ribeiro, do VLF Advogados, destaca que a decisão consolida a importância das negociações na modernização das relações trabalhistas. “Esse precedente fortalece a tendência de valorização das negociações coletivas, incentivando a adequação das regras trabalhistas às especificidades de cada setor ou profissão”, afirma.
Os casos que chegam ao Supremo também vêm sendo chancelados. Negociação envolvendo adicional de insalubridade, por exemplo, foi analisada em 2024. Em decisão monocrática, o ministro Gilmar Mendes entendeu que o acordo coletivo que previa pagamento do adicional em grau médio deveria prevalecer sobre um laudo pericial que tinha identificado insalubridade em grau máximo na atuação de uma trabalhadora de limpeza.
Ao levar em conta o laudo pericial, “o acórdão impugnado divergiu do Tema 1.046, que autoriza tal flexibilização de direitos trabalhistas, desde que observados a adequação setorial e os direitos absolutamente indisponíveis dos trabalhadores”, diz o ministro (ARE 1482761).
Outra questão levada ao STF foi a jornada em turnos ininterruptos de revezamento. A empresa, uma montadora de automóveis, sustentou a existência de negociação coletiva para prorrogação da jornada de trabalho mediante compensação. O TST, no entanto, considerou que a cláusula foi descumprida e invalidou as cláusulas que permitiam escala de trabalho superior a seis horas.
“O acórdão recorrido, sob o fundamento de examinar o cumprimento de cláusula de norma coletiva, em realidade, interpretou o ato negocial para afirmar a sua nulidade, em contrariedade à tese de repercussão geral”, consignou o acórdão do Plenário Virtual, que determinou a devolução do caso ao TST para aplicação da tese (RE 1476596).
A 2ª Turma do STF, por sua vez, analisou a redução do valor de seguro de vida oferecido aos trabalhadores, mediante negociação coletiva. Os ministros derrubaram decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) que determinou o restabelecimento das coberturas anteriormente vigentes (Rcl 63250).
Segundo Matsumoto, é importante validar acordos e convenções porque as leis não são suficientes para abarcar a complexidade das relações do trabalho. “As relações laborais são marcadas por novas tecnologias, multifunções e arranjos produtivos dinâmicos. Se a legislação não confere a necessária flexibilidade, a negociação coletiva surge como um canal legítimo para equilibrar interesses de empregadores e empregados.”
Além disso, ele destaca que as mudanças que à primeira vista parecem reduzir direitos, quando negociadas legitimamente, normalmente têm uma contrapartida financeira ou em benefícios, considerada vantajosa pelos trabalhadores. Embora possam surgir questionamentos sobre a verdadeira representatividade dos sindicatos e sobre o equilíbrio da negociação, acrescenta, rechaçar a prevalência da negociação é uma forma de negar a existência da autonomia coletiva.
“O STF, ao consagrar o conceito de ‘adequação setorial negociada’, deixa espaço aberto para que as partes busquem caminhos diferentes, sem que isso signifique aniquilar os direitos trabalhistas fundamentais”, diz.
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